Olivia escrita por Loren


Capítulo 9
Casa




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/658054/chapter/9

***

—Ai!- eu praguejei mais uma enquanto Madame Pomfrey costurava a ferida.

—Acalme-se, menina! Falta pouco!- ela disse e costurou mais três pontos até amarrar a ponta e puxar a linha.- Pronto. Foi um corte horrível, mas irá melhorar.- ela disse jogando a agulha e os papéis sujos de sangue seco no lixo.

—Obrigada.- disse minha mãe e a senhora apenas assentiu a cabeça, recolhendo-se em seguida.- Muito bem. Agora a senhorita, vá dormir. Amanhã será um longo dia.

—E você?- perguntei enquanto ela me ajeitava no leito com os lençóis e o travesseiro.

—Vou ficar bem aqui, não se preocupe.- ela respondeu baixinho e se sentou em uma cadeira ao lado.

Adoraria ter conversado com ela, ter descoberto mais sobre seu passado e sobre uma parte dela que eu desconhecia, mas adormeci tão rápido quanto a lua em desaparecer por trás das nuvens. Naquela vez, não sonhei com nada. Apenas o silêncio e o vazio me abraçaram de forma acolhedora. Em muitos anos, não tive pesadelos.

***

Raios de luz espalhavam-se pelo chão frio da enfermaria e tocavam suavemente meu rosto.

Ao abri-los, vi a cadeira vazia. Sentei-me e corri os olhos pelo recinto abandonado. Ao longe, eu podia ouvir passos apressados e risos estridentes. Pareciam estar abaixo dos meus pés. Desci da cama e calcei os tênis. Dei uma espiada rápida no recinto da enfermeira e sem ter a mínima presença desta, saí da enfermaria silenciosamente. Após ter descido um lance de escadas, me distraí ao bocejar e me topei com alguma parede.

—Olhe por onde anda, senhorita.

Levantei os olhos para a voz rouca e engoli em seco.

—Desculpe.- eu murmurei e ele arqueou uma sobrancelha.- Professor Snape.

Ele passou por mim e distanciava-se com passos largos e rápidos, com a capa ondulando atrás de si.

—Ah! Professor!- ele parou abruptamente e virou-se com um olhar extremamente aterrador.- O senhor viu minha mãe?

—Não.

—Ah, desculpe, achei que a tivesse visto...

—Por que teria achado isso?

—Ah, nada, nada! É que ontem parecia que se conheciam..

—Conhecidos e amigos são coisas muito diferentes, senhorita De Angellis.

—Ah, claro. Desculpe.- murmurei e ele continuou seu caminho.

Me mantive no mesmo lugar até ele dobrar uma esquina e sumir da minha vista.

—Credo, que senhor medonho.- comentei para mim mesma com um arrepio passando pela nuca.

—Olivia!

—Tão bom ouvir a melodia dessa voz.- ironizei para minha mãe.

Estendi os braços para recebê-la, mas com toda aquela delicadeza da minha mãe, era óbvio que ela não ia me dar um abraço.

—O que está fazendo aqui?! Quem disse que podia sair da enfermaria?!- perguntou balançando meus ombros rudemente e com o rosto tomado pela raiva.

—Ah... A enfermeira?- sua expressão suavizou rapidamente. Do nada, parecia entediada.

—Acabei de vir de lá.

—Ah... Ok. Talvez eu tenha me aventurado pelos corredores. Desculpa.

—Quantas vezes terei que dizer para não sair em um lugar que você não conhece?! Se machucou?! Encontrou alguém que lhe fez mal?!

—Mãe! Acalme-se! Ninguém me fez mal! E eu não avisei porque a senhora não estava ali! Onde estava?!

—Isso não vem ao caso.- finalizou com a expressão séria e suspirou.- Não faça mais isso.

—Vai ser um pouco difícil, visto que eu vou estudar aqui e a senhora vai estar em casa.- comentei sarcasticamente.

—Conversamos sobre isso depois. Vamos.- pegou meu pulso e começou a me arrastar pelo corredor.- Já estamos atrasadas.

—Para quê?

—Que pergunta! Já esqueceu? A escolha da sua casa.

***

A porta era muito mais pesada do que aparentava ser.

—Uma... Ajudinha... Mãe?- eu pedi enquanto tentava abrir a porta.

Ela revirou os olhos e com um movimento da mão, a porta começou a se abrir lentamente. Eu não sabia dizer o que me deixara mais surpresa. O fato de que a senha para uma gárgula de pedra subir e mostrar que sua parte inferior era uma escada que levava para a sala do diretor, era o nome de um doce, ou se minha mãe conseguia abrir a porta sem empurrá-la ou se eu estava na sala do diretor que era estupendamente (sim, estupendamente!) grande e cheia de livros com outros artefatos lindamente feitos que eu jamais havia visto!

O que realmente havia me atraído a atenção, não foram tais objetos, nem mesmo o fato de que haviam vários professores e que havia um chapéu velho em cima de um banco e sim, as pinturas. As paredes e até mesmo o teto eram revestidos por pinturas com vários e distintos rostos. E se mexiam! Antes eu poderia ter dito que estava louca, mas sabia que eles se mexiam. A maioria estava dormindo, mas podia ver um ou outro fazendo movimentos inoportunos durante o sono e até mesmo alguns cochichando entre si.

—Mãe! Como isso é possível?!- eu perguntei animada e ela me repreendeu com um olhar.- Que foi?

—Mais tarde.- virou-me e empurrou-me até o banquinho que havia no centro da sala.

Dumbledore estava sentado em sua mesa e me observava com as mãos cruzadas, escondendo parte do seu rosto. A professora com olhar de gato levantou o chapéu e eu me sentei com um nó na garganta. Haviam outros três professores: Snape, com sua cara carrancuda; um extremamente baixinho com um sobrancelhas bem erguidas e a barba branca chegando até o fim do pescoço; e uma senhora gordinha com bochechas rechonchudas e rosadas, sustentando um sorriso dócil.

Durante o caminho minha mãe havia me explicado que cada casa tinha seus pontos, seu salão comunal, seu professor e sua história. Particularmente, eu havia gostado de todas as histórias, exceto a de Salazar. Achava um pouco exagerado sua vontade de apenas “puros-sangues” na escola. No entanto, eu não me identificava com nenhuma. Talvez fosse por isso que eu estava nervosa. Pela probabilidade alta de eu não ser escolhida para casa alguma.

—Hum... Que mente bagunçada...

—Ai meu Deus... Ai meu Deus... Mãe! O que é isso?! O chapéu, ele está...

—Acalme-se. Ele gosta de falar muito, mas vai decidir para qual casa você irá.- explicou McGonagall.

—Ah, claro! Super normal um chapéu falar na minha cabeça!- eu brinquei com puro nervosismo.

—Hum... Sua linhagem diz uma coisa, suas vontades outra e o seu interior, mais uma. Você é uma das criaturas mais raras que já vi... Tem de tudo um pouco, do pouco um tudo. Tão sentimental... Não deixe que isso te atrapalhe. Pode ser sua desgraça. Tantos desejos, tantos sonhos... Céus! Que bagunça! Afinal, que desejas?

—Quero ser tão feliz quanto minha mãe foi.- pensei vagamente.

—E o que a faz pensar que sua mãe foi tão feliz assim?- encolhi os ombros.

—Ela não é?

—Ela aparenta ser?

Fitei minha mãe e seu estado de cansaço que possuía sempre. Por um momento, eu a vi como uma estranha.

—Quero um lugar bom.- por fim pensei, afinal, não sabia como responder a pergunta do chapéu.

—Certo... Que assim seja...- então, ele falou em voz alta.- LUFA-LUFA!

Os professores bateram palmas e McGonagall ergueu o chapéu. Minha mãe tinha os olhos lacrimejados.

—Essa casa é... Boa?

—Sim. É, sim.- me abraçou fortemente.- Que seja feliz lá, querida.

—Obrigada.

Os professores se retiraram aos poucos, restando apenas a senhora gordinha e Dumbledore. Quando me virei para este, percebi que tinha um sorriso no canto da boca.

—Meus parabéns, Olivia. Lufa-lufa é uma casa muito boa. Não leve a sério o que os outros disserem. São poucos os que entendem a real essência de Helga.- e virou-se para a senhora.

—Ahm.. a senhora é Helga?- ela disparou a rir.

—Claro que não, menina! Eu sou a professora Sprout, ensino Herbologia e sou a prefeita da casa de Lufa-lufa. Tudo o que precisar ou reclamar, pode falar comigo.- e me estendeu uma mão.- Venha, vou te mostrar seu salão comunal e seus colegas.

Olhei para minha mãe instintivamente. Eu ainda tinha tanta coisa para falar, mas seu olhar já dizia o de sempre: mais tarde.

—É aqui que me despeço.- e me abraçou mais uma vez. Tinha a leve impressão de que ela ia inundar o meu ombro com tantas lágrimas.- Nós nos veremos nas férias. Eu te escrevo e tu tenha a cara de pau de fazer o mesmo.

—Sempre às ordens, mãe.- respondi rindo.

—Boa sorte.

No momento em que nos separamos e eu desci as escadas com a professora, senti que deixava para trás a zona de conforto em que eu vivi por tanto tempo. Vulgo, minha mãe era extremamente protetora e de repente, me larga em um internato que confia somente porque ela estudou ali. Tudo bem, isso deveria contar bastante, mas a ironia era que, para mim, não bastava. Eu ainda tinha tantas perguntas para lhe fazer e principalmente a do chapéu. Dizem que o tempo é o senhor da razão e da verdade. Eu era uma pirralha de doze anos, obviamente não ia compreender ouvindo, apenas vendo.

E isso, o tempo fez por mim.

***

A professora Sprout me lembrava aquele tipo de velhinhas bem adoráveis que moravam nas casinhas das esquinas em Siena.

Ela era baixinha e usava um vestido com cores pastéis e meio esquisito. Eu não sabia dizer se ela usava um xale por cima ou se já fazia parte do vestido. O chapéu era feito de retalhos velhos e ela tinha cheiro de terra e adubo. Ela me deixou a par do que era mais importante para se lembrar do castelo como, por exemplo, o Salão Principal, algumas salas de aulas e o que era proibido, como a Floresta Proibida (o nome já dizia, eu suponho), os outros Salões Comunais, a sala do diretor sem autorização, salas dos professores sem emergência e nada ficar nos corredores até tarde. Era razoável.

—Bem, você fará o primeiro ano, já que foi apenas um ano de atraso. Alunos do primeiro ano não pode entrar para o time de quadribol. E, infelizmente, você perdeu o jantar de recepção para os alunos, mas não se preocupe, os outros não deixam de ser fartos.- e parou diante de uma porta pequena, ao lado das portas do Salão Principal.- Hora de ver seu salão. Venha.

Ela entrou e desceu por uma escada em caracol. No fim, um corredor se estendia pelos meus lados e a professora tomou a direita. Ela tinha as mãos uma cima da outra e tinha um olhar ansioso.

—Muito bem.

—O que houve?

—É a hora de saber se você realmente é uma lufana. Não se preocupe se errar, é a primeira vez, e por isso mesmo temos que ver se merece ou não a lambança!- alertou-me.- Olhe a parede.

Quando o fiz, levei um susto e dei um passo para trás. A parede era repleta de barris. Vulgo, tampas de barris enormes para permitir a passagem de uma pessoa normal. Nunca contei quantos barris tinham na parede. Lembro apenas que foi o terceiro que fez minha palma formigar.

—E agora?

—Batuque. No ritmo da Lufa-lufa.

Eu a olhei desconcertada, mas ela apenas sorria. Comecei a pensar. No mínimo, tentar. Eram barris e pelo o que entendi, Helga viveu há muito tempo. O que os barris guardavam em sua época? Conservas. E bebidas! Festas! Claro! Batidas fortes e alegres. Por um instante, lembrei do semblante de Hogwarts. O texugo. Nem rápido, nem lento. Aos poucos, acelerei e comecei a rir. Era divertido ouvir o som do batuque que as madeiras produziam no eco do corredor. Alguns segundos foram assim, até que uma maldita farpa entrou no meu dedo e parei antes de finalizar as batidas. Resultado? O barril ao lado explodiu e me encharcou com um líquido aguado e escuro. Cheirei minha roupa.

—Vinagre?

—Ah, é um ótimo jeito de afastar visitantes indesejados! Sempre funcionou! Mas você fez bem. Apenas não concluiu. Não se pode parar, por mais que doa.

—Me lembrarei disso.- concordei e ela terminou de abrir a porta.

—Bem vinda ao Salão Comunal.- anunciou e me maravilhei com a simplicidade e aconchego do lugar.

Tinha a sensação de estar em casa. Eram mesas com pés tortos e cadeiras acolchoadas. Uma lareira sob um retrato de uma mulher e poltronas largas ao redor. Alguns buracos acima nas paredes permitiam que a luz de fora pudesse entrar. Mais à frente, eu podia ver alguns túneis escuros com outras tampas de barris nas paredes. Havia várias faixas amarelas e pretas penduradas na sala, além de alguns vasos com plantas e flores.

—A escolha não foi ontem, professora?

Desviei o olhar e encontrei uma menina loira com bochechas sardentas e lábios em forma de bico.

—Ah, ela chegou atrasada, Hannah. Bem, alunos e alunas, esta é Olivia De Angellis. Ela irá cursar o primeiro ano dela em Hogwarts.

Todos pararam suas tarefas e me fitaram curiosos. Eu engoli em seco. Um medo de ter que viver sozinha naquele castelo me assaltou e a vontade de sair correndo parecia muito boa escolha. Mas um menino chegou até mim e me olhou dos pés a cabeça.

—Errou o ritmo.- eu abaixei a cabeça, envergonhada.- Mais uma lufana, pessoal!- ele gritou e todos gritaram juntos, vindo logo depois me cercar e me encherem de perguntas.

—Acalmem-se! Ela nem ao menos se limpou!- avisou a professora e afastou todos.

—Não se preocupe, professora. Eu posso ajudá-la.

—Eu acho melhor que uma menina a leve até ao banheiro das meninas para ela se limpar sozinha.- ele levantou as mãos.

—Desculpe. Não foi má intenção!- explicou risonho.

—Sei que não. Hannah, poderia ajudar Olivia, por favor?

—Claro! Seja bem vinda!- ela anunciou e tomou a minha mão, arrastando-me para fora do círculo e levando-me aos túneis novamente.

Olhei para trás e vi a professora conversando com o rapaz. Corei quando ele desviou o olhar para onde eu estava indo. Eu olhei para frente e controlei a vontade de sorrir. Não me culpem. Todos têm suas paixões platônicas na vida e eu não tinha culpa que Cedrico Diggory era um dos meninos mais bonitos da Lufa- lufa.

***


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Olivia" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.