Observei o vapor do café se esvair lentamente de minha xícara. Apesar do ambiente aconchegante e morno do café, o tempo lá fora era nublado e algumas pessoas usavam casacos. Toquei o porcelanato, sentindo meus dedos se queimarem levemente. Estranhamente, o baixo som das conversas ao meu redor me distraia, e consequentemente, me relaxava.

Fiz questão de me sentar bem longe da mesa que antes ocupava com Cato, mas não pude evitar de olhar naquela direção a cada instante. Por sorte, nenhuma das garçonetes que costumava nos atender estava trabalhando naquele período, então não tive o importuno de ter de responder como ele estava. Mas apesar daquilo, tudo ali me lembrava dele.

Rapidamente, levei a xícara aos lábios tentando me concentrar no gosto doce e não nas lembranças. Me ajeitei no estofado de couro vermelho quando a garçonete se aproximou com meu pedido em mãos. Agradeci, mas pus o prato com a torta de lado, voltando a rabiscar em meu bloco de notas. Peguei meus fones e celular dentro da bolsa, e pus em alguma música aleatória.

Enquanto desenhava em meu bloco, mordiscava algumas das frutas sobre o pedaço de torta. Apesar dos fones, ouvi a sineta da porta tocar, mas somente diante de algumas risadas levantei a cabeça para olhar o que era. Um homem loiro ria contidamente, sendo acompanhado por um outro rapaz de cabelos curtos e negros. Ambos aparentavam não ter mais do que seus vinte e cinco anos, e eram tão bonitos quanto. Mas devo admitir que os olhos azuis do loiro me atraíram mais do que os cinzentos do rapaz moreno.

Observei-os por mais alguns instantes até que o rapaz loiro se virou rapidamente e sorriu para mim. Ruborizada, abaixei o rosto novamente. Concentrei-me em meus esboços, não conseguindo fazer nada além de alguns traços aleatórios.

O som agudo da cadeira sendo forçada contra o assoalho de madeira me fez olhar para a frente novamente. Me surpreendi ao ver o tal rapaz loiro andar em minha direção sorrindo. Olhei para os lados, pensando que talvez ele pudesse estar sorrindo para outra pessoa, mas todas minhas duvidas foram sanadas quando ele perguntou se o lugar a minha frente estava vago. Um pouco confusa, assenti sorrindo envergonhada. Assim que ele se ajeitou no lugar a minha frente, percebi a câmera em suas mãos.

— Sei que isso pode parecer estranho, mas...- o homem se atrapalhou um pouco com as palavras, e eu pus a mão sobre lábios, escondendo um sorriso - Eu poderia tirar uma foto sua?

Olhei em direção a mesa em que ele estava antes, e vi seu amigo moreno gargalhar. O rapaz a minha frente retomou minha atenção quando completou:

— À proposito, sou Peeta.- ele riu de si mesmo, e arqueei minhas sobrancelhas em resposta.

— Katniss...- murmurei.

— Tem certeza? Você parece em duvida - Ele perguntou, franzindo as sobrancelhas de um modo divertido. Forcei um sorriso em sua direção e encarei a câmera novamente quando ele a agitou. - Posso?

Não sei ao certo o que me levou a aceitar, mas o sorriso nos lábios de Peeta me fizeram não me arrepender da decisão. Ajeitei uma mecha de cabelo atrás da orelha e o vi levantar a câmera em minha direção.

— Continue. - Ele falou, indicando meu pequeno bloco com o olhar. - Desta forma fica mais natural.

Voltei minha atenção para o papel rabiscado e agito a caneta mecanicamente sobre ele, fazendo alguns riscos aleatórios e desejando que isso acabe logo. Apertei os lábios enquanto ele olha para mim, e logo o ouvi chamar meu nome novamente, indicando que já havia feito a foto.

— Por que você faz isso? - minha voz saiu mais alta do que eu esperava.

— Isso o quê? - Peeta perguntou, surpreso.

— Vai me dizer que tirar fotos de estranhos é um hobbie? - Era uma pergunta simples, mas fiquei surpresa com sua reação. Sua risada era incrivelmente viciante, e eu gostei da forma com que ele balançou levemente a cabeça.

— Eu posso dizer que sim. - Um brilho surgiu em seu olhar e voltei minha atenção para os rabiscos de meu bloco. - Podemos comparar minha paixão por fotografia com sua compulsão por rabiscos sem graça.

Voltei a encará-lo e olhei fundo em seus olhos azuis. Um pequeno estalo surgiu em minha mente e desviei o olhar para a mesa em frente.

— Acho que seu amigo está se divertindo com a gente. - Deixei escapar, e ele se virou por um breve momento antes de acariciar seus cabelos loiros.

— Gale.. - Ele disse. - Não precisa se preocupar com ele, é inofensivo.

— Vou me lembrar disso.- ele sorriu quando terminei de falar.

Peeta mordeu os lábios de leve, e por muitas vezes fez menção de falar algo, mas ficara quieto.

—O que foi?

— Eu sinto que deveria falar algo, porque não queria acabar nossa conversa aqui. No entanto, só consigo pensar no sentido de seus rabiscos.

Eu dei um sorriso torto, batendo a caneta na mesa.

— Só não tenho nada a desenhar- falei por fim.

— Certo.. - Eu estava mentindo, e ele pareceu perceber, mas não me importei. Naquela ocasião parecia o certo a se fazer.

— Você parece realmente ter tentado - ele murmurou, passando os dedos sobre os riscos fortes.

Aquela conversa estava tomando um rumo que eu não sabia se estava pronta para alcançar.

— Eu tenho mesmo tentando, por isso me dói você chamar meus desenhos de rabiscos- brinquei.

Peeta riu mais uma vez, mais baixo dessa vez. Eu sabia que tinha desviado o assunto, mas estávamos pisando em terreno perigoso. Suspirei aliviada quando ele concordou.

— Sabe, você é divertida.

Eu senti o rubor atingir minhas bochechas, e não me importei com o possibilidade dele notar. Eu não estava acostumada a esse tipo de coisa, mas era bom ouvir.

— Você é a única pessoa que acha isso.

Ele me encarou por um longo tempo, como se estivesse analisando minhas palavras.

— Katniss, se importa se eu fizer uma pergunta? - Acenei rapidamente em negação. - Posso tomar café com você?

— Gale não vai ficar decepcionado? - respondi, o indicando com os dedos.

— Imagino que ele esteja ocupado agora. - Peeta se ajeitou na cadeira e chamou a garçonete que antes servia seu amigo. - Pode me trazer um café expresso, por favor?

— Um momento. - ela sussurrou antes de caminhar novamente ao balcão. Peeta levantou as sobrancelhas em minha direção e pude ver a satisfação em seus olhos. Imaginei que seria por eu ter aceito sua companhia.

A garçonete voltou rapidamente e depositou um copo médio sobre a mesa. Peeta murmurou um agradecimento, mas ela já havia voltado para a mesa onde seu amigo moreno estava.

— Você não gosta de torta?

— Sim... - Encarei meu prato e o puxei para mais perto. Ele tomou um longo gole do expresso enquanto eu respondia. - Apenas não estou com muito apetite.

Ele limpou a espuma dos lábios com as costas da mão, e sorriu novamente. Eu já adorava seu sorriso e não conseguia ver de que forma aquilo podia ser ruim, então me permiti fazer o mesmo.

— Você disse que gosta de tirar fotos.

—Gosto tanto que trabalho com isso- ele completou.

— Se importa se eu ver sua câmera? Fiquei curiosa sobre o tipo de foto que você tira.

Ele concordou e estendeu o objeto para mim. Era um tanto pesado, o que me fez pensar na agilidade com a qual Peeta conseguia manuseá-la. Sem pensar muito, fui na galeria.

—Nossa.. - murmurei.

— O que foi? Não gostou do que viu? - ele pôs a mão sobre o cabelo, deixando alguns fios rebeldes se enrolarem nela.

—Muito pelo contrário - respondi séria - São lindas.

Eu me concentrei em uma das últimas fotos. Um casal abraçado em frente a torre Eiffel. Era um final de tarde, o que tornou aquela foto ainda mais perfeita.

— Você escolhe os modelos mais perfeitos. Seus clientes devem ficar impressionados.

—Na verdade, essas fotos são só pra mim - o encarei. Ele passou mais uma foto, até chegar na minha - Mas você está certa, eu só escolho os melhores modelos.

Ele olhou para minha xícara. Eu estava sem palavras, e não sabia se o rubor em meu rosto era resultado de sua fala, ou do tom com o qual ele as dissera.

— E então, o que você faz da vida? - Arregalei levemente os olhos, imaginando se eu devia continuar aquela conversa.

Já me sentia estranhamente confortável em sua presença, mas nem isso me permitiu baixar a guarda.

Estava tão perdida em meus pensamentos que não percebi quando seu amigo, Gale, se aproximou. Peeta nos apresentou brevemente e o moreno sorriu em minha direção. Eles se despediram com poucas palavras e me levantei para apertar sua mão quando ele a estendeu.

— Mesmo que você tenha falado que está tudo bem, não deixo de pensar que interrompi alguma coisa - falei, seguindo Gale com o olhar, até que ele saísse.

— Você tem razão, Katniss. Tomar café com Gale é algo muito importante. - Ele sorriu e me olhou nos olhos, me deixando desconcertada. - Sabe a garçonete? - concordei com um aceno - Todos os dias ele vem dizer um Olá.

A encarei quando passou por nossa mesa. Seu rosto não me era familiar, mas ela sorria alegremente para todos no local.

— Não a conheço. - murmurei. Peeta se virou por um momento e logo voltou a me encarar.

— Acho que Madge está aqui tem alguns meses. - Ele se referiu a garçonete - Você deve ter sumido por muito tempo.

— Mais tempo do que queria - assumi, com a cabeça baixa.

— Mesmo assim, que bom que voltou. Ainda mais hoje.

Ele sorriu novamente e passou os dedos por seu cabelo loiro. Senti minhas bochechas queimarem e agarrei minha xícara. Bebi um longo gole preferindo ficar em silêncio. Mas não pude evitar, e sorri junto com ele.

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