Quando dá o horário para meus pais irem dormir eu faço como o combinado. Subo no telhado da minha casa e espero por ele, para ele é mais difícil sair despercebido de casa. Tobias, o meu melhor amigo desde… Sempre.

Me encolho e envolvo a coberta ao meu redor e espero pelo Tobias, admirando a imensidão do céu enquanto espero. Não demora muito e o sinto chegar, sim, eu sinto. Nós temos uma conexão tão forte que eu posso sentir quando ele está perto, não sei se é o mesmo para ele, mas para mim é a melhor coisa nesse mundo cinza da abnegação.

- Beatrice. - Ele diz assim que chega do meu lado.

- Tobias.

Abro espaço no meu casulo feito de cobertor para que ele também possa se aquecer. E ficamos assim por um tempo, um do lado do outro embrulhados numa coberta olhando para o nada. O silêncio com o Tobias é confortável, não temos necessidade de o preencher com palavras jogadas ao vento. Eu gosto disso.

- Então, amanhã é o grande dia, pronto para por o plano em ação? - Eu digo, amanhã é o dia da escolha de Tobias e estou preocupada, nosso plano é explorarmos juntos, mas ultimamente ele parece relutante.

Nosso plano é ir para a amizade juntos e de lá vamos dar um jeito de fugir juntos, atravessarmos os muros e nos aventurar pelo que sobrou do mundo. Bem ele vai primeiro já que ele é mais velho do que eu, apenas dois anos, enquanto eu não vou ele descobre como podemos fugir. Vivermos juntos e sem regras é o nosso objetivo.

- Sobre isso… Eu não acho que devemos fazer isso. - Ele começou me olhando com cuidado, eu não quebrava o contato visual, queria que ele visse a mágoa nos meus olhos.

- Mas… Mas nós estamos esperando por isso fazem anos, agora você vai dar pra trás? Eu não acredito! - Eu disse indignada e me levantei, o cobertor foi esquecido no chão quando nós dois nos levantamos.

- Abaixa a voz, podem nos ouvir. - Ele disse alarmado.

- Tudo bem. - Eu disse um pouco mais controlada, bem… Pelo menos minha voz estava controlada, o que já é um começo. - E então o que fazemos agora?

- Beatrice…

Ele não precisava dizer mais nada, só o modo como ele falou o meu nome eu entendi tudo, ele tem planos claro, mas eu não estou incluída neles. Ele está me abandonando.

- Não! Diz que eu entendi errado e você não está me abandonando. - Eu disse num fio de voz, parecia que todo o meu chão tinha sido tirado de debaixo dos meus pés e eu estava caindo infinitamente em um buraco sem fim.

- Não pensa assim por favor. Você é muito importante para mim, eu não estou te… Abandonando.

- Tobias, porque você está fazendo isso comigo? Eu nunca te deixei na mão. Nunca! Nem mesmo quando o Marcos… Você sabe. - Eu não gostava de tocar nesse assunto, o fato do próprio pai de Tobias o espancar dói muito nele… E em mim também.

- Eu não estou te abandonando. Nós só vamos seguir caminhos diferentes. Eu não sei para onde eu vou ainda, mas você deve seguir o seu coração, deve se conhecer o suficiente para saber para onde deve ir. - Nesse momento ele estava me abraçando e eu estava chorando em seu peito coberto pelo manto cinza da abnegação.

E foi nesse momento que eu me dei conta e aceitei duas coisas, primeiro que ele estava me abandonando, e segundo que eu estou e sempre vou estar apaixonada por Tobias, ele pode não retribuir, mas eu o amo. E perde-lo é como tirar uma parte de mim.

E essa foi a primeira vez que Tobias Eaton quebrou o meu coração.

Me separei dele e peguei o cobertor do chão. Fui andando calmamente para voltar para o meu quarto, eu não sei se posso com isso.

- Por favor, me perdoa. - Disse Tobias e me segurou para que eu não desse mais nenhum passo.

- Tudo bem Tobias. Eu entendo, você tem planos para a sua vida, e eu não faço parte deles. Fui só uma distração para a monotonia da abnegação. - Disse tudo isso sem expressar nenhuma emoção. Acho que nunca mais conseguirei sentir alguma coisa por alguém, estou quebrada.

- Não diz isso, eu só não posso te ariscar desse jeito, o que nós estávamos planejando talvez seria pior do que virar um sem facção. Eu não posso fazer isso com você. Me entenda. - Ele tinha um tom meio desesperado, e estranhamente eu não senti nada.

- Tudo bem. - Eu disse e me virei para olhar bem dentro dos seus olhos, me aproximei e acabamos com dois centímetros de distância, ele começou a ofegar, mas eu não sentia nada além de dor.

- Beatrice…

- Tobias, saiba que eu te perdoo, não se sinta mal por nada. Te peço que seja feliz, e que nunca se esqueça de mim. A pirralha da abnegação que ficava te seguindo para todo lado… E que te ama. - Terminei de dizer isso com lágrimas nos olhos, segurei o choro o abracei e voltei para o meu quarto.

Tobias ficou lá parado estático e com um olhar triste que eu nunca esqueceria na vida.

Essa noite eu nunca vou esquecer, ela foi marcada por eu ter perdido o meu melhor amigo e o meu amor.

Não sei bem quando amanheceu, mas sei que não consegui dormir, só chorar. Mas ao fim das lágrimas eu me decidi, decidi enterrar o Tobias em minhas memórias proibidas e mudar como eu vejo o mundo. De agora em diante eu vou ser a pessoa forte, a que não se abala e não sai magoada.

Não vou ser mais a garota previsível, vou me libertar… Bem, tanto quanto é possível se libertar na abnegação. Com esse pensamento eu rolo os olhos.

Alguns minutos depois minha mãe vem me acordar, bate na porta levemente e a abre em seguida.

- Eu não me sinto bem. Minha cabeça dói muito - Eu disse, pode parecer uma desculpa para não ver o meu amigo me abandonar, bem… Em parte é, mas eu realmente me sinto muito mal.

E é claro, eu não quero mais saber nada do Tobias, nem para onde ele está indo quando me abandonar. Isso dói.

- Você quer ficar e descansar?

- Sim, por favor.

- Tudo bem. Você pode ficar até se sentir melhor. Eu, seu pai e Caleb vamos para a cerimônia. Até mais tarde, meu anjo.

E assim como veio ela se foi, me deixando sozinha com o meu coração partido. Eu vou me recuperar hoje e amanhã vai ser um novo dia, com uma nova Beatrice. O Tobias nunca mais vai estar em minha mente, mesmo que isso me doa muito.

***

Ao longo da semana as pessoas tentavam me falar sobre o Tobias, mas eu os impedia, e com o tempo as pessoas entenderam que eu não queria falar dele. Sorte a minha que a abnegação não força as coisas.

E eu segui a minha vida, sendo tão abnegada quanto eu posso ser. Não tanto quanto o meu irmão Caleb.

Caleb, meu irmão, nos aproximamos mais nessas semanas, e acho eu que vamos ficar ainda mais ligados. Não próximos do tipo contar segredos, mas próximos de fazer companhia um para o outro e dar apoio seja no que for.