Shikon no Tama escrita por Misu Inuki


Capítulo 2
O único raio de sol de uma tarde cinzenta


Notas iniciais do capítulo

Wow, ficou grande esse capítulo! O-O
Pensei que ia ser curtinho, e quando vi, perdi a tarde inteira.
Valeu, Inuyasha! ¬¬º
Enfim, espero que gostem, e não me matem, é claro.

Boa leitura!



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Era uma tarde fria. Chovia torrencialmente, mas Inuyasha não tinha animo para levantar o capuz, muito menos para fechar o zíper do velho moletom vermelho que usava. Não se importava com seu cabelo grudando no rosto, ou com franja escura caída atrapalhando sua visão. Apenas andava em linha reta, com as mãos mal protegidas no bolso encharcado da calça jeans.

Estava de volta depois de tantos anos. Tinha jurado não por os pés naquela cidade novamente. Mas lá estava ele, descendo a mesma rua, numa mesma maldita tarde cinzenta. Era como se os céus se divertissem em zombar do seu sofrimento, repetindo em igual escala o cenário do pior dia de sua vida. Queria ir embora. Mandar tudo para o inferno e pegar o primeiro avião de volta para Manhattan, de onde nunca deveria ter saído. Em menos de um dia estaria de volta ao seu minúsculo apartamento, frio e distante de todas as lembranças amargas. Seus cômodos estreitos mal comportavam os móveis novos, não sobrando assim, espaço para os sonhos de uma vida que lhe foram tirados cedo demais.

No entanto não podia se dar o capricho de fugir novamente. Tinha assuntos sérios que exigiam sua presença. Ao menos, foi isso que seu meio-irmão mais velho alegou, na curta ligação que fez há uma semana atrás. Sesshoumaru era um homem de poucas palavras, e ele e Inuyasha nunca tiveram a melhor das relações. Evitavam mutualmente, até lembrar que o outro existia. E quando Inuyasha encontrou 3 ligações perdidas dele em sua caixa eletrônica, percebeu que tinha alguma coisa errada. E de fato, tinha. Soube depois, que se tratava da herança que o pai lhe havia deixado, a Tesaiga, propriedade da família Taisho há gerações. Já passava da hora de Inuyasha se tornar dono, ou decidir desfazer dela de uma vez. De qualquer forma, Sesshoumaru insistiu que viesse, pois não permitiria que Tesaiga ruísse por descuido. Inuyasha pensou por um instante em manda-lo se danar. Que desmoronasse as três propriedades do pai, e que o egoísta do seu meio irmão juntasse os pedacinhos com cola. Queria gritar que não se importava, mas não era verdade. De fato, nunca ligou para nenhuma herança financeira do pai, mas estaria mentindo se dissesse que não gostava da Tesaiga, a antiga e imponente casa em que foi criado desde quando nasceu. Foi ali que vivera momentos felizes enquanto seus pais ainda eram vivos e o mundo era perfeito.

A grande ironia do destino, era que os antigos advogado e contador do pai, viviam na mesma cidade que prometido não mais voltar. Eram velhos demais, alegavam, para ir até onde Sesshoumaru morava, e principalmente cansados demais para viajar para o outro lado do mundo, onde Inuyasha atualmente vivia.

"Mas ao invés de deixar o caso para pessoas mais jovens e curtirem suas aposentadorias, ficam colocando um monte de desculpas esfarrapadas. A verdade é que o Myoga e o Toutosai são dois velhos sanguessugas! Não largam o osso de jeito nenhum!"- Inuyasha pensava irritado.

A chuva tinha aumentado consideravelmente, enquanto Inuyasha esteve perdido em seus pensamentos. Decidiu deveria pegar um táxi, ou arranjar um lugar para se proteger logo. Sua impressionante teimosia finalmente parecia ceder a lógica. Afinal, pegar uma pneumonia ou levar um raio na cabeça não ajudaria em nada o plano de sumir dali o mais rápido o possível.

Encontrou a vários metros de distância, um ponto de ônibus coberto. Era velho, e a marquise de madeira não parecia proteger muito da chuva, pois mesmo embaixo dela, duas pessoas dividiam um grande e chamativo guarda-chuva rosa aberto. Pelo menos, estaria mais protegido do que em um campo aberto caso começasse a relampejar. A luz de um farol vez ele olhar para trás por um instante. Era um ônibus, e ele teve que pular para o lado rapidamente, tentando fugir da onda de lama que o ônibus fez. Não adiantou muito, e ele voltou a olhar pra frente para xingar o motorista. Mas o voz ficou presa na garganta. O choque o congelou no lugar, e todo o mundo pareceu se mover em câmera lenta, diante de seus incrédulos olhos.

A pessoa que segurava o guarda-chuva rosa, afastou-o por instante para fazer sinal para o motorista do ônibus. Seu rosto ficou exposto, a chuva molhando sua delicada franja escura, num perfeito contraste com sua pele extremamente alva. Seus olhos castanhos estavam ligeiramente apertados, como se ela se concentrasse para ler o letreiro do ônibus, e com um sorriso nos lábios, ela comenta alguma coisa com a pessoa ao seu lado.

Não era possível. Não podia ser real.

A imagem diante dele não deixa dúvidas, podia reconhecer aquele sorriso mesmo de olhos fechados. Conhecia aquele rosto mais que ao seu próprio.

Não fazia sentido.

Mas era ela.

O ônibus para no ponto devagar, e as portas se abrem. Enquanto a segunda pessoa, uma senhora bastante idosa, sobe com dificuldade os degraus, Inuyasha finalmente desperta da dormência do choque. Correndo o máximo que suas pernas permitiam, seus pés patinavam perigosamente na rua molhada. Não era rápido suficiente, a idosa já tinha entrado no ônibus, e a jovem fechava o guarda-chuva para fazer o mesmo.

Com o coração martelando no peito, Inuyasha sem diminuir o ritmo gritou.

–ESPERA, KIKYO!

A jovem levantou a cabeça, mas para sua agonia não olhou em sua direção.

Um dos pés já estavam na escada do ônibus, e Inuyasha, lento demais, via o inevitável.

Ela iria embora, e ele não a veria novamente.

O desespero falava mais alto que a razão. Não era possível que a garota do ônibus fosse a sua Kikyo. Mas ele tentou mais uma vez, se agarrando a um último fio de esperança.

–KIKYOOOO!

Então ela se virou.

Por pouco mais de um segundo, o rosto dela se virou na direção da voz, na direção dele.

Mas antes que qualquer coisa pudesse ser dita, antes que a sombra de reconhecimento passasse em seus olhos castanhos, ela já estava dentro do ônibus.

E como se o mundo voltasse a velocidade normal, as portas se fecharam, e o ônibus partiu.

Inuyasha parou de correr, procurando desesperadamente uma maneira de alcançar o ônibus.

Como se finalmente, o destino lhe sorrisse, um táxi desceu a rua, com uma plaquinha de vago.

O rapaz praticamente se jogou no carro, entrando e batendo a porta tão rápido que nem deu tempo para o motorista reclamar do banco molhado.

–Siga aquele ônibus. -Inuyasha falou simplesmente. Seu nervosismo deixando sua voz fria como gelo.

O motorista nem ousou comentar nada depois disso, seguindo em silêncio enquanto o rapaz batia ansiosamente as unhas no vidro da janela. Seus pensamentos estavam a mil por hora, e seus olhos, atentos a cada movimento do ônibus.
Não era possível, não fazia o menor sentido, mas iria até o fim.
Na sua mente, revivia as dolorosas lembranças de uma mesma tarde chuvosa.
Tão claras como se tivessem acontecido um dia atrás, tão aterrorizadoras como se tivessem saído de um pesadelo.

O dia em que se despediu da mulher da sua vida.

"-Cadê ela? Onde está Kikyo? - um dos paramédicos tentou segurar Inuyasha sendo facilmente empurrado pra trás. Inuyasha era um atleta, tricampeão mundial de karatê, mesmo que juntassem todos do hospital não conseguiriam segurá-lo.

–Deixem ele. É da família.

A velha Kaede estava abraçada com o velho Higurashi. O velho chorava escandalosamente, enquanto lágrimas silenciosas corriam pelo rosto da idosa. O desespero de Inuyasha aumentou . Kaede era a mulher mais forte que Inuyasha conheceu em toda sua vida, e vê-la tão frágil não era um bom presságio.

–Venha aqui, meu filho.- a senhora o chamou, deixando o pobre velho Higurashi abraçado com o pequeno Souta.

Inuyasha ajudou a mulher a se levantar, suas mãos estavam trêmulas, e ele tentou esconder com os punhos cerrados.

Eles caminharam lado a lado por alguns instantes, seguindo o ritmo lento da senhora.

–Soube o que aconteceu?- sua voz falhou duas vezes.

–Me ligaram dizendo que houve um acidente na estrada. E que era o carro da Kikyo...


A senhora balançou a cabeça.

–Um terrível acidente. Não souberam explicar o que aconteceu realmente. Uma tragédia.

–Kaede, por favor. Eu preciso ver a Kikyo.-Inuyasha insistiu.

–Eu sei. - a senhora fungou uma vez- Mas antes, você precisa ser forte.

O sangue gelou nas veias do rapaz. Não gostava do rumo que a conversa estava seguindo.

–Eu sou forte, Kaede. - ele segurou as duas mãos da senhora, olhando-a nos olhos.-Posso ser forte por nós dois, Kaede. Amo a Kikyo mais que tudo nessa vida, e não importa o que aconteceu com ela, eu vou amá-la e protegê-la e....

–Inuyasha.- Kaede o cortou, seus olhos marejados pareciam sentir pena. O rapaz não gostou nada do que viu- Você não pode proteger mais a Kikyo.

–Por que não? Eu posso muito bem cuidar dela, Kaede.-na sua cabeça uma série de possibilidades ruins rodavam aleatoriamente- Mesmo que ela não possa andar ou mexer os braços. Mesmo sem poder ouvir sua voz, ou ver o brilho em seus olhos, eu vou continuar ao lado dela. Amando-a como sempre amei.

–Inuyasha, você não entende? -Kaede agora soluçava, como uma criança de cinco anos- Você não pode amá-la, protegê-la ou cuidar dela. Nunca mais! Ninguém mais pode!

–O que você quer dizer com isso? - o medo lhe formava um buraco no peito, como se o ar de repente pesasse uma tonelada.

Então a Kaede falou. A frase que nem em seus piores pesadelos pensou que ouviria.
Quatro palavras, afiadas como navalhas rasgaram-lhe de dentro para fora, abrindo uma cratera sob seus pés.

–A Kikyo está morta. "

O ônibus parou pela terceira vez. Dessa vez, duas pessoas desceram, usando um largo guarda-chuva rosa. Logo ônibus seguiu viagem, e o táxi continuou seguindo-o.

–Pare!- Inuyasha gritou, assustando o pobre motorista, que afundou o pé no freio.

O rapaz atirou 5 das maiores notas que encontrou na carteira, sem nem olhar o taxímetro.
Pulou do carro, e saiu correndo de volta ao ponto.
Já tinha perdido as mulheres de vista, mas conhecia muito bem a ruazinha que tinham entrado.
Era uma antiga rua residencial, onde a maior parte dos moradores eram idosos.
Isso justificava as casas estarem absolutamente iguais mesmo tanto tempo sem ter voltado ali.
Então, estava diante da casa de número 15 e ele sentiu seu coração acelerar no peito, e nada tinha haver com a corrida.
Pulou o pequeno portão de madeira com facilidade.
O belo e pequeno jardim estava bem cuidado, hortaliças e flores dividiam espaço com pequenas lanternas tradicionais japonesas de madeira e outras estátuas de pedra fazendo referência a religião Shinto. O que era mais que natural, uma vez que a moradora tinha sido Miko na juventude. Inuyasha andava com cuidado, apesar de se sentir caotico por dentro, não queria estragar a grama tão bem aparada do jardim. Olhou para o velho poço e quase sorriu. Quantas vezes não tinha encostado nele, apoiando corajosamente em suas madeiras velhas, enquanto esperava horas para Kikyo terminar de se arrumar.

Se perguntava se não tinha visto um fantasma, o espírito da sempre cuidadosa Kikyo, vigiando sua avó que resolvera passear num dia chuvoso?
Ou era uma miragem, uma imagem criada pela sua cabeça e provavelmente quando ele batesse na porta perguntando pela falecida Kikyo, Kaede o expulsaria à vassouradas.
Inuyasha hesitou antes de tocar a campainha. O sofrimento da idosa vivo em suas memórias, o fez recuar por um instante. Valeria a pena, relembrar sua dor, por causa de uma estúpida imagem embaçada que acreditava ter visto?
Murmurando um pedido de desculpas, Inuyasha apertou o botão uma vez.
Tinha ido longe demais para desistir agora.

Escutou o barulho da campainha ressoar dentro da casa, e passos apressados pelo corredor de madeira. Ouviu o trinco destrancar, e muito lentamente a maçaneta girar. Durante todo esse tempo, Inuyasha foi incapaz de respirar. A porta se abriu e ele deu de cara com um par de olhos castanhos.

Sem conseguir se mexer, ele continuou encarando a mulher a sua frente. Ela ainda segurava uma toalha cor de rosa na mão, que estava provavelmente usando para secar o cabelo molhado pela chuva. Seu casaco de lã branco também estava molhado em diversas partes, mas parecia ainda mantê-la aquecida, pois suas bochechas estavam ligeiramente coradas.
Um cheiro suave de jasmim e sakuras parecia emanar da garota, e olhava com seus olhos quase infantis e confusos. Havia reconhecimento neles, mas todo o conjunto não era o que ele esperava, o que ele desejava do fundo do coração.
Por que aquela pele não era alva o bastante, os cabelos tinham cachos nas pontas, ao invés de caírem como uma cascata de fios lisos e negros como a noite, jasmins no lugar de rosas e os olhos... Apesar do mesmo tom, não eram aqueles mesmos olhos cheios de mistérios e segredos, que jamais seriam descobertos.

Não era ela. Não era a sua Kikyo.

– Oi, Inuyasha.- a garota falou, um pouco sem graça por estar sendo encarada- Que supresa encontrá-lo por aqui.

Inuyasha abriu a boca só para tornar a fechá-la. O que podia dizer? Que a tinha seguido até ali, porque achava que ela parecia com sua noiva morta? Mas não precisou se torturar por muito tempo, pois Kaede gritou do fim do corredor.

–Quem é?

–É o Inuyasha, vovó. Acho que ele veio aqui ver a Kikyo-chan. Devo ir chamá-la....

–Deixe ele entrar.
Inuyasha obedeceu automaticamente. Era como sua mente estivesse no piloto automatico.
Seguiu a garota que parecia muito com a Kikyo pelo estreito corredor, até chegar na cozinha onde Kaede estava sentada.

–Boa tarde, Inuyasha. – Kaede cumprimentou e depois mostrou um sorriso para a garota- Kagome, minha querida, poderia pegar um remédio para sua velha avó?

– Claro, mas...- a garota olhou para Inuyasha antes de continuar- Tem que ser agora?

–Sim, é muito importante para os velhos ossos da sua avó continuarem funcionando. Estão lá dentro do meu quarto, não lembro exatamente onde eu coloquei.

A garota suspirou e saiu da cozinha, voltando meio segundo depois.

–A senhora lembra o nome dele?

–Hiraikotsu, é esse o nome do remédio. Procure por mim por favor.

A garota saiu da cozinha de vez, e assim que os passos dela sumiram no corredor, a idosa voltou a falar.

–Feche a porta, Inuyasha.

Inuyasha obedeceu, mas Kaede continuou encarando-o até que ele girou o trinco, fechando a cozinha por dentro.

– Desde quando toma remédio, velha Kaede?- Inuyasha perguntou cruzando os braços.

–Desde de nunca. Inventei qualquer nome para tirar a Kagome daqui. Precisava falar com você à sós.

Inuyasha arrastou o pesado banco de madeira, se sentando em frente a Kaede.
Dois anos tinham se passado desde a ultima vez que a tinha visto, e ela não tinha mudado nada.
As rugas cobriam o rosto, mas os olhos ainda brilhavam com a mesma sabedoria que Inuyasha aprendera a respeitar desde o primeiro momento que a conheceu. Resoulveu ir direto ao ponto.

– Aquela que estava aqui era a Kagome, não é?

–Sim.

–E é a mesma pessoa que pegou o ônibus com você, alguns minutos atrás.
–Sim.

–Porque diabos, ela falou que ia “chamar a Kikyo”? Ela está morta, não está? Não precisa me dizer, eu vi. Eu vi seu corpo frio e sem vida sobre a maca do hospital, eu acompanhei enquanto a cremavam, eu ajudei a Senhora Higurashi a colocar suas cinzas na urna. Então porque essa garota age como se ela tivesse no quarto ao lado fazendo as unhas? Porque ela está usando o casaco de lã que eu dei a Kikyo de presente de natal a cinco anos atrás? Que tipo de brincadeira cruel é essa?

Inuyasha deu um murro na mesa. Estava se sentindo um idiota. Era claro que ela não era sua Kikyo. A Kikyo estava morta, suas cinzas enterradas aos pés da Goshinboku, no templo da família Higurashi. Mas por um instante se deixou levar pela imagem. Por instante se permitiu ter esperanças, se viu acreditando no impossível. Apenas para se decepcionar novamente.

Kaede esperou pacientemente para que Inuyasha se acalmasse. Conhecia o comportamento explosivo do rapaz, e sabia que não adiantaria falar nada com ele de cabeça quente.
Só então se atreveu a falar.

–Inuyasha. Não existe nenhuma brincadeira aqui. Você tem razão, a Kikyo está morta. Mas isso é apenas parte do problema. A outras coisas em jogo, agora.

–Parte do problema?- o rapaz olhou irritado, sem acreditar que pudesse existir algo mais importante que o fato da mulher que amava não existir mais.

– Estou falando dos vivos, Inuyasha. Você esteve longe por muito tempo e não soube do tamanho da tragédia que tomou conta da nossa família e amigos. Da Kagome, principalmente. Chegou a conhece-la?

– Só nos vimos umas duas ou três vezes. Sempre de longe ou acompanhada daquele namorado dela. Não lembrava que ela era tão parecida com a Kikyo.

– Sempre foram. As pessoas costumavam dizer que elas eram gêmeas apesar de Kikyo ser quatro anos mais velha. Você devia ser muito distraído para não reparar a semelhança.

Inuyasha se ajeitou na cadeira desconfortável. Desde quanto o assunto era sobre ele? Kaede parecia querer enrolá-lo.

– A questão é que Kagome sofreu muito com o acidente. Sua irmã mais velha morreu, suas duas melhores amigas ficaram em estado vegetativo, sobrevivendo a base de aparelhos. Foi um choque muito grande para ela. Então, na manhã seguinte a um acidente na banheira, ela acordou diferente. Simplesmente não se lembrava de nada que tinha acontecido, e o pior, começou a se esquecer quem era.

– Como assim?

– Um dia ela acordava dizendo que se chamava Sango. Se vestia, falava e até andava como a amiga fazia. No outro ela jurava que se chamava Rin, ficando quieta, encolhida e assustada. E a mais frequente era Kikyo. Ela passava dias, semanas como Kikyo. Era assustador.

– E não pensaram em procurar um médico para ela? Um tratamento?

– Mal ela entrava no hospital, e ela se tornava “Rin”, assustada demais para responder qualquer pergunta, acuada demais para poder se tentar qualquer tratamento. Os médicos acreditam que o problema da Kagome de “Transtorno dissociativo de identidade”. Quiseram interna-la mas eu sou totalmente contra.

– Porque Kaede?- Inuyasha perguntou sem entender, a idosa sempre foi tão sensata.- Isso não seria para o bem da Kagome?

–Se fosse Inuyasha, eu seria a primeira a prende-la num hospital. Quero o melhor para minha neta. E sei que médico nenhum vai poder ajudá-la. Ela mesma precisa se encontrar. Eu sei que ela pode. O que complica, é que ela simplesmente apagou os ultimos anos da sua mente. Ela acha que é ainda uma estudante colegial, quando a Kagome aparece ela está de volta aos seus quinze anos. E as poucas vezes que tentamos forçar a verdade para ela foi caótico.- Kaede suspirou, como se a lembrança fosse muito dolorosa- Ela entrou em colapso. Achei que fosse perdê-la também. Você pode me achar maluca, como minha filha e meu neto acham, mas para mim o problema de Kagome não é na mente... Ou pelo menos não só na mente.

Kaede juntou as mãos na frente do rosto. A preocupação subitamente lhe envelhecera uns dez anos. E como quem confessa um segredo ela continuou.


–Acredito que o problema da Kagome seja espiritual.

Inuyasha quase falou em voz alta que concordava com a Senhora Higurashi e o Souta. Mas mordeu a língua. Por mais que não concordasse devia no mínimo ouvir o que ela tinha dizer. E foi o que ele fez.

–Aquele colar que elas carregavam para cima e pra baixo. A Kikyo chegou a lhe falar dele?

–Sim. Elas chamavam de Shikon no Tama. Cada uma usava por uma semana, intercalando entre elas, como um símbolo de amizade. Por que?

–Amizade é algo muito poderoso, Inuyasha. É capaz de driblar a distância, superar as diferenças, e até mesmo vencer a morte. Esse colar, essa tal de Shikon no Tama representa todo esse amor. Essa pequena pedrinha ficou cheia das emoções dessas quatro meninas, que acreditavam que enquanto estivessem usando o colar, nunca estariam sozinhas. Como se um pedaço de cada uma estivesse preso na pedra, um pedaço de sua alma.

Inuyasha se esforçava para acompanhar. Nunca fora religioso. O pouco de contato que teve com alguma crença foi justamente com o Shinto. Religião tradicional japonesa em que Kaede e Kikyo eram devotas. Mas era complexo demais para a mente prática do rapaz.

–Os espíritos, mesmo os bons, as vezes se apossam de objetos. Porque não se sentem prontos para seguir o caminho. Assuntos inacabados, desejos terrenos ou o simples medo de seguir o desconhecido fazem com que eles se prendam a terra. E pessoas vulneráveis como a Kagome, acabam sendo escolhidas.

Inuyasha se levantou, tão rapidamente que chegou a derrubar o pesado banco de madeira.

–Então quer dizer - o sarcasmo saindo em cada palavra- que a senhora acredita que a Kikyo, a nossa Kikyo, virou uma espécie de alma penada que está possíndo o corpo da Kagome?

–Não. Acredito que Kikyo, Sango e Rin estejam de alguma forma presas a joia, e ocasionalmente usando o corpo da Kagome.

Inuyasha bateu as duas mãos na mesa ruidosamente. Aquilo era demais para ele aguentar.

– Por que não encara os fatos velha? Sua neta surtou, ficou maluca e precisa de hospital e uma camisa-de-força, não de um exorcismo!

Kaede não se abalou. Olhava para Inuyasha, sem raiva ou magoa. Era a mesma expressão de um adulto quando vê uma criança esperneando por um brinquedo. Esse olhar irritou muito mais Inuyasha, do que se ela tivesse lhe dado uma bofetada, que de fato ele merecia, pela forma como lhe havia tratado. Era um olhar que o fazia se sentir menor, encolhido.

–Não me importo com o que você pensa. Só tenho uma única pergunta para você.

–Faça.- Inuyasha falou, ainda se sentindo com sete anos novamente.

– Vai ajudar a Kagome ou não?

– O que?- o rapaz perguntou confuso. Não era o que ele esperava.

–Kagome tinha ficado meses sem aparecer. Estava acostumada a tomar café da manhã com a Sango, cuidar do jardim com a Rin e ir ao mercado com Kikyo. Até você aparecer. Eu não sei o que você disse ou fez, garoto, mas trouxe a minha menina de volta. Acredito que você possa ajuda-la. Muito mais do que eu com minhas “crendices”, e que os médicos com seus remédios pesados. O que eu te pergunto, Inuyasha, e se você, mesmo sem ter obrigação nenhuma com essa família, quer ajudar a minha neta, irmã da nossa Kikyo, a se reerguer. O que eu que a Kagome precisa neste momento é de alguém para lhe erguer a mão e ajudá-la a sair do fundo do poço que ela se jogou. Eu só preciso saber se você é o ou não essa pessoa.

Inuyasha abriu e fechou a boca varias vezes, sem saber o que responder. Tinha sido um ogro a poucos instantes atrás, e mesmo assim Kaede pedia para ajudar Kagome. A idosa se levantou com dificuldade e caminhou até a porta, com suas costas curvadas pela idade.

– Não precisa me responder agora. Pode passar a noite por aqui e amanhã decidir. Se quiser ajudar, será mais que bem-vindo na minha casa, mas se decidir que não, peço gentilmente que nem se despeça e saia assim que despertar. Kagome tem problemas demais em sua cabeça, e ter que dar bom dia ao noivo de sua irmã que ela nem lembra que está falecida só iria piorar as coisas.

Kaede destrancou a porta.

–Kagomeeee, lembrei que deixei o remédio na gaveta da cozinha.- a idosa gritou- Precisa procurar mais não!

– Aaaaah, vó! Virei o quarto de cabeça pra baixo à toa!- a garota gritou do quarto no segundo andar.

– E você não varia a gentileza de arrumar tudo de volta, para sua velha e fraca avó?

Kagome suspirou ruidosamente antes de responder.

–Claro, vovó. Claro.

O resto da noite foi bizarramente tranquila. Kagome, como a Kaede tinha comentado, agia como se tivesse quinze anos. Cozinhava e andava pela cozinha com fones de ouvido, dançando e cantando alguma musica chiclete. Inuyasha observava de longe, tentando perceber algo estranho em sua personalidade. Mas Kagome estava constante. Apenas ficava completamente vermelha ao ver que Inuyasha a estava encarando. Durante o jantar, Kagome contava aventuras em do seu colégio, reclamando de como o professor de matemática estava lhe perseguindo, que não conseguia entender como Sango era tão boa em educação física, que ainda não teve tempo de visitar a Rin, que tinha pego catapora. Kaede concordava e sorria. Se Inuyasha não soubesse de tudo, acharia que estava diante de uma família feliz e normal. Mas não era, e isso lhe embrulhava o estômago. Mal tocou na comida, e pode reparar que Kagome lançava olhares para ele. Talvez chateada por ele não estar comendo a comida que ela tinha preparado para todos. Mas ele não conseguia. Principalmente ao ver que ela tinha colocado um prato a mais ao seu lado, um prato para a Kikyo que não apareceu. E nem apareceria.

Quando as luzes se apagaram, e Inuyasha estava deitado confortavelmente no velho e conhecido sofá-cama de Kaede, percebeu o quanto estava cansado.
Tirou a carteira do bolso do moletom largado em cima da mesa de centro. Estava escuro, mas ele precisava pegar a foto, mesmo que não pudesse vê-la de fato.
Era sua foto favorita, cuidadosamente plastificada, para sobreviver ao tempo.
Nela, ele e Kikyo mais jovens, sorriam despreocupadamente para câmera. Ele carregava a garota nas costas, enquanto ela fazia um sinal de “v” com os dedos.


Era o final da semana mais louca e divertida que tivera na vida. A semana que o fizera ter certeza de seus sentimos. Que fez com que ele vencesse a timidez e a pedisse em namoro.
Kikyo reclamava dessa foto, dizia que estava com cara de boba. Mas Inuyasha simplesmente a adorava. Era tão raro ver Kikyo sorrindo tão abertamente. Só por isso, essa foto já deveria ser emoldurada e colocada no centro da sala. Se ela fizesse ideia o quão linda ela ficava sorrindo.
Sentia falta dela. De sua confiança, de sua força. Sempre acreditou que ele e Kikyo estavam destinados a estarem juntos. Mas estava errado. Queria ser como ela, bondosa, altruísta. Ela não estaria praguejando os céus se fosse ao contrário. Ela esconderia seu sofrimento, guardaria pra si a sua dor, e continuaria a ajudar os outros como sempre fez.

Um barulho despertou Inuyasha de seus pensamentos.
Era a porta da sala. Tinha sido aberta, e o barulho que escutava era da chuva que até então não tinha dado trégua.
Sem se dar o trabalho de vestir novamente o moletom Inuyasha se levantou do sofá e foi até a porta.
A luz da varanda iluminava muito mal o jardim, e a lua e as estrelas estavam completamente encobertas pelas grossas nuvens de chuva. Ainda sim, Inuyasha consegui ver uma pessoa parada no meio do jardim.
O rapaz foi até lá, os olhos apertado para conseguisse enxergar.

–Kagome?

A garota se virou para olha-lo assustada. Ela tremia violentamente e Inuyasha não soube dizer se de medo ou frio, pois a delicada camisola que usava de nada a protegia da chuva ou do vento.

–Inuyasha... Desculpa. Eu... Estava dormindo...- A garota piscava e lutava com as palavras, como se não tivesse certeza de seus próprios pensamentos.- Então eu vi um menino ruivo. Shippou o nome dele. Eu o segui e... vim parar aqui.

Inuyasha olhou para menina a sua frente. Tão frágil. Ela não fazia ideia do quanto ela estava perdida realmente. Foi quando o rapaz entendeu a preocupação de Kaede. Aquela menina que tremia sob o vento frio da madrugada, não conseguiria suportar a verdade. Ela precisava de alguém forte, alguém que pudesse protege-la.

Sem pensar muito, Inuyasha a abraçou. Passou os dois braços por sua cintura fina, e a aconchegou em seu peito. Kagome hesitou por um instante, depois relaxou em seus braços.

– Me desculpe.- ela murmurou sincera, mesmo sem nenhum dos dois entender o motivo.

–Está tudo bem Kagome. Eu estou aqui.

Inuyasha deixou que ela afundasse o rosto em seu peito, se protegendo da chuva e inconscientemente buscando apoio para o caos da sua mente.
Ele estava ali, e tinha se decidido.
Iria ajudá-la como a Kikyo gostaria que ele fizesse.
Seria a força que Kagome precisava para se reerguer, a protegeria e cuidaria como gostaria de poder ter feito com a Kikyo.
Tinha encontrado um novo propósito, e mesmo que não pudesse ser comparado ao sonhos que foram destruídos naquele acidente terrível, era um fio de esperança.

Um único raio de sol, escapando entre as nuvens de uma tarde cinzenta.


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Notas finais do capítulo

E ai, gostaram?
Sim, não, mais ou menos?
Sua opinião é muito importante, e deixa meu dia muito mais feliz!

Obrigada a Vicky Scarlet pelo comentário no capitulo anterior.
Desculpa por acabar com suas esperanças sobre a Kikyo.
Se chorarmos juntas, eu sou perdoada?
Não? Okay, pelo menos eu tentei...

Beijos e até a próxima!



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