Scream 2016 escrita por S Nostromo


Capítulo 4
Ghostface e a saga do furacão


Notas iniciais do capítulo

E que comece a matança (de novo)!



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As vozes de Claudius e Igor, eu as ouvi, uma de cada vez. Pareciam engasgar em algo. Um deles aparentemente havia pedido ajuda. A primeira coisa que vi ao abrir os olhos fora alguém com um roupão e aquela máscara horrenda. A droga do Ghostface. A faca fincada no peito do paciente que estava sendo levado, o aparelho respiratório fazendo um incomodante barulho constante e agudo. Ele olhou para mim. Era minha vez, de novo. Agarrei em coisas pelo caminho e comecei a me puxar para trás, para longe do psicopata. Agarrei as portas de trás da ambulância e as abri. Cai no chão. Engatilhei pelo asfalto úmido, dessa vez tive forças para berrar por ajuda, por mais que estivéssemos em uma estrada vazia e escura apenas com algumas árvores. O furacão estava a uma distância considerável de nós, e podia vê-lo sugando terra e atirando coisas para todos os lados.

A cena foi bem parecida com a primeira vez: o psicopata se ajoelhou em cima de mim, a todo custo tentava enfiar aquela faca violentamente em minha carne. Virei o rosto para o lado, desviando da lâmina já banhada em sangue. Dei um soco, desta vez digno, em seu rosto. Ele segurou em meu pulso no segundo golpe, e eu segurei em pulso que portava a faca. Entre as gotas de um começo de chuva e ventania, podia ouvir nitidamente sua respiração pesada, devia estar pingando em suor por baixo daquela roupa. Usava toda sua força para tentar empurrar a faca contra mim, e ao mesmo tempo segurar minha outra mão. Eu compartilhava da mesma situação, movimentando apenas os olhos, assistindo aquela máscara inerte macabra e a faca que sua mão segurava com tanta dedicação. “Merda, merda, merda Abel. Pensa, pensa. Merda, pensa em alguma coisa!”. Subitamente me lembrei de uma cena do filme, em que o assassino ali tornava realidade, uma cena de Sidney na mesma situação, onde ela se livrou jogando o cara por cima de seu corpo. Scream 2? Sei lá, tanto faz. A vantagem de saber como o jogo funcionava estava começando a ajudar. Botei a ideia em prática: apoiei o joelho no estômago do psicopata o arremessei por cima de mim. Seu corpo bateu de costas contra a rua. Levantei-me. A fuga continuou tão complicada quanto antes. O acidente que o imbecil do Claudius causou deixou minha perna dolorida, sequer conseguia andar direito. Segui apoiando pela lataria da carcaça da ambulância. Eu não sei o que acontece, qual é a conspiração da vida em colocar problemas ruins em algo que já está ruim. A vida costuma foder a gente muito bem feito nessas horas, e dessa vez ela me trouxe um espasmo na perna. Era uma maldita cãibra. Eu praticamente travei no meio caminho. Olhei para trás e o assassino já estava mais perto do que eu havia imaginado. Aquilo era como um jogo de gato e rato, de presa e predador. E eu sinceramente odiava a sensação da indefesa, de não poder reagir como deveria, de não ter as mesmas armas para atacar. Odiava a sensação de ter uma pessoa sedenta pela minha morte sem eu mesmo saber quem era. Por quê? Quem era ela para julgar se eu deveria morrer ou não? Quem era ela para achar que seu rosto seria o último que eu iria ver antes de morrer? Não! Isso não é certo, é injusto. Odeio que brinquem com meus medos, odeio que consigam me manipular, me deixar dessa forma, desesperado e com medo, enquanto aquela pessoa por trás da máscara se diverte de algo tão sério para mim, aquela pessoa que pode até mesmo estar rindo do meu instinto de querer viver, enquanto ela simplesmente não corre praticamente perigo algum. É humilhante. Sério, de verdade, eu gostaria muito estar do outro lado da situação. Ser eu o cara com a faca, rindo da vítima, por baixo da máscara, que grita inutilmente por ajuda e que minutos depois vai ter sua carne dilacerada dolosamente. E o melhor: eu adoraria que fosse aquela pessoa atrás da máscara, que queria me matar naquele exato momento, a vítima clamando por ajuda. Seria legal eu estar no controle da situação e ele se ferrando. Eu só tive tempo de me proteger com as mãos da faca, aquela porra de faca. Que merda, quando chegaria a minha vez de ser o predador e me vingar? Provavelmente não chegaria nunca.

Fechei os olhos, a espera do golpe fatal, e quando os abri, estava dentro da ambulância novamente.

– Foi um sonho... – eu disse sozinho.

Fechei os olhos por um segundo e recostei a cabeça para trás. Exalei alívio em um suspiro. Então me lembrei do acidente, havia mesmo acontecido. Olhei em minha volta e vi o corpo de Igor e do paciente sem nome. Engatinhei até eles. Ambos foram esfaqueados, estavam mortos. Desci da ambulância e abri a porta do motorista. Claudius estava igualmente morto. Uma cena que não vale a pena descrever ou entrar em detalhes. O furacão estava mais próximo, como no sonho. Segui a estrada andando, vagamente manco. Jogado na beira da estrada encontrei a clássica e inesquecível máscara. Ele havia passado por nós. Que ótimo. O roupão e a faca, suja de sangue, também estavam próximos. Decidi ficar com a faca, de mãos vazias é que não ficaria. Foram alguns minutos até encontrar um pequeno posto de gasolina. Dois carros parados, nenhum atendente por perto. Passei pelo pátio e tanques. Olhei os carros cuidadosamente pela janela. Não havia ninguém em nenhum deles, embora o carro vermelho me fosse familiar. Então fui para a loja de conveniência. Empurrei a porta de vidro, um sininho tocou, e algo se remexeu atrás do balcão. Contei quatro corpos mortos logo na entrada, e sangue respingado até no teto. O ditado “atire primeiro, pergunte depois” me pareceu válido.

– Esfaqueie primeiro, pergunte depois – sussurrei para mim mesmo.

Aproximei-me do balcão com a faca pronta para um ataque rápido, mortal e quem sabe não muito doloroso. As teorias de gato e rato do sonho ainda estavam frescas em minha mente, e eu sentia meus músculos contraírem de raiva ao pensar que era tudo a mais pura verdade. Mas agora não era um sonho, e eu tinha a chance de fazer diferente. A chance de fazer do jeito certo, e não ser a vítima indefesa.

Coloquei-me diante do balcão, a faca levantada acima da cabeça, a adrenalina já corria em cada célula do meu corpo, pronto para me proteger caso fosse preciso. Um grito ecoou longo e irritante. Um arrepio me subiu pela espinha. Eu ameacei atacar por puro reflexo, mas não o fiz porque reconheci a voz. Eu precisava treinar a hora certa de fazer isso.

– Emily! – exclamei.

– Abel!

Ajudei-a se levantar e nos abraçamos. Emily começou a chorar no mesmo instante.

– O assassino – ela disse. – Ela está aqui, ele matou todo mundo! Ai meu Deus, ai meu Deus, Abel! Não pode ser o César os policiais o mataram eu vi! Eu vi, bem na minha frente. Ele em cima de mim tentando me sufocar, então vieram os tiros e o corpo dele caiu em cima de mim eu vi eu juro que vi, ele morreu!

– Calma Emily – eu disse em voz baixa.

– Por que estão fazendo isso conosco?

– Emily, quieta! – falei em um sussurro feroz. – Se ele estiver por perto vai nos ouvir! A gente tem que sair logo daqui.

– Não consigo. A minha perna...

Havia um pedaço de metal, com um formato de um prego gigante, enterrado em seu tornozelo.

– Como fez isso? – perguntei incrédulo.

– Eu não sei – sua voz encheu de medo, ameaçando chorar. - Ele apareceu aqui e nos atacou. Eu... Tropecei e derrubei uma prateleira em cima de mim. Então veio a dor horrível. Ele devia ter pensado que eu estava morta. Deus, eles matou todos aqui.

– Certo, eu vou até a ambulância ver se tem algo para te ajudar.

– Não, não me deixa, por favor! Ele ainda pode estar por perto, lembra?

– É – concordei, e percebi em como estava sendo contraditório. – Tem razão. Monta nas minhas costas, vou te carregar.

E assim fizemos. Atravessei o posto de gasolina, e prestes a seguir pela estrada, Emily deu uma sugestão:

– Meu carro – ela disse. Então me recordei de que aquele carro vermelho era dela – Podemos usar ele.

Foi uma ótima ideia. Deixei a faca no painel, coloquei Emily com cuidado no banco e adentrei no motorista. Alguns galhos batiam na lataria sem piedade. O vento constante começava a ficar um pouco gelado. O tornado que mais parecia um buraco negro sugava tudo para si.

– Pensei que ia voltar para a casa dos seus pais – eu disse.

– Era o que eu estava fazendo – ela comentou. – Meus pais vieram me buscar, então paramos para abastecer e...

Sua voz sumiu, e deu lugar a um choro triste e carregado.

– Eu sinto – foi tudo que consegui dizer com toda sinceridade, enquanto segurava em uma de suas mãos.

Paramos ao lado da ambulância. Desci rapidamente e fucei dentro do veículo. Encontrei uma pequena bolsa com coisas de primeiro socorros. Quando voltei para o carro, Emily estava do lado de fora. Tentei me aproximar, mas ela foi arisca, recuou, com alguns pulinhos com o único pé possível de se usar.

– Não chegue perto de mim!

– O que foi? O que eu fiz? – rebati.

– A faca – ela disse. – A droga da faca que fosse deixou dentro do carro, é idêntica a do assassino!

Fiquei alguns segundos olhando para ela, se equilibrando e apoiando no carro.

– É sério isso?

– Seu desgraçado – gritou. – É claro que é sério! Seu monstro!

– Ei, ei, ei! Ficou maluca? É óbvio que não sou o assassino!

– E de onde veio a faca? De onde você saiu? Por que chegou logo depois que ele matou todos?!

Revirei os olhos.

– Estava voltando para casa de ambulância quando um vento causou o acidente. Eu acordei e me deparei com os três caras que estavam comigo mortos a facadas. Encontrei a porra da faca jogada no chão, junto com a máscara e o roupão. Depois eu fui até o posto de gasolina e encontrei você. Satisfeita?

– É? E por que você foi o único a sair vivo? Hein?

– E você? Por que foi a única a sair viva? – rebati.

– Não tente me culpar seu babaca! E por que eu seria idiota de enfiar um pedaço de ferro na minha perna depois de matar todos?

– A prima da Sidney faz quase a mesma coisa em Scream 4 para parecer vítima.

– Ai pelo amor de Deus – ela reclamou. – Isso aqui não é um filme. Tem um maluco querendo nos matar!

– Ou maluca, não é?

– Pode ser, ou você quer jogar a categoria de ghostface em mim para me matar quando eu menos esperar.

– Na boa, eu cansei.

Atirei a bolsa diante dos seus pés e segui andando.

– Aonde vai? – ela perguntou.

– Voltar para a república antes que esse tornado seja o motivo de eu estar prestes a morrer pela terceira vez em tão pouco tempo.

Voltei o pouco do percurso que havia feito. Coloquei o corpo para dentro do carro e peguei a faca.

– Isso é meu mesmo – confirmei. – Fui eu que achei.

Pouco a pouco fui deixando toda aquela cena de crime para trás. Não sei o que Emily fez, não olhei para trás. Se fosse mesmo a assassina, não teria o que fazer contra mim mancando daquela forma. Sobre a piscina de mortes no posto, bom, eu não conseguia pensar direito naquilo tudo. Era surreal demais.

Uma luz ia ser tornando intensa gradativamente atrás de mim, projetando minha sombra cada vez mais comprida. Olhei por cima do ombro. Era Emily dirigindo. Fiquei esperto para o caso dela simplesmente me atropelar. Mas não aconteceu. Eu parei, e ela parou ao meu lado. Desceu do motorista, ainda manca. Havia retirado a barra de metal e enfaixado a perna. Não dei muita atenção, mas devia ter doído um pouquinho demais.

– Quer dirigir? – ela perguntou.

Olhei para a estrada. Atrás de nós apenas o breu e o furacão vindo em nossa direção lentamente e que nos seguiria até a entrada da cidade. Em frente mais estrada e mais escuridão.

– Pode ser – respondi.

Acertamos as contas assim: rápido e indiretamente. Agora dirigindo um carro, e ao lado de Emily que tornou a chorar pela morte dos pais, seria mais rápido chegar até a república.


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