Amigo Humano escrita por ZodiacAne


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem! :3



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O som de uma bala saindo da arma foi uma das últimas coisas que Caleb escutou e depois a minha voz gritar o seu nome. Foi a última vez que ouvi a voz do meu amigo de longa data, que me criou e viveu muito coisa comigo. O seu corpo caiu duro no chão e o sangue sujava suas roupas.

O nosso único plano que deu errado e que lhe custou a vida.

Estavam correndo atrás de nós, só me restou fugir e deixar o cadáver lá. Aumentei a força de meu sistema para minha fuga ter mais chances de ser bem sucedida. E ela foi!

Eu fiz uma lápide simbólica para o meu amigo e “enterrei” com as condolências de um mercenário do lado negro.

Isso já tem uns cinco anos e eu passei a ser um simples androide que trabalha em um restaurante, no nível seis de Delta City, uma cidade construída por níveis em volta dos prédios, com distâncias de trezentos metros entre eles, até chegarem ao topo dos céus.

Falo com humanos todos os dias, mas nenhum deles é igual a Caleb. Não existe um só dia que não me lembre dele. Ele foi a primeira coisa que eu vi quando ganhei a minha consciência. Ele me construíra, me dera inteligência e me chamara de WhiteFlame. Porque androides tem nomes assim.

Eu sou um robô totalmente sob medida. Caleb me construiu reformando algumas sucatas que encontrara onde, no século passado, era Nova York, que agora era chamada de Cidade Baixa. Só depois dela que começava Delta City, trezentos metros acima, no nível um.

Ele já trabalhara na construção de inúmeros robôs, então ele tinha experiência com a coisa.

E no ano de 2100, eu “nasci”, deitado em uma mesa prateada e cheio de fios acoplados na minha cabeça.

– Seja bem-vindo, WhiteFlame. – Caleb sorriu

Primeiramente, observei o meu corpo também em tons de prata e com alguns filamentos acesos em azul. Observei minhas mãos e ouvi minha voz robótica pela primeira vez.

– WhiteFlame... – e olhei para o lado – Você é?

– Sou Caleb Navarro, um ex-engenheiro de androides. Eu fiz você! Cara, não tem ideia de quanta sucata eu soldei e poli para ficar assim. – ele viu que parecia confuso – Quer se levantar?

– Eu gostaria!

Ele arrancou os fios e me pus de pé. Éramos da mesma altura.

Um humano ainda estaria processando toda a situação, mas eu, como um ser robótico, já tinha entendido tudo, ou melhor, quase tudo.

– Qual é o seu objetivo em me criar, Caleb?

– Bem. Eu sai do ramo da Elite e estou entrando no mercado negro. Sei que tenho muito mais habilidades do que estavam aproveitando e as pessoas das profundezas pagam bem melhor.

– Eu não entendi nada.

– Nada que algumas pesquisas não lhe ajudem. Alias, você pode fazer isso agora. Eu conectei-o a grande de rede de informações mundiais, ou como chamavam antigamente: Internet.

Alguns segundos depois eu já estava a par do que ele me falara.

– Agora eu entendi.

Caleb riu.

– É igual uma criança mesmo, como me disseram.

– Por que fala isso?

– Eu já criei e montei diversas linhas de androides e robôs funcionais, mas é a primeira vez vejo um ao ser ligado.

– Tenho certeza que terá muito a me ensinar, porque crianças são seres humanos em desenvolvimento.

– Eu sei o que são. Eu já fui uma. Não quero que fique esfregando suas pesquisas sobre seja lá que for na minha cara.

-Você é... – pesquisei – Engraçado. Acho que é esse o adjetivo.

– Sim. – ele sorriu

– Caleb, não tem família? – indaguei – Como pai, mãe, esposa e filhos?

– Eu já tive. Meus pais já morreram e eu tive uma relação conturbada com a minha esposa. Nos divorciamos e ela ficou com nossos filhos.

– Não sei o que deveria te responder.

– Não precisa responder. Você é um androide, não precisa ter pena de mim. Eu já superei isso!

– O que fará no mercado negro?

– Aprendeu a usar a internet rápido em? – fez careta – Fabricaremos peças para modelos fora de linha e também realizaremos algumas missões, para tirar um dinheiro a mais por fora. Porque sempre tem um serviço mais sujo a ser feito.

– Serei seu companheiro.

– Sim, WhiteFlame.

– Você sabe que fogo não é branco, né, Caleb? Meu nome ser Fogo Branco não faz muito sentido.

– Faz sentido sim. Essa é licença dos nomes: Não precisam fazer sentido.

– Chame-me só de White então. Prefiro!

– Além de ser esperto, já está ganhando personalidade. Incrível! Vejamos se vai aprender tão rápido as outras coisas. Mas, antes...

Então ele me arrastou para um objeto de vidro com nitrato de prata no fundo, ou que vocês conhecem como espelho. Eu vi um reflexo e fiz como qualquer animal ou criança faria: Tentei interagir com ele. O que aconteceu foi o meu dedo bater no vidro. Ouvi o riso de Caleb outra vez.

– Este é você. Isso é um espelho e...

– E ele reflete o que fica na frente dele.

– Exatamente!

O que eu vi? Um rosto prata com o formato de um rosto humano. Minha cabeça era de cobertura arredondada, da mesma cor que a face.

E assim foi meu nascimento. E com o passar dos dias fui me acostumando com tudo a minha volta, exatamente como acontece com uma criança.

E logo depois comecei meu treinamento. Caleb me ensinou a lutar, a usar armas brancas e de fogo, além de me ensinar algumas coisas relacionadas a mim e a tecnologia.

Nos primeiros meses trabalhamos no laboratório-oficina de Caleb. Eu conheci e aprendi muito sobre peças, construção e conserto de máquinas, inclusive a mim mesmo. Eu sabia fazer a minha manutenção períodica, verificava o funcionamento, tudo sozinho.

Nossa primeira missão como mercenários foi realizar um roubo de informação na nuvem. Eu tive que entrar no sistema de segurança e hackeá-lo. Sabe quando sua consciência vai a outro lugar? Foi isso o que aconteceu! Invadimos o sistema com Caleb me guiando.

Sem contar as missões em que deveríamos ir ao local para roubar algo ou fazer algum acordo. Éramos um misto de virtual com o físico!

Foram longos anos em que fizemos isso e aproveitamos a companhia um do outro. Eu e Caleb éramos amigos!

Mas foi ai que aconteceu...

Um dos sistemas que invadimos, depois de uma grande dificuldade, conseguiu nos rastrear e encontrou o nosso esconderijo. E só soubemos que isso acontecera quando eles chegaram lá. Mandaram policiais de alto escalão para nos matar. Até um androide pode “morrer” se seu corpo for destruído e ele não tiver um backup na nuvem.

Nossos sistemas de segurança detectam a aproximação de nossos assassinos. Eu e Caleb corremos pelo túnel subterraneo que nos levava a uma zona segura e movimentada das profundezas da Cidade Baixa. Porém, os soldados sabiam do túnel também. Foram atrás de nós e como o ambiente era bem fechado, atiraram. Não foi muito difícil os tiros pegarem em nós. Eu refleti-os com minha lataria, mas Caleb, sem proteção, foi atingido em cheio. Ele caiu e eu tentei ajudá-lo. Pude ver o os buracos das balas em suas roupas e o sangue se espalhando pelo chão rapidamante.

– White, não se preocupe comigo. Vá!

– Não vou sem você, amigo.

– Você precisa! Ou você morre também. – ele olhou para mim, já um pouco enfraquecido, enquanto os passos ficavam mais próximos – Agradeço a todos os seus serviços, mas acho que eu vivi bastante para um mercenário. Quinze anos... Mais cedo ou mais tarde, isso aconteceria.

Um outro tiro ricocheteou na parede. Caleb se esforçava para se manter acordado, mas ele já tinha perdido muito sangue rapidamente.

– Adeus, Caleb! – foi tudo o que pude dizer, eu não poderia salvá-lo

– Adeus, White... Flame. – sorriu e suas pálpebras se fecharam

Deixei o meu amigo e fugi. Vaguei alguns dias pela cidade baixa, antes que um outro androide me encontrasse e me colocasse para trabalhar no restaurante. Tratei de apagar o meu nome dos registros de procurado para que eu pudesse ficar tranquilo e fui levando... Apenas isso!

Fiz alguns pequenos outros serviços aqui e ali, mas nada ilegal, enquanto mantinha o trabalho. Vivia em um apartamento pequeno no nível um, com apenas dois cômodos. Um era uma sala comum e o outro era o meu laboratório, onde eu fazia os meus serviços.

Eis que em mais um dia de trabalho comum, em horário de almoço, fui atender a um casal, um homem e uma adolescente. Dava para perceber que eram irmãos só pelo jeito que eles conversavam. Fui atendê-los e eu pudesse expressar emoções, ficaria surpreso. Ele era a cara do Caleb. Anotei o pedido deles e tentei fazer um reconhecimento de face nele, junto com algumas pesquisas. E sim, ele era mesmo o filho do Calleb, assim como a menina também era. Seus nomes eram Charlie e Claire.

Antes de pagar a conta, Charlie me perguntou:

– Androide, você é um modelo personalizado não? Eu nunca vi nenhum parecido com você.

– Sim, Senhor Navarro. Eu sou um androide de modelo personalizado. O meu próprio dono me construiu, usando as ferramentas e sucata que tinha.

– Sucata, Sucata? - Ele repetiu, meio desacreditado – Quem te construiu, pode me dizer?

– Caleb, Caleb Navarro.

– Meu pai? Você foi construído por meu pai? - ele falou sorrindo

A irmã parecia não entender muito o que acontecia.

– O que tem demais nesse androide, irmão? Ele parece com tantos outros.

– Você não entende, irmã. - ele me observou – Você realmente tem as características de uma robô projetado por meu pai. Sabe onde posso encontrá-lo? Tem muitos anos que não o vejo.

– Infelizmente, Sr. Navarro, seu pai faleceu.

– Como é? - disse ele ficando triste

– Eu não posso ficar conversando agora. Podemos ir rvisitar o túmulo e eu te conto melhor a história em um dos meus dias de folga.

– Tudo bem! Aqui, meu telefone. - respondeu, esticando o braço e abrindo uma tela passou a informação para meu banco de dados. - E claro, o pagamento do almoço.

– Obrigada, Sr. e Srta. Navarro. E lamento pelo o que tive que lhes contar.

– Eu que agradeço. Até mais ver!

E eles saíram.

No meu dia de folga, encontrei com Charles em frente a meu apartamento.

– Nunca vim ao nível um, aqui é... Sei lá...

– Estranho. Diferente. É porque não viu como é a Cidade Baixa e nunca queira.

– Por que?

– Morei por quinze anos com seu pai lá! Vamos?

– Sim! - ele parou – Alias, não perguntei o seu nome.

– É WhiteFlame. Mas me chame só de White.

– Realmente, esse nome seria bem típico do meu pai.

Não era tão longe assim, mas Charle fez questão que fôssemos em seu carro voador. No caminho contei uma versão bem resumida da minha relação com seu pai. Ele comentou no fim:

– Por influência do meu pai que eu também sou engenheiro robótico. Sempre ficava com ele na oficina de casa. Aprendi a gostar!

– Ele realmente era muito bom nisso. Tudo o que eu sei foi ele quem me ensinou.

E chegamos ao lugar, era um prédio memorial no nível quatro. Levei-o até a lápide do pai. Era bem pequeno, o que o deixou surpreso:

– Cadê o corpo?

– Ele morreu enquanto fugiamos da polícia, porque descobriram um de nossos roubos. Ele me implorou para ir sozinho. Peço desculpas por isso, Charles! – falei por formalidade

– Tudo bem! E eu fiquei mais de vinte anos sem ver e nem ter notícia do meu pai, pelo menos agora sei o que houve com ele. E, White, obrigado por isso.

– Era o mínimo que poderia fazer por um humano impressionante, quem me criou e foi meu amigo.

– Você tem chip de emoções, White?

– Não, na verdade. Processo as emoções, mas não as manifesto. Foi um upgrade que me dei.

– Entendi.

– Vou pode vir aqui quando quiser. Não é local exclusivo só meu. Traga a Claire e sua mãe.

– Minha mãe não! Ela não quis nunca mais saber do meu pai. Prefiro que fique apenas entre nós. Venha! Te levarei de volta.

Charles me deixou em minha casa. Fiz umas pesquisas sobre sua mãe e vi que ela era dona de uma das maiores empresas de robótica do planeta, a Vaughan-Shaw Robotics. Seu nome era Janie Braffington. O filho trabalhava como o engenheiro-chefe dos projetos da empresa.

Continue com a minha rotina. Até que, Charles apareceu para falar comigo ao final do meu expediente.

– Charles, o que faz aqui?

– Estou precisando de um ajudante na empresa. E bem, acho que você seria o androide ideal.

– Sabe que eu tenho o trabalho aqui.

– Eu vou te contratar e morara comigo, em minha casa.

– E quanto a sua mãe?

– Problema dela. Falo que um dos meus contatos te indicou.

– Tudo bem, eu aceito. Estou cansado de trabalhar aqui.

No dia seguinte, pedi demissão do restaurante e passei a trabalhar na empresa de Charles. E olha, minhas habilidades e conhecimentos foram muito úteis a empresa.

Não havia um só dia que não lembrasse do meu amigo de longa data, ainda mais quando olhava para o Charles. Pelo menos, ele é um Navarro também. Acho que agora eu sou tipo, como dizem, “da família”.


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Notas finais do capítulo

Comentem por favor! :3