Never knew I needed escrita por Lirael


Capítulo 6
Rosquinhas e desconfianças


Notas iniciais do capítulo

Oi oi, pessoal! Estou de volta, embora um pouco mais devagar do que antes, graças à faculdade e as aulas que retornaram. Mas é melhor andar devagar do que parar completamente, não é? Obrigada pela paciência e pelos comentários!



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Conforme combinado, Tip foi até a cafeteria em que Hiro tinha marcado com ela. Sofreu um pouco e se perdeu entre as ruas cheias de ladeiras de San Fransókyo, até que se cansou de confiar no aplicativo de GPS do celular e se rendeu ao método mais antigo para se chegar aos lugares: perguntar a alguém.  

Por sorte encontrara duas senhoras gentis que lhe indicaram o caminho. 

No fim a cafeteria não fora assim tão difícil de achar. Era um prédio de esquina e a cafeteria funcionava no primeiro andar. Tip nem mesmo precisou entrar para saber que o lugar estava cheio. Ela só não imaginava o quanto. 

Ela se aproximou da porta e uma sineta pendurada tocou quando ela se abriu. Tip olhou em volta, esperando ver Hiro, mas o lugar estava repleto de jovens vestidos de hippies com um ar intelectual. Todos os olhares estavam voltados para um rapaz de dreads louros e óculos que segurava um crânio de plástico em uma mão e uma folha com anotações na outra. Ele tinha um olhar um pouco maníaco ao declamar, e quando Tip tentou passar de mansinho e procurar uma mesa, o homem virou-se com tudo na direção dela e apontou com as anotações em sua direção:

— Um útero é do tamanho de um punho! - ele berrou e no mesmo instante, Tip congelou onde estava. O rapaz ainda olhava para ela ao afirmar - Num útero cabem cadeiras. Todos os médicos couberam num útero. Uma pessoa já coube num útero. 

Tip prendeu a respiração e não se mexeu. Todos olhavam para ela e ninguém dizia uma palavra. De repente, o rapaz fez uma vênia e as pessoas começaram a aplaudir, maravilhadas. Alguns assoviaram, outros gritaram enquanto o rapaz apenas se curvava e agradecia. Tip sentiu que aquela era a deixa para sair de fininho e se enfiou no meio da multidão, aliviada por não ser mais o centro das atenções. Ela quase pulou de susto quando uma mão segurou seu ombro, pensando ser mais um maluco, mas era apenas uma mulher de cabelos curtos, usando um avental e segurando uma bandeja vazia na outra mão. A mulher sorriu para ela.

— Olá, você deve ser a amiga do Hiro. Sou Cass, tia dele. - Ela estendeu a mão direita para Tip.

— Tipolina Tucci. - Tip apertou sua mão. 

— Garanto que nenhuma das histórias de Hiro sobre mim é verdadeira. - Cass garantiu, com uma piscadela e como Tip não sabia o que dizer, apenas deu um sorrisinho sem graça.

Cass apontou para a cafeteria lotada. 

— Desculpe a bagunça. Noite da poesia. - ela explicou - Infelizmente acho que o Hiro se esqueceu disso antes de te convidar. Não sobrou nenhuma mesa para vocês dois. Mas vocês podem estudar na nossa sala.

Tip anuiu, um pouco incerta do que dizer. Felizmente Cass continuou falando. 

— Eu normalmente te levaria lá para cima, mas isso aqui está uma loucura! - ela deu uma risadinha nervosa -  Mas não se preocupe! Separei algumas coisas deliciosas para vocês, e chocolate quente também! É só subir a escada e... 

Cass tinha sido interrompida por mais um grupo de poetas que a cercara para fazer alguns pedidos. 

Tip esperou alguns minutos, mas Cass desapareceu na multidão de clientes e a garota entendeu que ela não voltaria tão cedo. Ela suspirou e subiu as escadas devagar.

A cada degrau avançado, o barulho lá embaixo ficava menor e apareciam mais fotos na parede. Tip as observou com interesse enquanto subia. Cass, segurando Hiro ainda criança, facilmente reconhecível pelos cabelos desgrenhados. Hiro ao lado de um rapazinho mais velho. Cass, segurando um filhote de gatinho, muito parecido com Porquinho. Distraída com as fotos, Tip arquejou quando seu pé encontrou o vazio no lugar onde deveria haver um degrau.  Ela mal tinha percebido que a escada acabara. Ela olhou em volta assimilando o novo ambiente. A sala era espaçosa e havia uma cozinha também. 

No balcão, rosquinhas, docinhos e biscoitos, todos com um cheiro irresistível, e ao mesmo tempo tão lindos que mal dava vontade de comer.

Mas não havia nenhum sinal de Hiro. Ela avançou incerta, procurou na cozinha e na sala, mas o único ser presente era um gatinho roliço, que ao vê-la esfregou-se nas pernas dela. Tip sorriu, coçando as costas do bichano enquanto esperava. Cinco minutos. Dez. Quinze.

Ele havia se esquecido dela? Um pouco contrariada, Tip subiu as escadas que levavam ao último piso. Mais porta retratos, dessa vez fotos de Hiro ao lado do mesmo rapazinho mais velho que ela vira antes. Com certeza algum parente próximo, uma vez que a semelhança era tão notável. A escada terminava em um quarto obviamente masculino, grande demais para um único morador, Tip notou.

— Hiro? – ela chamou insegura, reparando na bagunça de meias sujas, peças robóticas e papel amassado logo ao lado da cama de Hiro. – Você está aí?

Uma divisória no canto oposto do quarto se abriu, revelando um estranho homem de borracha gordinho. Claramente um robô, que se movimentava com cuidado, desviando-se dos móveis com uma lentidão cuidadosa. Atrás dele, um homem se apoiava trêmulo em uma bengala e parecia estar fazendo muito esforço para se manter de pé. Ele se virou na direção dela, os movimentos dolorosamente lentos e incertos, como uma pessoa reaprendendo a andar.

— Desculpe. Eu não quis incomodar... Eu estava procurando... – ela se interrompeu subitamente quando o homem se voltou por completo e ela pôde ver seu rosto com mais clareza. Tip arquejou e tentou não ficar encarando as cicatrizes.

— O Hiro. – Tadashi estendeu a mão para ela, sorrindo,  e Tip avançou pelo quarto a passos largos e apertou a mão do rapaz com cuidado, fixando o olhar em seu único olho bom. Apesar das cicatrizes, era fácil reconhecê-lo: aquele homem era o garotinho das fotos.  – Meu nome é Tadashi. Sou o irmão mais velho dele.

— Tipolina Tucci. – Ela sacudiu a mão dele com cuidado, ciente do equilíbrio precário de Tadashi na bengala. – Desculpe por ir entrando, é que eu subi e Hiro não estava...

— Não se preocupe. – Tadashi a tranquilizou. – Diferente do meu irmão eu não tenho nada a esconder. – Ele deu um sorrisinho, apontando para uma cueca de super herói jogada junto a uma pilha de meias sujas perto da cama do irmão. Não pôde evitar de sentir simpatia pela garota quando ela corou, e resolveu mexer mais um pouquinho com ela.  – Você chegou na hora. Mas por algum motivo, Hiro deve ter pensado que não estava perfumado o suficiente, então resolveu tomar outro banho. Ele também passou um bom tempo escolhendo as roupas. Parecia uma garota escolhendo o vestido para um baile.

Tip riu, imaginando a cena. Então subitamente ficou ciente da coisa-robô que se aproximava dela.

— O que é isso? – Ela perguntou, curiosa. Tadashi apenas sorriu e gesticulou na direção do homem-balão.

— Vá em frente. Pergunte a ele. – incentivou.

Tip parou em frente ao robô, sentindo-se muito pequena perto daquele ser de formas avantajadas.

— O que você é? – Ela perguntou, sentindo-se um pouco tola por conversar com uma máquina.

— Olá. – respondeu a coisa, com um aceno mecânico. – Sou Baymax, seu assistente pessoal de saúde.

— Olá, Baymax. O que você faz?

— Fui programado para realizar procedimentos médicos de complexidade moderada.

— Incrível! Hiro o fez? – Tip perguntou, beliscando Baymax para sentir a textura.

— Eu o fiz. – Tadashi explicou. – E agora, apesar da ironia, ele acabou virando o meu enfermeiro.

Hiro entrou subitamente no quarto, tagarelando sem parar.

— Ah, até que enfim. Juro, depois daquele acidente na refinaria, achei que nunca mais conseguiria tirar todas as manchas de petróleo na armadura. – Ele disse, distraído, enquanto lustrava um capacete vermelho, sem olhar para o irmão.

— Hiro. – Tadashi disse, em tom de alerta, mas Hiro continuou.

— Usei alvejante, sabão em pó, e até o lustra móveis da tia Cass, mas essa coisa gruda tanto que é... – ele ergueu os olhos, vendo Tip pela primeira vez no quarto. Tadashi olhava para ele com apreensão, claramente ciente de que o irmão mais novo tinha falado demais. Hiro pareceu cair em si, corando e escondeu o capacete atrás das costas.

— Tip. Você chegou cedo... hehe. – ele comentou, sem graça.

— Na verdade, cheguei na hora, mas você não estava lá embaixo...

— Então, eu e Baymax fizemos companhia para ela enquanto você terminava seu banho. – Tadashi explicou, enquanto Hiro escondia o capacete embaixo de um edredom.

— Garanto que nada do que ele disse sobre mim é verdade! – Hiro brincou.

—Não mesmo, irmãozinho? - Tadashi deu um sorriso malvado e apontou para a cueca de super heróis e as meias sujas no chão.

Hiro corou ainda mais e chutou a pilha de roupas sujas para debaixo da cama. Tip abafou uma risada. 

— Bom... Cálculo, não é? Temos que estudar cálculo! – ele disse, tentando mudar o foco da conversa.

— Sim, é verdade. Foi um prazer conhecê-lo. Tadashi. – Tip despediu-se.

— Espero vê-los juntos mais vezes. – ele sorriu, com ironia, enquanto Hiro conduzia Tip para fora do quarto.

— Não acredite em nada do que ele disse sobre mim. – Hiro explicou, enquanto desciam as escadas na direção da sala.

Só quando chegaram no último degrau ele reparou que tinha segurado a mão dela o tempo todo. Por um instante ele não soube exatamente o que fazer, e pegou-se olhando nos olhos dela. Tip piscou, e ele soltou sua mão, um pouco embaraçado com a própria situação. Havia uma mesa redonda, com cadernos e lápis.

— Você prefere comer primeiro ou estudar? – ele perguntou.

Tip olhou para os doces na bancada da cozinha e não precisou pensar muito para responder. 

 

—_____ 

 

— É bem mais fácil quando você explica. - Tip comentou, olhando para as folhas de equações que os dois haviam feito. 

— Você quer dizer que é bem mais fácil quando não tem um monte de alunos chatos na sua sala dividindo a atenção do professor com você. – ele disse, num tom descontraído.

— Não, de verdade. Você explica muito bem. – ela elogiou. Casualmente, passou os olhos para o relógio na parede e levantou-se com tudo. – Minha mãe vai me matar! Eu não sabia que era tão tarde! Ela vai fazer um sermão sobre como é perigoso estar na rua até essa hora e...

— Não tem problema. Eu posso te levar até em casa. – ele assegurou. 

—____

 

A noite da poesia ainda não tinha acabado, então Hiro deixou um bilhete explicando onde ia. Uma chuva leve estava caindo lá fora, e Tip foi obrigada a dividir com Hiro um guarda chuva vermelho que ele emprestou da tia. Não podia reclamar, no entanto. A proximidade com ele era bem agradável e a fazia se sentir bem. E naquele momento em que ele segurou sua mão, naquele milésimo de segundo em que olhou fundo nos olhos dela, Tip se sentiu estranha... Mas estranha de um jeito bom. Quando ele a soltou, Tip teve vontade de pedir que não o fizesse.

Mas havia algo mais. Uma sensação gritando no fundo de sua mente, de que Hiro estava escondendo alguma coisa dela. Especialmente pelo modo como Tadashi falou com ele, quase o repreendendo, quando ele entrou falando algo sobre um acidente numa refinaria.

Fosse o que fosse, ela descobriria.


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Notas finais do capítulo

O poema "Um útero é do tamanho de um punho" citado na fanfic é de um livro de mesmo nome, de autoria de Angélica Freitas. Os créditos são apenas dela!



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