Dracologia escrita por Tia Cafira


Capítulo 6
Felicia




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Ser albina sempre me definiu bem mais que o meu nome. Ou minha família. Ou o dinheiro. Mas meu nome é Felicia Velmont Woldorf. Híbrida de 3 famílias sobrenaturais; vampiros, bruxas e lobisomens. Nossa linhagem miscigenada nos deu capacidades mais fortes do que a de nossos ancestrais. Mas nada é uma receita. Puxei mais a minha mãe, que é vampira e também é albina. Meu pai é um bruxo, mas vovó é bruxa. Meu irmão puxou meu pai, com a pele bem escura e uma bestialidade que acompanha burrice. Minha família mora na África do Sul, na capital. Lá era quente, povoado e muito diferente do que se pensa da África, a maioria é branca e existem prédios.

A minha família é dona da maior rede de tráfico de criaturas mágicas do planeta. Especialmente Dragões. São bestas das mais variadas naturezas que são diariamente postas em caixas escuras e fétidas, exportados por navios com navegante corrompidos. Lindo e inspirador. O mais hipócrita, é que meu próprio pai é visto como animal no mundo mágico, mas óbvio que ele sempre tem um argumento tentando explicar "a diferença".

Eu nunca parei pra pensar no que minha família fazia. Não era como se eles fossem donos de uma rede de pizzarias, eles são bandidos, pessoas más que sabem que estão fazendo maldade com animais que não merecem aquilo. Pois é, o mundo mágico também tem problemas de corrupção e ecologia, quem diria. Eu só parei pra pensar, quando eu fiquei mais próxima da minha avó, uma bruxa ancestral que sobreviveu a Caça às Bruxas do século XV, e era conterrânea dos Celtas. Uma mulher com mais de de mil anos, e consequentemente, muito sábia. Ela parecia ser a única a se incomodar com o "negócio da família". Eu fugia para a gruta dela e ficava lá ouvindo suas histórias e aprendendo bruxaria.

Eu tinha 13, ou 14 anos. Naquela época, eu tive meu primeiro namorado, um feiticeiro. A diferença entre bruxos e feiticeiros é sua maneira de praticar magia. Bruxos usam varinhas, caldeirões e velas, feiticeiros romperam com o culto e praticam magia como se fosse uma utilidade cotidiana. Algo mais leve e menos oculto. Foi o que me atraiu nele. A maneira como ele sempre vestia uma jaqueta jeans e inclinava o pulso para fazer algo pegar fogo. Com 14 anos, há mais coisas que pegam fogo e eu cometi uma loucura adolescente, qual eu me arrependeria 9 meses depois. Uma menina nasceu, e ele sumiu no mundo pra sempre, nunca voltou nem fez questão de conhecer a filha que ele havia feito em mim. Amarantha é hoje uma criança de 5 anos, e logo fará 6. Uma ruivinha que por pouco, não nasce tão branca quanto eu. Eu nunca a deixei cortar o cabelo e ela tem os olhos do pai. De um amendoado mel, quase amarelo quando se expõe ao Sol. Provavelmente o ser mais bonito que eu fui capaz de fazer, e serei capaz de fazer.

Com uma filha, vem a noção de que você precisa sustentá-la, e eu não era ninguém com 14 anos de idade. Com uma filha, é preciso acordar para a realidade, e eu estudei para passar no vestibular, e passei. Eu queria mostrar para os meus pais que não era irresponsável e que eu poderia conseguir tudo que almejasse. Eles ficaram felizes por mim, mas quando a carta chegou, a casa de dividiu novamente. Meu pai disse que eu deveria fazer Dracologia para poder ingressar nas ações da família:

–Desde quando é necessário diploma pra ser traficante?! - eu gritei chorando, rezando aos Deuses que Amarantha não ouvisse a tempestade que acabara de se formar na sala de jantar.

–Nós somos comerciantes! Não traficantes! Você sabe disso Felicia! - Meu pai gritava de volta. - Precisamos de um especialista, estamos perdendo mercadoria. Mas mais do que precisar de um especialista, você precisa de dinheiro, porque foi você que abriu as malditas pernas!

Aquilo foi duro de ouvir. Foi duro de engolir e de perceber o que eles achavam realmente de mim. Eles porque ninguém interveio, nem meu irmão, nem minha mãe nem mesmo minha avó. Eu respirei fundo e quando expirei eu só pude chorar. Chorar de vergonha pela minha família e por um segundo senti vergonha de mim mesma porque por um segundo pensei que a culpa fosse minha. Eu assumo responsabilidade por aquele momento de puro calor, mas eu esperava mais deles. Eu não sei muito bem como reformular meus pensamentos, como não sei formular o meu momento de agora, sentada em uma suíte particular da UUO morrendo de saudades da minha família e sentindo eterno arrependimento por ter dado razão ao meu pai. Por ter pensado que por ter um filho na idade que eu tive, eu estava fazendo parte da população marginal. Eu não cometi nenhum crime tendo Amarath. Eles estão cometendo crimes matando animais por dinheiro.

Sentada nessa cama, olhando de longe a luz que cai no piso do quarto, transparecendo aquelas partículas de poeira flutuantes, eu me sinto mais que cansada. E imaginando como seria minha vida se eu tivesse tido força o suficiente para reivindicar por ela. Como eu gostaria de não ter feito aqueles 4 anos estudando desnecessariamente e poder cursar Bruxaria, como eu gostaria de fazer isso com Amarath em um berço do meu lado. Como eu gostaria que ele nunca tivesse ido embora.

Como eu gostaria de não ter aceitado ser queimada no rosto por causa das iniciações que vovó fez aos espíritos, como eu gostaria dos meus cabelos tingidos do mais profundo preto, como eu gostaria de não mais ter olhos vermelhos e não ser tão magra, não entendo como fiz algo tão bonito como Amarath. Não entendo como sinto tantas saudades de um ser tão pequeno que só está na Terra há exatos 5 anos e 10 meses. Como gostaria de não perder o próximo aniversário dela. Como gostaria que minha vida fosse diferente. Diferente em um modo calmo, belo e tão menos amargo como a Famiglia Velmont Woldorf.


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