– Christina.

– A primeira coisa que você vai aprender comigo é como manter a sua boca fechada!

Dito isso todos ficaram calados e Quatro continuou o nosso tour pelo complexo da Audácia.

“Esse é o fosso, que vocês vão aprender a amar.”, “Essa é a sala de treinamento”, e vários lugares, assim como o quarto dos iniciados e o banheiro. Sem nenhuma privacidade é claro, eles não querem pessoas comodas e sim pessoas que sabem se adaptar.

Depois do nosso pequeno tour nos trocamos e seguimos para o refeitório, um lugar barulhento e cheio.

Estamos caminhando para tentar achar um lugar juntos. Eu, Christina, Will que é um transferido da Erudição e Al um cara grande é o que eu diria dele.

Will é legal, eu posso facilmente me acostumar a ele, mas sinto que Christina está com uma intenção maior do que só uma amizade e não quero ser a vela da situação.

Achamos uma mesa onde nos sentamos, o Quatro estava lá e como fui a última a sentar só sobrou o lugar perto dele para mim. Na verdade é cômodo ficar perto dele, uma sensação boa de lar. Mas eu não posso me permitir pensar isso, agora ele é só o Quatro meu instrutor de iniciação.

Todos estão se servindo e eu os imito, mas não sei bem o que fazer com um pedaço redondo de carne, não temos essas comidas extravagantes na Abnegação.

– Você nunca comeu um hambúrguer? - Pergunta Will.

– Ah, então é assim que se chama?

– Como você nunca comeu um hambúrguer na vida? - Will parecia sinceramente chocado com isso, não sei bem se com razão já que todos sabem que a Abnegação não tem esse luxo todo.

– A Abnegação come comida simples. - Diz Quatro sombriamente ao meu lado, ele não olha nada em particular quando diz isso, e também não acrescenta mais nenhum comentário.

– Então é por isso que você saiu de lá. Entendi. - Diz Christina como se fosse a coisa mais normal do mundo. Sinceridade pode ser complicado.

– Claro, foi só pela comida. - Eu digo e rolo os olhos.

Não sei como começou, mas eles estavam em uma discussão sobre suas antigas facções, Will disse que Christina não tem filtros e fala tudo que lhe vem a mente, ela retrucou dizendo que os Franqueza só dizem a verdade.

– Nós dizemos a verdade por que temos os fatos. - Diz Will se referindo a Erudição.

– Eu não quero ouvir sobre as suas antigas facções, estão na Audácia agora. - Diz Quatro, ainda sem olhar especificamente para nada.

Depois de um tempo de silêncio o Eric vem até nossa mesa e fala com o Quatro. Ele parece quase com inveja, a sua postura quando está perto de Quatro é como a de um cachorro tentando ser o alfa, ele está quase urinando em tudo só para provar que manda.

Quando ele vai embora eu solto o ar que nem percebi estar segurando e olho para o pessoas, eles estão meio confusos com essa troca de falsa amizade entre Eric e Quatro. Mas fazer o que né? Volto para a minha comida.

– Vocês são amigos? - Pergunta Christina.

– Não. Eric foi um transferido da Erudição na mesma iniciação que a minha.

– E você também é um transferido? - Pergunto o testando para ver até onde poderia ir com ele.

– O que te faz pensar que você pode me perguntar alguma coisa? - Ele pergunta me olhando nos olhos pela primeira vez desde que sentei aqui.

Ele não me intimida realmente, é mais como se ele me desafiasse e eu sou atraída a retrucar.

– Talvez porque você seja tão receptivo. - Digo olhando em seus olhos e completo. - Como uma cama de pregos.

Ele desvia o olhar para longe do meu e dá um leve sorriso de desafio.

– Cuidado, Tris. - Diz e se retira dali.

– Minha amiga você está pedindo para morrer. - Diz Christina e aí eu percebo que não estávamos apenas eu e ele, o pessoal ainda está ai. Olho para eles e rio, eles também riem da minha súbita coragem de desafiar o tão temido Quatro, mas para mim é como antes. Não devia ser, eu sei, mas não dá para evitar, nós nos provocávamos o tempo todo quando eramos amigos.

Mais tarde todos vão dormir, eu estou deitada em minha cama com essas roupas da Audácia e não consigo dormir. Não pela roupa, é claro, mas por ter reencontrado Tobias e ele me desprezar tão firmemente.

De madrugada decido levantar para ir beber uma água, talvez caminhar um pouco. Faço o caminho para um dos corredores onde vi um bebedouro. Está tudo no maior silêncio, só o que pode ser ouvido é meus passos e minha respiração.

Bebo minha água e me sento no corredor, costas apoiadas na parede, me encolho e coloco a testa no joelho, a sensação é boa. Sei que sou pequena e fraca, mas eu preciso terminar a iniciação. Esse é um dos meus maiores problemas, fora, é claro, ser divergente.

– O que você está fazendo aqui, Beatrice? Você está bem? - Escuto uma voz dizer e não preciso olhar para ver de quem é. Quatro.

– Sinceramente, você se importa Quatro? - Eu digo frisando o seu apelido estúpido.

Raiva é tudo que sinto agora, o que substitui bem a preocupação. Com raiva eu talvez possa lhe dar.

– Olha… - Ele começa, mas não termina. Quando percebo ele está la, sentado do meu lado como antigamente.

– O que você está fazendo?

– Você não devia ter vindo para a Audácia, não devia ter me seguido. - Ele diz, e com isso eu não consigo mais olhar para ele.

Ele acha que eu o segui, é claro. Ele entendeu tudo errado. Rio com escarnio ao pensar nisso, eu nem ao menos sabia que ele tinha ido parar na Audácia.

– Olha eu entendo que pense isso, mas não foi por isso que eu vim. Até porque no momento em que você me contou que iria me abandonar eu decidi não ter mais nada haver com você. Tanto que eu impedia qualquer um de me dizer uma palavra sobre você, nem ao menos sabia que você tinha vindo para a Audácia. Pensei que se você não fosse para a Amizade você iria para a Erudição ou algo assim, você sempre foi inteligente.

Paro um segundo para olhar como ele está surpreso e me deleito um pouco com isso.

– Olha Tobias, eu lutei muito contra mim mesma para te bloquear e agora estou com você de novo na minha vida, eu não escolhi isso. Eu não escolhi.

– Então porque você veio para a Audácia? Eu não entendo.

Me veio uma grande dúvida, contar ou não contar sobre a divergência para Tobias? Eu ainda podia confiar nele, será que ainda existe nem que seja um grãozinho da confiança que tivemos um dia?

– Olha, eu vim pra cá porque é onde pertenço. Você sabe como me sentia na Abnegação e percebi que a Audácia era o mais perto do que eu queria. E tem outra coisa, mas não acho prudente falar isso aqui. - Digo e olho para uma câmera que provavelmente não estava conseguindo nos ouvir ou ver, já que estávamos na sombra, mas é uma desculpa aceitável no momento.

– Eu sei o que você é, Beatrice. E você não devia ter vindo para a Audácia por isso, aqui é muito perigoso para você. Eles vão tentar te matar se descobrirem.

– Eles quem?

– Não importa.

– E porque você se importa? Você deixou bem claro desde o primeiro segundo que te vi que nós somos como desconhecido.

– Eu não quero meu passado aqui, eu tenho uma vida avulsa a que eu tinha na Abnegação. Não quero que isso mude. Mas ainda assim eu me importo com você. Eu mataria qualquer um que tentasse algo contra você. Mantenha isso em mente. - Ele disse se levantando.

– Olha, isso é tão confuso. Me ajude.

– Seja discreta, Tris. - Ele diz e quando fala meu apelido sei que voltou a ser o Quatro e não o Tobias que acabou de conversar comigo. - Você sabe que amanhã de manhã eu voltarei a ser o seu instrutor mal, não sabe? - Ele diz com um sorrisinho de lado.

– Eu sei.

– Bom. Vá dormir, você vai precisar dessas horas de sono.

– Você também. - Eu digo e ele some pelo corredor.