A pele dorme, mas corta-me o frio.
O olhar vazio enche-se da poesia do céu.
Que mundo sombrio é esse em que me crio?
Desejo vê-la sob o preto do véu.
 Ah! como a chuva musicaliza minha solidão,
assim fecho os olhos e me clareia a visão.

Oh! Minha dama, por que choras?
Não se flagele incompreendida,
açoite minha carne com cada tua ferida.

Se teu quarto é frio, serei teu sol.
Se teu chão é áspero, serei tuas asas.
Se teu mundo é escuro, erguer-te-ei um farol,
e ei de afugentar os males com espada em brasas.

Se a tristeza cai gélida,
despenca de nuvem esquálida,
aqueça-se em meus braços, querida.
que seu corpo se vista de água tépida,
que ela rubra sua pele pálida. 

Seus olhos me tocam a bela sinfonia,
e ela me soa sombria,
com as mais doces notas em desarranjo.
Mas sou filho da melancolia,
quem conduz sua música com maestria.
Por isso sou eu o teu anjo!

Minha amada dama da noite, ouça com atenção.
Abra este pandora onde trancafias o coração,
guardado pelas sete chaves da solidão.

E quem sabe um dia haverá de descobrir
que eu jamais deixei de ser teu anjo,
não até que a seda da morte venha me cobrir.