O Prisma escrita por Yellow


Capítulo 2
Bem Vindo à Vida


Notas iniciais do capítulo

- Oi, meus queridos! Vocês estão bem?
Então, depois de finalmente excluir a fic antiga eu posso seguir nessa, bola para frente. Para os velhos e novos, espero que gostem dessa nova fase de O Prisma.
— Cidade Zero-Hora: https://fanfiction.com.br/historia/650807/CidadeZero-Hora/



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A escuridão intensa o devorava.

Não tinha noção e nem idéia de onde estava, sabia apenas que estava flutuando, boiando em uma superfície não liquida e incerta. Sentia as mãos e os pés leves, a barriga e tórax ameaçaram afundar, mas em segundos subiam novamente. Olhava para todos os lados, movimentos frenéticos e desesperados, tentava achar algo, alguém.

Todavia, se existisse mais alguém ali, também estaria desesperado por ajuda, outro engolido pelo desespero das trevas. Suplicar para a escuridão era tolice, burrice humana misturada com o medo de perecer, algo que, mesmo que involuntariamente, possuía.

Assistiu calado enquanto o cenário a sua volta transcendia e mudava-se completamente. O horizonte completamente preto e escuro transformou-se em uma floresta fechada. Não era certamente uma floresta, e ele sabia disso. Estava estático, parado em cima de uma faixa escura aberta no meio da mata, uma estrada. Alguns quilômetros à frente era possível ver as luzes da cidade, brilhavam como as estrelas que faltavam no céu da noite.

Não tinha brisa, nem vento, nem ao menos clima. Era como se ali a temperatura fosse neutra.

A única coisa que iluminava a estrada onde estava era a lua, brilhava compensando as estrelas desaparecidas. A luz prateada reflita no riacho ao fundo da cidade, que agora, se parecia com uma imensa poça de leite.

O cheiro de queimado familiar assolou as narinas dele. Não se assustou, agiu naturalmente enquanto girava no mesmo lugar. Contemplou o que tinha acabado de fazer, a conclusão de sua obra estava para acontecer em poucos segundos. O orfanato onde vivera sua vida inteira, tudo ali, absolutamente tudo daquele lugar, estava queimando. Ardendo em chamas escarlates, tão vermelhas e vivas quanto o sol.

Sombras tremulavam o fogo. Saiam em carne viva, com cabeças e braços tostados e pernas já sem pele alguma. Gritos, muitos gritos. Alguns finos e agudos, outros grossos e sólidos, todos agonizando.

— Está feliz? — perguntou uma voz suave e calma ao pé de seu ouvido.

Torceu o pescoço para ver quem era, porém, não vira ninguém.

Despertou.

Levantou-se assustado, jogando as pernas para fora da cama e apoiando os cotovelos nos joelhos. Suor, muito suor, brotava de seu corpo inteiro, apesar dos dias de inverno daquele ano serem rigorosos. Gotas escorriam pelas costas, deixando um formigamento estranho e indescritível. Algo o sufocava, era pontudo e afiado, inconfortável e liso, seu pingente. Um cristal afunilado de base grossa mas ponta fina e precisa, pensou que um dia poderia se cortar, a pedra, algo que não sabia o que era, reluzia com a luz da rua que entrava pela janela em cima da cama.

Enquanto arfava, refletia sobre o sonho que tivera. O orfanato Se perdeu com os olhos fixos na curta e estreita porta que dava acesso ao banheiro, um cômodo acoplado ao quarto do pequeno apartamento que invadira. Nunca pensou que um dia iria usar magia para arrombar uma casa e usá-la, enquanto os donos viajavam. Pelo pequeno apartamento se via porta-retratos, com fotos de um casal aparentemente feliz. As paisagens variavam entre o interior e as grandes metrópoles do país.

Com um movimento lento, esticou o braço e pegou seus anéis em cima de um criado-mudo ao lado da cama. Eram três peças delicadas e perfeitas, em sua concepção estética. O primeiro que apanhou era o que sempre colocava no dedo indicador da mão direita, uma peça de prata fosca, com várias marcas e escritas anciãs que escorriam por toda a estrutura espessa. O segundo, que dava lugar no dedo mínimo da mão esquerda, era compacto e fino, uma tira de metal com um vistoso lápis-lazúli o enfeitando no centro. E o último, que colocou para enfeitar o dedo do meio esquerdo, era uma peça de metal platinado, que cintilava sozinho, assim como as inúmeras estrelas esculpidas por todo o anel, de dentro para fora. Espalmou a mão, e deixou as palavras saírem da boca com calma:

Lumira — balbuciou.

A escuridão do apartamento semi-iluminado pelas luzes externas se desfez com o clarão que saiu do aglomerado de luz que se formou no centro de sua mão. Os detalhes entalhados de ouro que corriam pelo anel central pareciam brilhar mais, agora que a luz os banhavam completamente, as estrelas realmente exalando luz. As partículas pouco aquecidas se juntavam em uma esfera meio gelatinosa, que estava brilhando como uma lâmpada elétrica — o tom não era amarelo, mas sim algo que se assemelhava com um branco-amarelado.

Se levantou lentamente e caminhou até o banheiro, trajeto esse que fizera em poucos passos. As costas haviam parado de suar, no entanto, as roupas ainda estavam encharcadas de suor pegajoso. Não precisou acender a luz do banheiro — o que considerava bom, já que os vizinhos já estavam desconfiando do fato de um jovem morar no apartamento que de longa data pertencera a Rogério e Lídia. Enzo havia dado a desculpa de que era um parente distante, como um primo de segundo grau, aparentemente funcionara.

Uma brisa fria entrou pela porta do banheiro, vinda diretamente da janela aberta no quarto. Os nervos pulsaram e se recolheram automaticamente, o braço trêmulo fez a luz mágica projetada na palma aberta oscilar. Abriu lentamente a torneira, a água saiu rápida, fria e cortante, com um ruído que quebrou o silêncio do local. Lavou o rosto lentamente, e, quando se levantou, pôde se ver no espelho. Seu rosto juvenil, que durante sua infância fora completamente redondo, agora era comprido e magro. As bochechas ainda eram ressaltadas e saliente. A pele morena brilhava na luz, reluzindo com as gotículas de suor. O tom caramelo era descrito como muitos como bonito, vívido e belo, o que sempre lhe agradara. Os olhos eram poças escuras e cinzentas, mas agora se encontravam tão fechados que era impossível distinguir sua verdadeira cor.

Sentiu lentamente a água fria secar no rosto, ainda que demorasse, ficou encarando a si mesmo durante o período. O que havia virado? Se perguntou. Um ladrão que invade casas alheias, ou um fugitivo assassino?

Voltou para o quarto com a esfera de luz mágica na mão. Lumira, a magia que usara para iluminar as sombras, não era algo complicado de se fazer, não para ele, um magoavançado em magia convencional. Lembrou-se de como era diferente dos outros — poucos — magos que conhecera em sua vida. Geralmente, focados em magias que poderiam lhes render uma boa quantia de dinheiro, eles trabalhavam junto aos infernais, e sempre disfarçando-se entre os ordinários. Mas Enzo era um ordinário, podia contar em seus dedos suas interações com os infernais da sua cidade natal. Não saberia como reagir se visse um lobisomem, nem um vampiro. Em parte, era apenas um humano, mas com magia na ponta dos dedos, pronta para ser usada.

Em um passatempo avulso, girou os dedos em círculos, fazendo argolas de luz no ar, que desapareciam em questão de segundos.

Voltou ao banheiro, com uma toalha nos ombros. Encarar o banho gelado naquele final de tarde gélido era uma tarefa árdua, por isso nem tentara. Apesar do corpo quente pedir águas congelantes, Enzo ainda mantinha o resto de consciência e ligou o chuveiro no quente. Depois de alguns minutos saiu, sentindo-se limpo por inteiro, tendo sua alma lavada.

Após se trocar espiou à janela, de longe, o sol se punha atrás das montanhas cheias de vegetação. Já estava quase na hora.

As ruas estavam quase desertas naquela hora de final de tarde. As poucas pessoas que passavam vagamente pelos largos corredores urbanos de casas extensas e prédios baixos, eram idosos amigáveis com sorrisos no rosto e cachorros na coleira, outros senhores s senhoras assistiam seus netos brincando nas ruas, ignorando os carros. O céu era uma degradê safira, muito lindo e agradável aos olhos, nem parecia ser o céu da mesma cidade que tivera uma semana chuvosa, apesar de que, o dia inteiro, o sol havia prevalecido. O clima era frio, ventava forte e fatalmente, o que havia obrigado Enzo a colocar um casaco. A cidade onde escolhera como retiro fora uma no interior do estado de São Paulo, na região serrana e pacata. Apesar de ser considerada pequena, era agradável.

Quando virou em uma esquina, adentrou em uma rua larga, terminava em uma pequena e aconchegante praça, com árvores de copa redondas e verdes. O gramado era bem aparado e as folhas que caiam lá, farfalhavam e voam com a brisa em um tapete alado natural. Viu mais pessoas ordinárias, como costumavam serem chamadas pelos infernais do submundo. Humanos comuns, que viviam suas vidas sem nem desconfiar que, sem suas cidades, vampiros poderiam ser seus vizinhos, bruxos seus professores e lobisomens os entregadores de pizzas. E também não desconfiavam de Enzo, um mago ali no meio deles.

Era tão estranho se incluir num meio onde todos eram chamados de infernais, mas Enzo não ligava para a definição. Sabia que tanto bruxos — que possuíam sangue de demônios em suas veias. — como feiticeiros — que eram a contraparte, com sangue celestial correndo em seus corpos. — eram seres ambiciosos, homens, em sua metade. Eram suscetíveis a qualquer tipo de desejo, e talvez isso os fizessem infernais realmente, não apenas suas linhagens. Enzo sabia que todos naquele meio sobrenatural usavam suas habilidades para sua própria ganância, e o termo usado para os designar tinha completo significado quando visto por essa maneira, pensou, não era o sangue que os definiam infernais, e sim o caráter.

O letreiro estava cintilante, como sempre.

Enzo não sabia se era digno de pensar como sempre, mas o fazia. Conhecia aquele lugar a menos de três dias, e no primeiro dia que o viu, era de dia e as letras estavam apagadas. Não foi difícil encontrar um emprego provisório no circo Alegra, não quando o dono era um sujeito sem escrúpulos que contratava menores sem nem ao menos perguntar se eles tinham casa para morar. Com Enzo não foi diferente, lembrou-se de como ficou receoso em procurar um emprego lá, mas quando viu a placa de que se precisavam de mágicos, foi um dos primeiros a aparecer atrás da vaga. O dono — o senhor Batavo, um sujeito rechonchudo que fedia a óleo e frituras — não hesitou em o contratar depois que Enzo levitou algumas cartas, com o “poder da mente”, como disse a ele.

Enquanto estava por lá, Enzo teve a oportunidade de conversar com Felipe, um dos jovens que também se apresentava com o circo. Mas, diferente dele, Felipe não tinha onde morar, por isso vivia com o circo, viajando de cidade em cidade. Ganhava uma miséria, por parte de seu salário já ser descontado, com a desculpa que o “aluguel estava pago”. Haviam outras crianças lá, acuadas e amedrontadas também. Enzo tinha sorte, e se sentiu horrível por eles.

Como ele, um fugitivo, tinha direito de ser livre, e aquelas crianças inocentes não?

O mundo não era um lugar justo, e ele sempre soube disso.

Era sua primeira noite de apresentação, e seu cachê seria generoso, segundo sr. Batavo, que estava desesperado atrás de um ilusionista. O último havia desaparecido logo quando chegaram na cidade, sumiu por completo após se embragar.

As luzes rosadas piscavam no topo da marquise do salão que foi alugado para o circo se apresentar. Devido as más condições climáticas dos últimos dias, não foi possível armar a tenda de lona, o que deixou todo o pessoal preocupado, menos Enzo, que não ligava para o local. O público entrava fervoroso pelas grandes portas, arregaçadas e enfeitadas com luzes multicoloridas. Crianças, seus pais e jovens descompromissados compunham o a plateia daquela noite, e ele já se sentia pouco nervoso por ver todo aquele aglomerado entrando e comprando seus bilhetes, quanto mais quando todos estivessem olhando para ele, vidrado.

E, ainda perdido no público, avistou uma menina fada. Cabelos loiros que caiam até a cintura, lisos e perfeitos. Brilhavam por conta própria, um brilho digno das filhas da natureza. Os olhos eram verdes turquesas, completamente verdes, sem parte branca alguma. Vestia-se como uma ordinária, roupas simples e pouco extravagantes. A única coisa que remetia a uma arcadiana nela era uma flor, que enfeitava a presilha. Ela olhou para ele, e logo voltou a se fixar no namorado, que estava de braços dados com ela. Enzo não pôde captar muitas feições dele, mas viu um rapaz alto, musculoso e moreno da cabeça aos pés.

Como todos funcionário de sr. Batavo, ele entrou pela entrada dos fundos, que, por passagem, não era nada agradável. Ficava em um beco mal iluminado e fedido, com apenas uma placa florescente indicando a saída de incêndio. As chances de Enzo pisar em algum defeto que não sabia o que era, mas que possuía um cheiro nada agradável, eram muito grande, todavia, felizmente, isso não aconteceu. Depois de um tranco severo, as dobradiças enferrujadas se abriram. Mais alguns corredores úmidos com cheiro suspeito e logo estaria no camarim, ou o que deveria ser um.

Outros artistas se aprontavam ali, colocando roupas atrás de biombos de seda com desenhos estranhos. Os irmãos gêmeos e acrobatas vestiam suas roupas apertadas, enquanto Fiona, a mulher que levantava duzentos quilos, colocava suas roupas largas e pouco femininas. Era uma correria e uma aglomeração de calor humano que os dezesseis graus da cidade pareciam ter se transformado em trinta. Pessoas iam e vinham, e poucas delas se davam o trabalho de o cumprimentar, no máximo eu aceno de cabeça.

Com um pouco de esforço, achou suas vestes em um cabide deslocado, o único que sobrava com roupas penduradas. Não eram muito justas, mas também não folgavam. No dia seguinte da contratação, sr. Batava havia o chamado para ele comparecer no circo, já que o costureiro iria cozer um novo terno para o mais novo ilusionista de lá. Enzo disse que não gostava muito da ideia de terno, e sua sugestão foi abraçada pelo estilista, que improvisou um figurino com uma camisa social branca de mangas arregaçadas, um colete escuro com alguns detalhes em dourado e uma caça de sarja preta. Nada que chamasse muita atenção, discreto mais elegante, como gostava. Além dos enfeites que haviam pendurados — como correntes que saiam do corrente e prendiam na calça e uma rosa presa no bolso da camisa. — os anéis de Enzo ajudavam a melhorar a aparência de mágico dele.

Uma mulher apareceu atrás dele, não se importando se ele já havia ou não de ter terminado de se vestir. Ela estava apressada, atropelando as próprias palavras que ele não entendia. Enquanto Enzo se fitava no espelho, ajeitando a gola, ela o ajudava com suas mãos rápidas.

— Menos de cinco minutos. — disse a filha do sr. Batavo, a sua assistente. Tinha uns trinta anos, e conseguia ser mais carrasca que o pai.

Enzo deu um último olhar a si mesmo, e quando ela foi embora, pôde respirar, aliviando a tensão.

Depois de alguns minutos de espetáculos — mais especificamente o levantamento magnífico de pesos de Fiona, e as molas humanas. — o público já havia se aquietado em suas cadeiras. Todos olhavam para o palco, pensando e comentando com seus parceiros ao lado, teorizando sobre a próxima apresentação que seguiria. Comiam suas pipocas apressados e ansiosos, as crianças gritavam no intervalo, impacientes.

Continuaram impaciente quando, em vez de mais um artista, o apresentador saiu de trás das cortinas. Algumas pipocas voaram em sua direção, comicamente, grudando em seu penteado recheado de gel. Vinícius era neto de Sr. Batavo, e o tipo de garoto agradável, que fazia sucesso entre as garotas da cidade, com sua beleza e seu jeito extrovertido, era um perfeito apresentador.

Ele olhou para o público os tambores rufaram.

— Alguém aí pode me dizer o que é mágica? — perguntou. A plateia permaneceu em silêncio, porém, inquieta. — Manifestação do sobrenatural? Coisa de outro mundo? Mexer com fantasmas? De acordo com o dicionário, mágica é a força que permite moldar e controlar a realidade ao seu dispor. Tenho certeza que muitos de vocês já assistiram espetáculos de mágica, homens levitando, cartas voando, pessoas que previam eventos. Mas, eu garanto, que nada se compara ao que vocês virão aqui! — Ele virou-se para as cortinas. E, com braços estendidos e tom esplêndido, anunciou: — Com vocês, Pinheiro, o mago!

Houve uma salva de palmas para Enzo, mesmo ele ainda não tendo feito nada. Ele entrou assim que Vinícius saiu. O jovem rapaz afagou seu ombro e sorriu, na garantia para que tudo desse certo. Enzo entrou de ombros encolhidos, um pouco tímido. Mexia os dedos como quem não queria nada, apenas para descontrair a raiva. Apalpou o colar, sentindo-se sem segurança. Foi fuzilado pelo olhar curioso de todos ali, as pessoas o encaravam, a fim de ver sua mágica e saber o que havia de tão diferente no jovem mago.

Ele permaneceu onde estava, congelado pelo constrangimento. Em sua cabaça, havia bolado roteiros para se sair melhor que o esperado, mas naquele momento, se esquecera de todos os procedimentos que pensou na noite anterior.

Uma criança impaciente atirou um grão de milho contra ele. Foi atingido na cabeça, e riu, sem graça. Logo vieram mais, acompanhados das vaias. Ele começou a rir, enquanto pensava na possibilidade infinita que haviam dado a ele. Um dos fatores que todo mago deveria saber, é que, independente do seu ambiente, deveria saber a hora certa de usar o encanto. Eram mais humanos do que qualquer outro infernal, os únicos que podiam afirmar com toda certeza que eram humanos, e não tinham mais nenhum sangue correndo dentro de si. Se adaptavam rápido, a qualquer situação.

Enzo levantou em meio os milhos, e, antes de ser atingido por mais, espalmou a mão para frente do corpo. Balbuciou algum feitiço, e logo, desafiando a gravidade e qualquer outra lei da física, os grãos pararam no ar. Congelaram-se, de súbito. Da ponta dos dedos e dos anéis, vazavam faíscas em tons de púrpura, mas as pessoas não pareciam notar essa parte do espetáculo, estavam vidrado nos milhos que pairavam no ar.

Todos, que antes estavam atirando contra ele, ficaram estupefatos. Arregalavam os olhos, e os que tinham óculos, limpavam as lentes para ver se era realmente aquilo.

Ele sorriu.

— Senhoras e senhores, peço desculpas pelo… erro, no início da apresentação. Satisfazê-los não é fácil, tive que pensar na mágica certa. — continuou com a boa performasse, antes que o nervosismo voltasse. — Prometo a todos que isso não vai mais acontecer. — abaixou as mãos, e todos os grãos de milho foram ao chão, caindo com um chiado em massa. Ele deixou um flutuando a sua frente, e, quando quebrou o pulso rapidamente, esse se fritou em pleno ar, se transformando em uma pipoca. Ele a comeu. — Então, vamos logo fazer o que você vieram aqui para ver. Vamos ver um poco de mágica.

Enquanto gesticulava com uma das mãos, pegou no bolso algumas bolinhas de gude que o próprio Vinícius colecionava. Poucos minutos antes de sua apresentação, o menino fora até ele, as oferecendo para ele improvisar um truque. Enzo anuiu, despretensioso, mas agora já havia bolado algo legal com elas.

Encantou elas rapidamente, e se tornaram levemente roxas, enquanto emitiam luz branca da parte interna. A plateia ficou boquiaberta, mas eles foram ao delírio quando ela as jogou para cima. Em tese, já que elas não foram para cima. Se espalharam por todos os lugares, flutuando e parando em pleno ar, como os grãos de milho. Algumas foram perto da plateia, perto o suficiente para algumas crianças tentarem pegar. Enzo puxou o dedo, e elas retrocederam.

Estalou a língua em reprovação

— Não. — disse para as crianças. — Nada de interferirem na mágica.

Com isso, o público se acalmou, mas continuaram com seus queixos caídos. Encaravam aquilo como impossível, e ele tornou o show algo extraordinário em poucos segundos. Elas começaram a girar e trocar de lugar umas com as outras, reluzindo intensamente durante o caminho. Eram as estrelas daquela noite, que faltavam no céu.

— Há alguns anos eu descobri que podia fazer essas coisas. — ele disse, entretendo o público. — E, quando vi isso, pensei apenas em uma coisa. Nas estrelas. Lindas, não? — Ele pegou uma que passava por sua frente e a jogou para cima, ela caiu na sua palma, sem brilho. — O único problema das estrelas é esse, não é verdade, pessoal? Como tudo, elas morrem. Explodem numa nuvem cósmica, mas ainda sim continuam lindas. Não sei vocês, mas eu adoraria morrer como uma estrela.

As luzes do fundo se apagaram, e agora, o grande salão redondo e cheio de assentos eram iluminados apenas pelas esferas de luz de Enzo. Sabia que todos se perguntavam como ele fazia aquele truque, inclusive o pessoal do circo. Estava atrás das cortinas, se remoendo e se perguntando se aquilo era realmente possível.

Enzo vislumbrou o próprio espetáculo, e não haviam palavras em sua mente para descrever aquelas cenas que via. Pessoas sorrindo, outras ainda tentando achar fundamento científico na magia, verificando para ver se não havia cordas finas que prendiam as bolas de gude. Rostos felizes, iluminados por sua luz. Eram sorrisos sinceros, e, por um minuto, esqueceu que realmente era.

Es-mecadepesd. — anunciou, em alto e bom tom, como uma palavra mágica.

E as estrelas dali explodiram.

Foi uma devastação em massa, todas eclodindo no mesmo momento, não deixando um segundo a mais ou a menos para prestar atenção em uma única. Cacos de vidro voaram pelo ar e caíram no chão, ainda emanando luz. Aliás, esses, na verdade, foram que fechou o espetáculo com chave de ouro. A explosão já havia sido magnífica, mas, com os pequenos cacos voando e se estilhaçando, caindo aos poucos e tintilando ao cair no chão.

Algumas partículas de poeira permaneceram iluminadas, agitadas ainda.

Ele abaixou as mãos, cansado. Magias simples pareciam tão fáceis de serem realizadas, mas sempre exigiam uma quantidade de energia que nem passava pela cabeça de seus usuários. Já estava começando a ficar fadigado, os músculos contraíam dentro do corpo, e as pernas bambavam. Suava pela lateral do rosto, mesmo com o clima frio. Não poderia ficar muito mais tempo ali. Precisava de uma saída.

O povo bateu uma saraivada de palmas ferozes quando o último pedaço de vidro caiu no chão. Eles ferveram, saltavam em seus acentos, e pulavam nos próprios lugares. As crianças, tão inocentes, com seus olhares brilhosos, mal entendiam o que estava acontecendo.

Enzo acabou caindo nas palmas também, e viu que estava batendo palmas para si mesmo.

— Magnífico! — entoou. — Mas agora é hora de partir, meus queridos.

E com isso, ele tirou a rosa no peito. A flor estava um pouco murcha, mas uma flor que havia ganhado do Sr. Batavo, não era de se esperar que ela fosse cheirosa e perfumada. Esfregou as palmas uma na outra, e soprou na própria mão. Quando retomou a postura normal, a rosa se incendiou em uma chama de cor púrpura em sua mão. Ele olhou para todas as pessoas na plateia, e, entre todos os ordinários que ali estavam, ele localizou a fada. Ela estava junto de seu namorado, que retribuiu a Enzo um olhar hostil quando ele sorriu.

Então, viu que ao lado da menina loira de olhos totalmente verdes, havia outra menina, que conversava fervorosamente com ela. Teve pouco tempo para analisá-la, mas conseguiu captar suas feições agudas e o cabelo ruivo.

— Com isso me despeço de vocês, senhoras, senhores e senhoritas. — ele levantou o olhar. — Principalmente as mais adoráveis. — e sorriu, despojado.

A rosa em sua mão foi consumida pela chama em poucos segundos, começando a aparecer a frente da menina ruiva, que a pegou, sem escolhas.

E quando todos olharam para o palco novamente, Enzo já não estava mais lá.

Chegou em casa muito tarde, apesar de não saber exatamente as horas.

Só pôde sair no final de todos os espetáculos. Sr. Batavo convocara todos para sua sala para os pagar, e havia recebido uma boa quantia em dinheiro, além de ter ganhado de presente as roupas, pela boa apresentação. Todos os outros membros do circo perguntavam de seus truques, mas sabiam as respostas padrão para todos os mágicos.

Um bom mágico nunca revela seus segredos.

Bem, em partes, Enzo nunca revelaria que era um humano extraordinário, e que, por ventura, conseguia executar aquelas coisas. Não era algo para se dizer no final de uma apresentação trabalhosa, com todos cansado. Antes de sair encontrou com Vinícius, que não se importou de ter perdido as bolinhas de gude na apresentação.

Depois de tudo isso, foi liberado para voltar para casa. Trazia não mão apenas uma sacola com as roupas antigas, já que, por falta de ânimo, não havia tirado os trajes de apresentação. Eram elegantes, apesar de excêntricos, não era algo que usaria sem algum bom motivo.

Subiu as escadas do prédio — já que construção era tão antiga que não dispunha de elevador — lentamente, para não acordar a vizinhança. Abriu a porta de casa com uma mágica simples, estava tão cansado que procurar as chaves nos bolsos parecia algo muito trabalhoso.

Entrou em casa, e logo atirou os tênis longe, sem usar as mãos. Deixou a sacola perto da entrada, e mal se preocupou em trancar a porta, sua vizinhança consistia apenas em idosos ou donas de casas, não haveria ninguém que pudesse entrar na sua casa no meio da noite e o render, e, caso houvesse, ele sabia muito bem como se defender.

Não acendeu nenhuma luz, e já ia caindo no sofá quando algo lhe chamou atenção.

Uma voz.

— Adorei a parte das bolinhas de gude. — disse. Era calma, controlada e feminina. Enzo pulou de onde estava e olhou para a cozinha, de onde ela vinha. Acima do balcão, se projetava o torço de uma mulher. Pouco se via, as únicas luzes dali eram os postes do lado de fora das janelas. Os olhos caramelhos e algumas mechas douradas no cabelo se destacavam no jogo de sombras. — Foi realmente surpreendente.

Enzo levantou a mão espalmada na direção dela, mas ela permaneceu onde estava. Fagulhas arroxeadas dançaram entre os dedos, bailando com os anéis.

— Calma aí, bruxinho.— ela disse, amena. Ele conseguiu escutar um barulho mecânico de onde ela estava, e logo soube o que era. Viu que a silhueta segurava uma caneca em uma mão, e um revolver na outra. — Não quero que ninguém saia machucado. Estou aqui porque, depois que vi sua apresentação, acho que é uma pessoa que pode me ajudar.

Ele permaneceu congelado onde estava. Seja lá quem fosse, ela poderia causar um grande estrago com aquela arma, antes de Enzo sequer pensar em como se defender.

— E o que você quer? — perguntou, em um tom grave.

— Quero achar meu pai. — ela respondeu. — E você vai me ajudar.


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Notas finais do capítulo

- Então, o que acharam?
— Opiniões e Críticas são muito bem vindas! Use os comentários para isso!



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