Thomas e eu fomos avisar Rebecca e Jacob. Os garotos usaram um banheiro e as garotas o outro. Terminamos de nos arrumar faltando quinze minutos para o horário combinado. Nós quatro ficamos no quarto de Rebecca por enquanto, conversando. Até mesmo Jacob resolveu conversar conosco.
— Eu já falei o quanto odeio regras? – Ele falou.
         Nós rimos. Ele já tinha falado isso três vezes desde que entramos no quarto.
— Está na hora. – Rebecca suspirou.
         Descemos juntos, meus braços estavam enlaçados nos de Rebecca. Nenhum de nós estava animado. Principalmente eu!  As roupas que Natalie deixou nos nossos guarda-roupas eram do século XIX! Eu estava com um vestido azul – muito – longo, não era armado, e um salto preto – só tinha saltos – não muito alto. Os garotos estavam com ternos, acho que eles queriam impressionar. Já Rebecca estava muito animada, ela sempre adorou as roupas daquela época. Ela estava usufruindo de um vestido rosa com renda, longo também, mas armado e um salto alto baixo – ela não sabe andar muito bem de salto – prateado, não era muito chamativo. Ela sim parecia uma princesa. Mel e Sammy estavam com roupas casuais, que me deram invejas. Ambas usavam shorts jeans do nosso século e blusas simples – Mel usava uma lilás tomara-que-caia e Sammy uma preta de manga, com uma caveira desenhada. Eu quero aquelas roupas! Nunca fui do estilo “gótico”, mas roupa longa e fora de moda não é comigo! Nos sentamos na mesa. Tinha quatro cadeiras a mais, que eram as nossas. O local era lindo. Percebi que as garotas colocaram os aventais assim que os quatro entraram – Annie, John e Daniel usavam roupas escuras, já Natalie usava um vestido do século XIX de um rosa bem chamativo e seu cabelo ruivo estava trançado. Ela sorriu para Rebecca e eu, que estávamos sentados lado a lado.
         Annie sussurrou algo para Daniel, que pareceu ficar um pouco irritado, mas assentiu. A garota sorriu vitoriosa.
         Logo nos serviram na mesa, não se ouvia nada durante o jantar. Rebecca, Thomas e eu trocamos olhares durante a refeição, que logo terminou. Acho que todos gostaram do meu bolo, o que foi um alívio. Eu particularmente adorei.
— Retirem a mesa. – John anunciou de um jeito dramático.
         Tive vontade de rir.
         Mel e Sammy obedeceram e retiraram a mesa, não voltando mais. John e Natalie iam se levantar, mas Annie fez um gesto para pararem.
— Precisamos conversar com nossos... Convidados. – Ela sorriu, Natalie ficou tensa.
— Tudo bem. – Respondi, com um pouco de medo, mas estava muito cansada para pensar direito.
         Ela não pareceu se importar.
— Os quatro irão fazer suas refeições na cozinha. – Ela falou – Deixamos de contratar servos há séculos, por tanto fiquem gratos.
         Por mim tudo bem, mas Jacob ficou ofendido. Não fiquei surpresa.
— Vão embora. Amanhã às 05h00min em ponto estejam acordados para começarem suas tarefas. – Annie continuou.
         A obedecemos. Eu não estava disposta para uma briga. Escutei Natalie protestando, mas continuei subindo. Eu queria dormir, mas Rebecca disse que deveríamos ler juntos os restos das regras. Fomos para o jardim, era o lugar mais agradável da casa. Mesmo parecendo um cenário de filme de terror – Flores negras, árvores mortas, etc.. Lemos o livro por um bom tempo, na verdade, Rebecca leu. Ela explicou para nós algumas dúvidas. Era 21h40min quando percebemos. Já tínhamos lido cento e três páginas, estávamos no segundo parágrafo. Resolvemos subir. Trancamos a porta com o maior cuidado do mundo e subimos as escadas silenciosamente. Rebecca e Jacob foram dormir, mas Thomas não. Ele pediu para ficar no meu quarto, até dar sono. Isso era estranho, Thomas sempre estava com sono. Eu não iria arriscar, disse para ficarmos na escada. Ele concordou.
— Não é um sonho. – Ele falou, estávamos nos falando por sussurros.
— Não mesmo. – Concordei.
— Estamos presos.
— Estamos.
— O lado bom é que somos imortais.
— Pois é.
— Então, nunca iremos m-...
— Por favor, direto ao ponto. – Eu quase gritei, quase.
         Ele suspirou.
— Eu... Estou com medo.
         Como se eu não soubesse.
— Eu sei. – Respondi. Coloquei meus ombros sob os joelhos, apoiando minha cabeça.
— O que vamos fazer, Linds? Nem mesmo Rebecca, que é a nerd, sabe o que fazer.
         Eu pensei um pouco, finalmente admitindo.
— Eu não sei... Se Mel e Sammy estão aqui há tanto tempo que já até esqueceram suas idades, imagine nós?
         Ele me abraçou. Thomas e eu podíamos ser melhores amigos, mas raramente nos abraçávamos. Eu queria tirar uma foto dele e mostrar para todos na escola, mas ele estava mesmo assustado. E eu também. Simplesmente retribuí o abraço.
— Olhe pelo o lado bom... Vamos comer cookies para sempre! – Eu falei e como resposta ele riu.
         Nos soltamos e ficamos em silêncio por um tempo, olhando o teto. Lembrei-me de quando Thomas e eu “fugimos” de casa, quando tínhamos sete anos, nós dois fomos para o antigo parque da cidade, que ficava na rua de baixo – Hoje em dia ele não existe mais. Montamos uma barraca lá, daquelas de escoteiro, e pretendíamos dormir lá. Mas eu precisei ir ao banheiro, então tivemos que desmontar tudo e voltar para casa. Thomas ficou com raiva de mim por uns dias, mas levei cookies com gotas de chocolate que minha mãe fez – Os preferidos dele – e ficou tudo bem.
         Eu sorri lembrando daquilo e ele percebeu, me olhou e sorriu também. Ele também percebeu que eu já estava com saudades, pois disse:
— Vai ficar tudo bem, Linds. Iremos sair daqui juntos.
         Fomos para os nossos quartos. Eu adormeci assim que me deitei, só deu tempo de tirar o salto.

[...]

05h00min. – Terça-feira.

         Acordei com o som do despertador e murmurei “droga”. Como eles colocaram um despertador em meu quarto durante a madrugada eu não sei.  Levantei-me e percebi que tinha roupas de empregada sob a poltrona, recolhi as vestes, ainda sonolenta e fui até o banheiro. Fiz minhas higienes matinais o mais rápido possível, vestindo-me.
         Fui até o andar de baixo e percebi que eu fui a primeira a acordar – Que novidade. Resolvi fazer meu próprio café, mas então lembrei que eu tinha que saber se eu deveria fazer o café de mais alguém. Subi as escadas e entrei em meu quarto, recolhendo o caderno que ganhamos, voltei para a cozinha enquanto eu lia. Como eu esperava:

                                  = Turno da manhã =

               07h45min – Café da manhã.

               08h05min – Preparar banho.

               08h10min – Selecionar roupas.

               08h25min – Arrumar quarto.

               08h35min – Cuidar do jardim.

               09h15min – Preparar refeição.

               12h25 min – Pôr a mesa.

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         E eu achava Jacob mimado. Resolvi fazer logo o meu café da manhã, uma fatia de torrada com geleia de framboesa e cappuccino. Quando eu terminei de fazer, Thomas e Rebecca chegaram.
— Onde estão Sammy, Mel e Jacob? – Falei, tomando um gole do cappuccino.
— As meninas só precisam se levantar às 06h30min, já que agora elas só cuidam da casa e nos ajudam a preparar refeições e outras coisas. Ao menos, foi isso que escutei Annie falar. – Rebecca falou, enquanto também pegava uma fatia de torrada e passava geleia.
— E Jacob está no banho. – Thomas falou, revirando os olhos, recolhendo chocolate em pó do armário, junto de dois copos e leite.
         Peguei outra fatia de torrada para Thomas e coloquei creme de amendoim na mesma.
         Os dois se sentaram e começaram a comer.
— Ele não vai conseguir. – Falei – Ele não sabe fazer nada e pegou justo a mais chata.
— A culpa não é nossa, Linds. – Thomas falou enquanto mordia a torrada. – Ele é o culpado de ser um mimado idiota.
— Achei que a convivência de vocês tinha melhorado. – Rebecca falou.
— E melhorou. – Ele concordou – Mas ainda o odeio.
         Rebecca e eu rimos. Jacob chegou assim que terminamos. Ele também estava vestido como um empregado – Só que a vestimenta de Thomas e Jacob obviamente não era um vestido, sendo assim, uma calça azul, blusa branca e sapato social.
         Rebecca e Thomas colocaram as louças na pia, Thomas lavou e Rebecca enxugou.
         Fiz mais achocolatado e torradas com geleia de framboesa para Jacob e o servi. O pobre menino rico estava um tanto tristonho por estar trabalhando, resolvi ajuda-lo, mas ele se quer disse “obrigado”.
         Começamos a fazer as obrigações o mais rápido possível. Eu sabia que eles não iriam se contentar com uma torrada e cappuccino ou achocolatado. Eu fiz ovos com bacon e limonada, Rebecca fez mais torradas com geleia de framboesa/pasta de amendoim e café, colocando o leite em uma jarra de vidro, Thomas e Jacob arrumaram a mesa da sala de jantar e depois lavaram as coisas que utilizamos, enquanto Rebecca e eu colocávamos tudo na mesa. Demoramos mais do que imaginei – Provavelmente pelo o fato de termos discutido por uns vinte minutos o que deveríamos cozinhar. Como ainda eram 06h32min, resolvemos fazer um bolo de chocolate em conjunto. Demorou cerca de uma hora, Mel e Sammy já estavam na cozinha e até nos ajudaram. Só deu tempo de colocar o bolo na mesa, pois cinco minutos depois, John, Daniel e Annie chegaram e se sentaram.
         Fomos fazer nossas outras atividades, percebi que Natalie só acordou as nove em ponto ou então ficou no quarto. Ela sorriu docemente quando me viu no jardim, junto de Jacob. Ao dar 09h15min, fui até a cozinha, olhando novamente o caderno  - O turno da tarde já estava disponível.

                            = Turno da tarde =

                12h30min – Pausa para refeição.

               12h50min – Pausa para banho.

               13h30min – Lavar minhas roupas sujas.

               14h00min – Organize meu guarda-roupa.

               14h15min – Passar pano e varrer meu quarto e a sala.

               15h00min – Limpar as janelas do meu quarto.

               15h05min – Fazer a refeição.
  
               16h05min – Pôr a mesa.

               16h10min – Preparar banho.

               16h20min – Selecionar roupas.

               17h30min – Fazer a refeição.

               19h35min – Pôr a mesa.

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         Uau. Ao menos terei uma pausa de uma hora, certo? E se eu for rápida, entre os horários também. Claro, se o caderno não mudar.
         Fui ajudar a fazer a refeição, nos dividimos novamente. Rebecca ficou com a salada e berinjela à parmegiana, exigência de Natalie, Thomas ficou com o suco de laranja e de limão e pôr a mesa, Jacob ficou com o arroz com frango, obviamente Mel teve que ajuda-lo, então ele também ficou para lavar a louça, Sammy ficou com o feijão normal e purê de batata, o purê foi exigência de Annie e Daniel, eu fiquei com torta salgada de frango e com a sobremesa, que foi sorvete de frutas – Não fui eu quem fez, já tinha pronto, então me aproveitei. Fiquei um tanto cansada, mas eu ainda tinha bastantes coisas para fazer. Mel e eu colocamos as comidas na mesa principal, incluindo a sobremesa. Jacob, Thomas, Rebecca e eu voltamos para a cozinha, Mel nos avisou para não pegar nada depois que colocamos nos recipientes, e sim antes, assim os nossos “senhores” não se importariam.
         Nos alimentamos o mais rápido possível, nem deu tempo para sobremesa, o que deixou Thomas irritado. Nos dividimos para o banheiro novamente. Rebecca e eu subimos juntas, recolhendo as nossas outras roupas – Que magicamente apareceram em nossos quartos.
— Estou morta. – Rebecca reclamou.
— Nem me diga. – Concordei.
         Os dias continuaram se repetindo, nunca dava tempo para conversar, pois quando as atividades acabavam, estávamos mortos de cansaço. Até que uma noite durante a madrugada, alguém bateu na minha porta. Levantei-me, um pouco desorientada e fui até a porta, destrancando-a e abrindo-a. Era a pessoa que eu menos esperava: Natalie.
         Seus cabelos ruivos pareciam fogo na escuridão, ela estava com um vestido rosado. Como na maioria das vezes, ela estava sorridente.
— Preciso te mostrar uma coisa. – Ela falou, animada.