O Massacre Voraz escrita por Charlie


Capítulo 4
4




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O nosso andar era o quarto e era completa e absurdamente grande.

A sala era o triplo da minha casa, a sala de jantar era o dobro. A sala de tevê também era grande e o sofá era um sofá esquisito, porém confortável. Tivemos a nossa primeira refeição quando chegamos. Frango, arroz, batatas, pães, sucos, conhaque, vinho, whisky, e algo que me disseram ser refrigerante. Eu comi pouco, porque eu fui diretamente para o quarto, que era do tamanho do meu quarto e do quarto do meu irmão no Distrito 4. Tinha um controle e eu apertei um botão, onde o vidro do lado se transformou em um deserto. Apertei de novo e logo virou para uma floresta e, quando apertei novamente, apareceu o mar. Aquilo me reconfortou um pouco que eu fiquei sentado de perna cruzada na cama e admirando aquela imagem, pois me lembrou de casa. Deitei-me na cama e continuei admirando a imagem do mar com as ondas quebrando na areia e logo peguei no sono.

O dia seguinte foi o de treinamentos. E antes de chegarmos ao andar de treinamento, Mags nos alertou para que se pudéssemos esconder nossas habilidades, seria bom, porque seria uma boa tática para surpreender os tributos inimigos na arena. Eu tentei seguir aquele conselho, mas não falo o mesmo de Paniella.

A instrutora do andar disse que poderíamos morrer de fome, de frio, de calor, desidratar, ou qualquer outra morte natural que poderíamos sofrer na arena. Nada com que Mags já havia conversado conosco e eu só consegui confirmar com a cabeça e deixar que ela falasse. Eu não iria mostrar minhas habilidades logo de cara, diferente de Paniella.

Paniella não soube seguir os conselhos de Mags, como eu havia dito. Ela pegou um bastão de espuma e começou a trabalhar com ele, lutando de igual para igual com um instrutor que a Capital fornecia. Depois ela tentou luta corpo-a-corpo com alguém que a Capital forneceu para ela lutar, ela quase perdeu, mas o voluntário ficou exausto e pediu para a luta acabar. Ela conseguiu se pendurar e passar as mãos pelos arcos presos ao ferro quando chegou a sua vez, mas eu não consegui fazer o mesmo. Ela não fingiu na hora de tentar fazer fogo com madeira, pois em questão de segundos ela fez isso, mas eu enrolei o máximo que pude até consegui produzir apenas fumaça. Paniella conseguiu fazer um razoável jogo de memória, quanto a mim, eu não consegui fazer parte do que ela fez, eu fui um pouco lento e não tive que mentir dessa vez. Atirar facas e lançar as lanças, ela foi uma das primeiras, apenas atrás da menina do Distrito 1. Eu, por outro lado, errei todas as facas lançadas e todas as lanças também. Como Mags disse, eu não podia fazer jus às minhas habilidades. Paniella estava indo tão bem que eu até fiquei um tanto espantado. Eu sabia o que ela estava tentando fazer. Ela queria criar Carreiristas e ela estava conseguindo, porém, ela não mostrou nada do que nosso Distrito a ensinou. Eu também tive que fazer o mesmo, mas eu não demonstrei total força que eu tinha. Mags disse para não fazer isso e eu segui o que ela mandou. Por mais que eu quisesse acabar com o cara que eu lutei corpo-a-corpo, por mais que eu quisesse acertar em cheio o rosto do cara com o bastante de espuma todas às vezes (quase o tempo todo) que eu via oportunidade para acertá-lo. Foi totalmente difícil não fazer aquilo.

No dia seguinte, a gente tinha que mostrar nossas habilidades. Eu não fiz isso também. Mas Paniella...

Ela tentou medir força, jogando uma bola de quase cinquenta quilos para longe, mas ela só conseguiu arremessar até uns dois metros à frente, o que fez alguns tributos rirem de sua cara. Ela, depois, foi tentar acertar facas com hologramas, acertando todos na cabeça, igualmente com os meninos do Distrito 1. Depois ela foi atrás de lanças, fazendo seus melhores lançamentos e acertando os alvos no coração e cara. E depois ela conseguiu uma espada (eu não sabia que ela era tão boa naquilo) e com movimentos rápidos, ela conseguiu decepar membros e cabeças de bonecos alvos. Sem contar que ela acertou boa quantidade de facas em alvos também, somente atrás dos meninos do Distrito 1, como eu havia falado.

Eu não fiz nada do que Paniella fez.

Eu apenas fiquei fazendo uma pequena rede, criando um anzol e algumas armadilhas perto de um pequeno matagal que tinha no canto daquela sala de treinamento. Ninguém sequer olhou para mim e nem mesmo pensou que eu fosse me exibir com algumas habilidades como a menina de meu Distrito. Eu pensei em fazer isso e juro que fiquei muito tentado a fazer, mas eu não fiz. Fiz o que Mags tinha mandado e fiquei na minha, simplesmente fazendo armadilhas e armando redes. Um garoto que parecia ter a mesma idade que a minha e de pele negra do Distrito 10 chegou perto de mim, pedindo se eu podia ensiná-lo a fazer uma armadilha e eu o ensinei uma armadilha muito mais do que simples de bom grado. Mags não havia dito que eu não poderia ensinar nada a ninguém e nem mesmo falou que eu não poderia falar com ninguém.

O garoto do Distrito 10 se apresentou como Dookie e eu disse que me chamava Clive e logo fiquei lhe ensinando a armar armadilhas simples e ele me ensinou como se pendurar em uma árvore de modo que eu ficasse completamente seguro e com bastante precisão. Ele era um gênio ao trepar em árvores e quando perguntei como ele aprendeu, ele disse que todos do Distrito 10 eram capazes de fazer isso, e quando ele me perguntou como eu sabia demais de armadilhas, eu falei que quando se morava no Distrito 4, isso era uma das coisas que a gente mais sabia fazer.

No outro dia, nós tivemos que exibir, um por um, nossas habilidades para os Idealizadores dos Jogos. Não era tão reconfortante assim. Apesar de tudo, eu não gostava de sentir olhos em mim e aquilo era sinal disso.

Quando chegou à hora de nos apresentarmos, eles chamaram os Distritos 1, 2, 3 e depois chegou o meu. Primeiro chamaram as meninas, então Paniella foi à primeira de nós dois. Ela demorou um pouco ali dentro, mas quando saiu, parecia completamente satisfeita e seguiu para o elevador, que a levou de volta para o nosso andar.

Eu não gostei da tensão, mas quando chamaram o meu nome, eu respirei fundo, levantei-me do banco de espera e adentrei na sala.

Ali dentro era igual aos outros dias que eu tinha treinado, a única coisa que mudava era que não tinha tanta gente treinando como antes. Era apenas eu e alguns bonecos. Mas quando eu pensei que poderia me soltar e treinar com algum voluntário da Capital, não tinha ninguém, só bonecos. E Mags disse que dessa vez eu poderia me soltar e mostrar minhas habilidades. Aquilo me deixou um pouco triste, mas eu avistei facas e lanças. Eu sabia que os Idealizadores me achavam um tremendo fracote por não ter mostrado nada de habilidades, mas ali era a hora de mostrar que eles estavam errados.

Peguei uma faca e fiquei na distância que era essencial para ser desafiadora. De relance, olhei para os Idealizadores e todos os olhos estavam em mim, mas eu tentei ignorar aquilo. Mirei no alvo e soltei a faca, errando. Droga!, pensei. Olhei para os Idealizadores e eles estavam rindo, mas continuaram me olhando. Respirei fundo e peguei outras duas facas, onde, mais concentrado, as lancei e acertei a cabeça duas vezes do alvo. Ouvi uns murmúrios vindos dos Idealizadores e pensei que aquilo era um bom sinal.

Peguei um boneco e deixei-o num local. Pegando fio de nylon, comecei a amarrá-lo em alguns cantos da sala, mas traçando caminho por toda a sala, até chegar do outro lado da sala, o lado oposto ao dos Idealizadores. Com uma faca na boca, olhei para eles e eles me olharam. Sorri de lado um tanto satisfeito por conseguir a atenção deles. Peguei a faca da boca e pus em minha mão. Parecia que não havia nada no campo de visão; sei disso porque o fio de nylon que eu tinha usado era tão transparente que eu duvidava que qualquer onde os Idealizadores estavam pudessem ver e nem mesmo eu via o fio de nylon direito. Olhei mais uma vez o caminho do fio e, no segundo seguinte, o cortei, liberando todo o trajeto que ela fazia e uma lança, saindo de trás de uma pilastra, acertou em cheio a cabeça do boneco, o fazendo voar para longe e prender à parede. E no segundo seguinte, outra lança foi em direção aos Idealizadores em questão de segundos de tanta rapidez, acertando o leitão assado que estava ali e pregando-o na parede com lança e tudo.

Eles me olharam com certa raiva, mas eu retribuí o olhar.

― Quem está rindo agora? ― perguntei em voz alta para eles e fiz uma reverência lenta logo em seguida.

E depois daquilo, eu saí da sala de treinamento.

No dia seguinte, todos ficaram na sala de frente para a tevê para que pudéssemos ver a nossa nota. Eu sabia que poderia receber uma nota baixa por conta da minha audácia em ter feito aquela lança acertar a refeição dos Idealizadores, mas eu realmente estava com raiva de tê-los visto rirem de minha cara. Então... bem, eu me senti um pouco melhor de ter tido minha pequena parcela de vingança. Mas eu estava prestes a ver se tinha valido a pena ou me custado Patrocinadores quando estivesse na arena.

Eu tinha contado à Mags o que tinha acontecido na sala de treinamento. Ela tinha dado uma pequena risada com o acontecido, igualmente a minha estilista e Sttefie não ficou nada contente, dizendo que tinha sido muito irresponsável de minha parte, mas eu tentei ignorá-la. Não porque ela estava sendo uma chata e falando demais, mas é que eu não precisava lembrar-me de minha audácia e irresponsabilidade, e talvez minha futura carta de morte na arena por conta de não ter Patrocinador nenhum. Mas, de qualquer forma, a tela começou com a insígnia da Capital e Caesar apareceu no instante seguinte. Ele começou a falar que era o dia das notas dos tributos e, sem mais delongas, ele começou a dizer. Do Distrito 1, o garoto e a garota conseguiram um nove, do Distrito 2, a menina conseguiu um dez e o menino um oito. O Distrito 3 ficou com nota oito com os dois tributos e logo chegou à vez do Distrito 4. Eu fiquei completamente nervoso e fiquei completamente silencioso. Mas a tela mostrou um enorme onze e minha boca escancarou no mesmo segundo. E a nota de Paniella havia sido um dez.

Paniella e eu comemoramos juntos e comemoramos com nossa mentora e estilistas e com a nossa acompanhante Sttefie. Eu pensava que tinha estragado tudo, mas não. Talvez minha audácia tivesse sido um pouco boa, na verdade. Porque se não fosse, não teria tirado um onze.

O jantar naquele dia tinha sido um pouco triste para mim, apesar da nota onze. Por quê? Havia sido peixe e tinha alguns pães à mesa. Quando eu vi aquilo, eu perdi o apetite no mesmo instante e fui direto para o meu quarto, para ficar longe de todos e para fazer uma coisa: chorar.

Ter visto aquele peixe, eu lembrei automaticamente de casa, de meu sobrinho... de minha cunhada... de meu irmão. Eu me perguntava como meu irmão poderia estar. Será que estaria orgulhoso com a minha nota onze, a única nota de todos os Distritos? Será que ele estaria preocupado? Será que ele estaria reconfortado por eu estar me saindo tão bem (em minha visão, claro) assim? De uma coisa eu sabia: eu estava morrendo de saudade de casa e principalmente de meu irmão.

Deitei-me em minha cama e comecei a chorar, mas o sono veio logo em seguida.

Por incrível que pareça, eu não tive sonho desde que tinha saído do Distrito 4. Acredito que minha cabeça estava trabalhando demais para poder sonhar com alguma coisa que fosse. Que seja.

Naquele dia era o dia da entrevista com o Caesar. E quando chegou a hora, Ennie havia me dado um bom terno, que era branco com ondas azuis nos antebraços e nas pernas, vestindo sapatos pretos e cabelo bem penteado, me deixando com uma aparência tão bonita quanto o traje da carruagem que eu vesti. Eu nunca tinha usado um terno antes e eu estava me parecendo como as pessoas da Capital de tão chique. Eu não gostei daquilo, porque eu não queria me parecer nada com a Capital. Em outras circunstâncias, eu tinha rasgado todo esse terno, mas eu tinha que estar bonito para entrevista. E como se não bastasse, Paniella estava tão bela quanto eu. Ela vestia um vestido de seda branco até a altura dos joelhos e a ponta do vestindo tinhas as ondas azuis do mar, e saltos altos nos pés. Seus cabelos cor laranja estavam caídos nos ombros com cachos... ela estava impecável.

― Você está linda ― comentei quando ela se aproximou de mim na fila para subirmos ao palco para a entrevista com o Caesar, e corei um pouco.

Ela sorriu um tanto sem graça e corou um pouco também.

― Obrigada ― disse ela. ― Você também está bem bonito. E o melhor de tudo... ― ela se aproximou mais de mim para cochichar e continuou bem baixinho: ― não fedemos a peixe ― ela deu uma leve risada.

Eu ri com ela para não deixá-la sem graça. Eu sabia que ela não fedia a peixe desde que a gente ficou no mesmo carro quando viemos para o trem para virmos até a Capital. Como sei disso? Paniella era da parte do Distrito 4 que tinha um pouco mais de condições de vida de que alguns. Não estou dizendo que só existe gente pobre no Distrito 4, porque não é verdade. Eu era pobre, mas eu não tinha condições miseráveis como a maioria do pessoal do Distrito 12. Mas Paniella podia ter acesso às loções (ou perfumes, acho) que tinham cheiro bom. Ela podia ter sabonete quando quisesse e não precisava trabalhar em alto mar e muito menos pegar cardumes em seu colo para vender no mercado.

Caesar começou a chamar os tributos e logo foram um atrás do outro, após cada entrevista. E como sempre os meninos do Distrito 1 e 2 foram os mais exibidos. Ambos falavam o quanto estavam preparados para os Jogos e não viam a hora de mostrarem seus valores quando pisarem na arena. Mais ou menos isso aí. Era tanta baboseira e superioridade que eu fiz questão de ignorar. Distrito 1 e Distrito 2, os queridinhos da Capital. Ugh! Queria que um deles fosse banido depois da grande guerra e não o Distrito 13.

Quando finalmente terminaram com o Distrito 3, Lannie e Ennie nos entregaram um dispositivo igual ao da carruagem. Ela disse que se Caesar pedisse para demonstrarmos as luzes de novo, era para apertarmos discretamente e a luz iria aparecer. Paniella e eu assentimos e logo depois Paniella foi a primeira a entrar. Aplausos e assobios vieram da plateia e eu bati palmas de onde eu estava nos fundos do programa.

― Aí vem ela, pessoal... Paniella Pointez! ― anunciou Caesar. ― A garota mais linda da Capital.

Paniella chegou perto de Caesar e fez um gesto com a mão, como se pedisse para Caesar parar de elogiá-la. Ela corou um pouco, o que deixou ela um pouco (se possível) mais linda do que antes.

― Oh, Caesar... pare ― disse ela um pouco envergonhada. ― Assim você me deixa sem graça ― e deu uma risadinha.

Os dois se sentaram na cadeira redonda e branca. Caesar vestia um terno todo verde, que combinava com seu cabelo na mesma tonalidade. Era tão estranho ver essas pessoas da Capital. Todos tão exóticos que me dava medo e náuseas. E por incrível que pareça, Caesar, Ennie e Lannie eram os menos exóticos.

Paniella havia sido modesta. Ela não tentou se exibir como tentou nos treinamentos. Caesar fez perguntas como era sua vida antes de ter se tornado tributo e ela disse que era apenas uma estudante e filha de comerciante. Caesar também perguntou como havia sido a chegada na Capital e o que lhe surpreendeu mais. A resposta dela foi um tanto engraçada, porque ela respondeu que a chegada a fez se sentir um pouco especial com tantas pessoas assobiando e batendo palmas para ela, e o que mais lhe surpreendeu na Capital foi quando ela ligou o chuveiro e tinha mais torneiras do que todas as pias da casa dela. Aquilo fez toda a plateia rir, inclusive Caesar.

Caesar e Paniella conversaram bastante. Quero dizer, ela conseguiu conquistar toda a plateia. Tudo o que ela falava, ela tinha um sorriso tão simpático e uma carisma extremo, que com certeza cativou todos de Panem. Eu sabia que a jogada dela era muito mais do que esperta, pois era evidente que ela estava tentando simpatizar com todos de Panem para conquistar todos os Patrocinadores possíveis para lhe ajudar quando estiver na arena. Esperta, pensei. E ela estava conseguindo, porque era fácil se levar pela simpatia e carisma de Paniella; era quase irresistível.

Certa vez, Caesar perguntou a Paniella se ela tinha um namorado ou paquera, mas Paniella simplesmente disse que estava completamente solteira, mas que admirava um garoto do Distrito 4, e que voltaria para ele, porque eles sempre fora sua paixão desde criança. Caesar sugeriu que ela ganhasse os Jogos e que voltasse para ele, e Paniella disse que isso já estava em sua cabeça desde que tinha sido selecionada na Colheita. Que legal.

E logo depois, Caesar dispensou Paniella e voltou a se sentar em sua poltrona branca e esquisita (como tudo na Capital era: esquisito). Mas ele se levantou logo em seguida, pegou um microfone.

Eu fiquei um tanto nervoso. Eu não sabia como lidar com muitas pessoas olhando para mim. Já tinha sido incrível eu ignorar todos os olhares que vieram para mim quando me voluntariei no lugar do meu irmão na Colheita, imagine ali? Eu não consegui fazer minhas pernas pararem de tremer e muito menos fazer minha mão parar de suar. Mas respirei fundo algumas vezes e tentei me livrar da sensação nervosa que estava se agravando em mim.

Uma pessoa vestida de preto e com um treco na cabeça veio até a mim e pôs uma mão em minhas costas, me levando para longe de Mags, Sttefie, Ennie, Lannie e Paniella. Aquilo me deixou bastante desconfortável, porque eu não queria ficar longe deles e ficar perto de um cara que era notável que estava fazendo plásticas no rosto desde os seus vinte anos; eu falo do Caesar.

― E para completar o casal vindo do Distrito 4 ― anunciou Caesar. ― Ele, o audacioso, Clive Kyllian.

Audacioso?, pensei. Mas eu deixei isso para lá e segui até Caesar, completamente nervoso e com um sorriso tímido de lado e acenando brevemente com a mão para a plateia.

A plateia parecia totalmente eufórica, porque não parava de bater palmas para mim e nem mesmo paravam de assobiar. Eu achei um tanto estranho, porque eu não entendia o motivo de tanta euforia. Talvez fosse pela minha nota onze, mas eu não sabia dizer ao certo.

Caesar me recebeu, apertando minha mão e me ofereceu o banco atrás de nós, para que nos sentássemos e assim fiz. Ele se sentou ao meu lado.

― Então, Clive ― disse Caesar e olhei para ele ―, diga-me... como é viver na Capital?

Eu não esperava por essa pergunta.

― Hmmm... ― fiz com a boca e franzi a testa, pensando um pouco. E respondi com sinceridade: ― Esquisito.

A plateia toda caiu na gargalhada.

― Esquisito ― repetiu Caesar, rindo também. ― Ouviram, só?

E foi aí que a plateia, juntamente com Caesar, riram ainda mais. Eu franzi a testa, mas depois suavizei a expressão e dei certa risadinha forçada. Esse pessoal da Capital era realmente esquisito, pensei comigo mesmo.

― Mas... enfim... ― disse Caesar, entre o riso e eu dei outro risinho. ― E aquele traje que usou na carruagem? Meu Deus! Aquilo foi incrível, não foi pessoal?

Ele se virou para a plateia e a plateia concordou, assobiando e batendo algumas palmas. E, entrando naquela onda de jogo do presidente Snow nos obrigava a jogar, me envolvi com a plateia, rindo timidamente e fazendo sinal para que parassem com aquilo, como se aquilo não fosse nada de mais.

― Diga-me ― falou Caesar. ― Como foi brilhar daquela maneira para você?

Pensei por um instante, jogando a cabeça de lado.

― Ahn... acredito que não sei te responder isso ― disse. ― Eu estava com os olhos fechados o tempo todo, torcendo para não ficar cego com tanta luz.

E como se não bastasse, a plateia riu tanto, mas tanto, que ficamos quase dois minutos rindo... igualmente Caesar, porque ele estava todo vermelho e quase chorando de tanto rir. E eu não sabia o porquê de tanta risada assim. Não via nada de engraçado no que eu falei, mas eu dei uma risadinha com eles para não os deixar sem graça.

― Ah, como você é engraçado, Clive ― disse-me Caesar. ― Mas eu acredito que você está sendo chamado de audacioso não é a toa, não é mesmo?

Caesar me olhou bem nos olhos e eu entendi o que ele quis dizer. Ele queria dizer que sabia o que eu tinha feito na hora em que havia ido mostrar minhas habilidades aos Idealizadores dos Jogos. Estava claro que ele sabia o que eu tinha feito.

Mas como resposta à sua pergunta, eu simplesmente dei de ombros e fiz uma cara de quem não sabia de nada, e ri logo em seguida, e ele e a plateia riram comigo mais uma vez. Como eu odeio a Capital, pensei.

― Mas, falando sério ― disse Caesar ―, foi uma forte decisão, a sua, em se voluntariar para o seu irmão, meu rapaz.

Parecia que toda a risada que eu tinha feito o povo ridículo da plateia e Caesar soltarem tinha acontecidos anos e anos atrás. Eu não disse nada, apenas fiquei olhando para Caesar e seus cabelos verdes, um tanto calado.

― Por que tomou uma decisão tão grande? ― perguntou ele. ― Uma vez que ele era o mais velho e deveria dar a vida dele pela sua.

― Eu não podia deixar meu sobrinho sem um pai ― respondi e reprimindo a raiva que senti de Caesar no segundo seguinte quando ele falou aquela frase depois de sua pergunta.

A plateia não disse nada. Olhei para eles de relance e todos estavam prestando atenção no que eu dizia, como se realmente estivessem tocados com aquilo. Mas eu sabia que tudo era fachada. Por que se sentiriam tocados com apenas aquela história verídica? Muitos que vão para os Jogos deixam famílias para trás e ninguém da Capital pareceu se deixar sentido por qualquer história. A hipocrisia dos membros da Capital me deixou com tanta raiva, que senti minhas mãos se fecharem com força, mas eu respirei fundo e tentei relaxar, tentando ignorar a raiva que veio sobre mim.

― Então aquele bebê é seu sobrinho? ― perguntou ele.

― Exatamente ― respondi, completamente sem vida.

― Então por que...

― Porque eu não queria ver meu sobrinho crescer sem um pai e nem mesmo a esposa de meu irmão sem o marido ― o cortei gentilmente antes que ele fizesse a pergunta mais óbvia da noite. ― Meus pais estão mortos e eu cresci sem eles. Eu sei o quanto é ruim e meu sobrinho precisaria do pai enquanto estiver crescendo. E eu amo meu irmão demais para vê-lo deixar sua família para trás. Era melhor eu do que ele. Ele já tem família; esposa e filho. Eu não sou pai e nem mesmo acho que tenho idade para isso.

― Você se arrepende do que fez?

― Nem um pouco ― respondi. ― É mais fácil eu participar dos Jogos do que ver meu irmão deixar a esposa e filho para trás.

E mais uma vez, o silêncio da plateia permaneceu. Talvez fosse porque nunca tinham visto um irmão mais novo se sacrificar para um mais velho. Bem, eles não sabiam a sensação de ver o irmão mais velho deixar esposa, filho e irmão mais novo para trás, para ir para um possível Jogo que poderia lhe matar. Eles não entendiam o sentimento que eu tinha pelo meu irmão e por sua família. Eles não sabiam o que era ficar sem chão com a hipótese de ter um irmão que sempre esteve do seu lado, que sempre te deu carinho, caminhar para uma morte; foi essa sensação que eu tive quando vi Viktor dar o primeiro passo quando seu nome tinha sido dito no dia da Colheita.

― Mas seu irmão foi visitá-lo, estou certo? ― perguntou Caesar.

― Sim ― respondi um tanto sério e confirmando com a cabeça.

― E o que ele lhe disse?

― Disse que eu não deveria me voluntariar no lugar dele.

― E o que você respondeu?

― Que o surpreenderia e venceria os Jogos para voltar para ele... para que pudéssemos ter uma família completa de novo. O prometi isso. E lhe dei uma piscadela ― dei uma risadinha nervosa.

Caesar me deu um sorriso de lado, mas eu sabia que ele fez aquilo para não me deixar sem graça.

― Acho que temos mais um motivo para te chamar de audacioso, não é, meu rapaz? ― comentou Caesar.

Dei de ombros, jogando as mãos para o alto.

― Talvez ― falei e a plateia riu.

― E o que você espera dos Jogos?

― Não espero nada, Caesar ― respondi com um sorriso de lado, porém gentil. ― Só espero poder ganhar para voltar para casa e ver meu irmão novamente.

― Você realmente quer isso, não quer?

― Mais do que a minha própria vida.

― Entendo perfeitamente, Clive.

Eu apenas assenti para ele com a cabeça.

É claro que Caesar não sabia nada sobre aquilo. Ele nunca teve que ser chamado na Colheita e muito menos tinha se voluntariado para os Jogos Vorazes como eu fiz. Ele não sabia nada do que era a palavra sacrifício significava. E eu me segurei muito para não falar muita coisa no programa de Caesar, porque eu queria permanecer vivo para ganhar os Jogos e voltar para casa.

― Bem, espero que vença, Clive ― disse Caesar. ― Estou torcendo por você.

― Obrigado, Caesar ― disse eu, com um sorriso de lado. ― De verdade.

Ele sorriu para mim e se pôs de pé, e me pus de pé também.

― Este foi Clive Kyllian, pessoal ― disse ele e pegou minha mão, levantando-a no ar. Eu era muito baixo para ele esticar toda a mão, mas eu fiquei com a mão toda para cima. ― O audacioso do Distrito 4!

Todos da plateia bateram palmas e assobiaram, uns até de pé, inclusive. Eu apenas sorri de lado para eles timidamente e acenei com a mão novamente. Mas eu queria mesmo era começar a xingar cada um deles, porque a falsidade deles me dava vontade de vomitar.

Eles fingiam estar com aquelas caras preocupadas somente para me fazer parecer fraco. E eu não era fraco. De todos os Distritos ali dentro eu era o único que tinha conseguido um onze. Eu não era fraco. E se estavam assim por conta do que eu tinha falado para Caesar do meu irmão, era bem melhor alguém da segurança vir me buscar, porque eu não admitia aquilo.

Eu não ia aceitar a Capital ficar desse jeito a respeito de mim só porque eu tinha me oferecido para os Jogos só para meu irmão poder continuar vivo e continuar com sua família... com Kate e Boris. Se eles estavam assim comigo agora, por que não com os tributos dos Jogos passados? Todos eles deixaram alguém para trás. Uma avó, um pai, uma irmã, um sobrinho... qualquer pessoa! Aquilo me deu tanta raiva que, depois que Caesar me dispensou do palco, eu virei às costas para todos eles.

E logo depois eu saí do palco.


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