Dois anos depois…

Em minha casa tem apenas um espelho, e estou sentada em frente dele olhando para o meu cabelo recém cortado e amarrado por minha mãe. Isso só dura um minuto, olhar no espelho é algo que a abnegação descarta, não é algo apropriado.

– Obrigada, por cortar o meu cabelo. - Digo olhando para minha mãe depois de me levantar.

– Está nervosa? Com o seu teste? - Ela pergunta, o seu semblante como sempre o mais sereno que poderia ser.

– Não, o teste nos diz o que fazer. Você estava nervosa no seu teste?

– Não… Eu estava aterrorizada. - Ela diz e me dá um pequeno sorriso cúmplice.

***

O teste de aptidão deveria nos dizer o que fazer, mas a moça que o aplicou para mim disse que ele não funciona comigo, pois eu sou divergente. Tenho medo até de pensar nessa palavra.

No final ela me mandou embora pelos fundos, e eu fiquei confusa. Era para o teste me dizer o que fazer, me dizer a qual facção eu pertenço. E o teste só me confundiu ainda mais.

Abnegação, Erudição e Audácia. Esses foram os meus resultados, a escolha é minha, mas é tão difícil mesmo quando o teste deveria me guiar e agora nem isso eu tenho.

É o meu dia de fazer o jantar então assim que dá a hora de começar eu vou para a cozinha. Meu irmão Caleb chega poucos minutos depois de eu começar e me ajuda. Estava tão perdida em pensamentos que me surpreendi quando ele falou comigo.

– Beatrice, porque você foi embora cedo?

– Eu passei mal e me mandaram para casa.

– Mas você terminou o seu teste certo? - Ele perguntou preocupado.

– Sim. - Eu respondi. E o teste não me serviu muito.

Ficamos alguns minutos em silêncio somente fazendo o jantar.

Tivemos um jantar como qualquer outro, em essência só quem falava eram meus pais. Eles falaram da dificuldade que nós estamos enfrentando pela erudição querer comandar o governo.

Depois do jantar fomos dispensados de fazer qualquer coisa para descansarmos para o dia da escolha que é amanhã.

Eu e Caleb subimos as escadas em direção aos nossos quartos. Quando eu ia abrir a porta do meu quarto o Caleb me parou, me fazendo olhar para ele.

– Beatrice, amanhã quando você for escolher você tem que pensar na família.

– Tudo bem.

– Mas você tem que pensar em você também. - Essa foi a coisa mais egoísta que eu já ouvi o Caleb dizer. Para mim ele era puramente e sem questionamentos da Abnegação, agora não tenho tanta certeza.

– Faça o mesmo. - Eu disse e nos abraçamos.

– Boa noite, Beatrice. - Ele disse e foi para o próprio quarto.

A noite para mim não existiu, eu não consegui dormir um só segundo pensando no que escolher e ainda assim eu não sei para onde ir. Ficar aqui com os meus pais, com a minha família significaria seguir essas regras que toda a minha vida me prendeu, eu não sei se conseguiria ou o desconhecido de outra facção.

Amanheceu e eu não percebi nada do que estava fazendo até estar sentada no prédio onde eu faria a escolha, meu irmão de um lado e meus pais do outro. Os nomes eram chamados e a cada pessoa eu ficava mais nervosa. Acho que minha mãe percebeu meu nervosismo pois pegou minha mão entre as dela e sussurrou só para que nós duas escutássemos.

– Eu te amo. Nada mais importa.

E com isso eu entendi que minha mãe me entendia, que ela me apoiava. Ela sabia até antes de mim mesma que eu não pertencia a Abnegação. Agora eu só preciso decidir para onde ir, segundo o meu fatídico teste tenho a opção de erudição ou audácia.

– Caleb Prior. – Assim que Caleb foi chamado eu tinha decidido para onde ir. Sem nenhuma influência de ninguém e sim porque eu realmente me conheço e sei onde pertenço.

Caleb foi para o centro onde as cinco bacias representando as facções estavam, pegou a face e cortou a mão como qualquer outro. Estava ansiosa para saber se o Caleb previsível que eu conheço é o verdadeiro Caleb.

Assim que o sangue de Caleb caiu na bacia da Erudição olhei para meus pais, eles estavam chocados, minha mãe tinha um olhar de incredulidade e meu pai de indignação.

Isso complica um pouco a minha decisão, eu não sei se é certo deixar os meus pais sozinhos. Abandonados pelos dois filhos de uma vez só.

Assim que Caleb se sentou junto com os Eruditos o meu nome foi chamado pelo Marcus. Eu olhei para a minha mãe e ela me deu um pequeno sorriso, eu me levantei e fui até o centro da sala.

O corte que a faca fez na minha mão foi quase indolor, eu estava muito nervosa para sentir qualquer dor por completo. E eu escolhi, escolhi pensando em mim.

– Audácia. – Anunciou Marcus e eu sai andando na direção do pessoal da Audácia, eles me receberam como verdadeiros Audaciosos com bastante barulho.

O resto da cerimônia passou como um borrão na minha mente, só me lembro de ter olhado várias vezes na direção dos meus pais, meu pai estava arrasado, mas minha mãe que pegou o meu olhar algumas vezes tudo que transpassava era que me amava, assim como ela tinha dito, que me ama e nada mais importa.

Depois da cerimônia terminar como sempre a Audácia saiu primeiro, eu já tinha colocado um curativo no meu corte, que agora estava dolorido. Andei junto com os Audaciosos, no ritmo rápido deles.

Assim que chegaram fora do prédio eles começaram a correr e eu fui junto, correr era algo bom para mim. Eu me lembro vivamente quando era mais nova e quando via os Audaciosos correndo em direção ao trem, igual a agora e eu corria junto deles, sentia o vendo no meu rosto.

Agora aqui estou eu correndo com os Audaciosos, fazendo parte dos Audaciosos. Correndo em direção a minha nova vida, aos meus novos desafios na Audácia. E esse era o momento que eu me senti mais livre em toda a minha vida, livre como o vento.

Essa sou eu!