Aishiteru escrita por Samy


Capítulo 5
Cinco




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De porte baixo e formas delicadas, cabelos castanhos curtos, pele alva, Hikari constantemente tinha sua imagem ligada a uma bonequinha silenciosa, tímida e delicada. Não era bem assim; ela ganhava fácil de seu irmão em uma competição de arrotos, estava em uma fase em que estourava com facilidade quando era provocada entre outros traços mais, típicos em  qualquer adolescente. Longe de ser uma doce gueixa, odiava ser vista como um frágil cristal ou uma coelhinha a ser protegida, mas em alguns momentos podia se valer dessa imagem impregnada.

— Então você vai estudar no nosso colégio? – forçou um sorriso amigável e  terno o qual sempre lhe fora infalível. – Bom… Seja bem vinda desde já. Quanto ao grupo de torcida, os testes serão essa semana, faça a inscrição na diretoria e boa sorte. 

— Me sairei bem, faço balé desde que aprendi a dar os primeiros passos. – garantiu a francesa. – Espero que possamos fazer o nosso time ganhar muitos campeonatos.

— Com certeza faremos. –”mas sem você, loira azeda” pensou Hikari ao assentir.– Se me dão licença, vou pegar Tailmon e me despedir do pessoal, já está passando da minha hora. Até breve!

    Saiu sem aguardar resposta, passou do lado do amigo, que sentiu um gelo lacerante vindo da aura dela. Takeru gaguejou assombrado, não era tão tolo a ponto de não enxergar o ciúmes na atitude da amiga, mas tudo o que foi capaz de saborear no momento foi uma massagem em seu ego, o que o impediu de por fim a situação.

    Takeru era bem popular com as garotas, pensou que isso mudaria após abandonar o time de basquete e ingressar no clube de literatura, uma vez lá, suas colegas de clube; Yuri, Sayori, Natsuki e Monika começaram a nutrir uma obsessão amorosa por ele. Todo assédio e popularidade deixou o rapaz com  o ego extremamente inflado e ele até gostava de Hikari, mas sabia que se assumisse um compromisso iria perder a diversão em ser tão disputado. Ele não era má pessoa, só estava deslumbrado com a situação. Era divertido ver a “sempre tão serena” Hikari, quase a explodir de ciúmes. Talvez no último ano do ensino médio ele a pedisse em namoro.

 

— Bom, Catherine-chan, melhor nós também irmos embora. Eu vou te acompanhar até  em casa.–  Cavalheiro, Takeru ofereceu o braço para a dama. Não era um costume japonês,  mas ela não era japonesa mesmo.

    Enquanto o pessoal se despedia e recolhia seus parceiros exaustos, alguns já adormecidos, Miyako usava o rastreador de D-3 para encontrar Ichijouji.

—  Então, aí está você? –  ela atestou calmamente enquanto tomava um lugar ao lado dele.

   Ken não se moveu de sua posição; com as pernas sobre o banco e abraçado aos joelhos com a cabeça baixa. Wormmon dormia confortavelmente sobre a mochila do rapaz e com um casaco a cobri-lo. Miyako se lembrou de antigamente quando ele costumava ter assustadoras visões sobre o Mar Negro. Com sua atitude costumeira, estendeu a mão e afagou suavemente os cabelos índigos fazendo com que ele tivesse um pequeno sobressalto.

—  Eu sinto muito, Ken. Eu sei que sou meio sufocante as vezes. Acho que por ter três irmãos mais velhos e pais muito zelosos, acabo replicando essa postura nos meus amigos. Eu não te julgo incapaz de se cuidar, não te enxergo como uma criança. Só quero que saiba. –  ela esclareceu.

    Ele permaneceu calado e imóvel. Não sabia o que dizer ou  como falar… Ele quem tinha errado. Era absurdo que Miyako estivesse se desculpando e se justificando por ser  sempre amorosa, preocupada e protetora, afinal, ele quem, da noite para o dia, começou a desejar algo a mais e não estava sabendo lidar com aquilo. Milhares de coisas giravam e confundiam ainda mais a cabeça de Ken, enquanto sua boca não conseguia se mover para responder a garota.

—  Entendo. Não quer mesmo falar comigo. – concluiu magoada. –  Você tem esse direito, aposto que estava guardando esse incômodo a tempos. Às vezes os amigos conseguem mesmo ser irritantes e, eu fico imaginando quantas pessoas devem pensar isso a meu respeito e não dizem nada. Obrigada por ter sido sincero, eu não posso tentar mudar se não souber o que devo trabalhar.

 

    Ela pensou em dizer que ele deveria pegar Wormmon e ir para a estação antes que o último metrô saísse e, que aquela rua era deserta e perigosa ,mas não queria agir novamente como mãe ou irmã mais velha, já que foi isso que fez o rapaz estourar.

    Suspirou e correu os dedos pelos cabelos, também tinha hora para voltar  pra casa e já tinha dito tudo o que precisava dizer. Ela achava profundamente irritante ser ignorada, mas em se tratando de Ken e seus traumas passados ,podia relevar.

—  Bom, o último metrô sai em 20 minutos. Eu sei que você já deve saber, mas não custa nada lembrar. Vou para casa agora. Espero que possamos superar isso. – não resistiu ao ímpeto e alertou.

    Ela se levantou sentindo um nó no estômago, considerava o garoto bem mais do que gostaria, podia se dizer que tinha uma quedinha por ele, mas tudo em volta dele era tão complexo. Quando deu as costas sentiu o tecido de sua blusa sendo puxada e freou o passo.

—  A culpa não é sua. Eu gosto da sua espontaneidade; briga e grita quando tem que brigar e, acho que é da sua natureza ser superprotetora com os amigos, não tem que querer mudar isso. O problema é comigo. Eu sinto muito. –  ele murmurou titubeante. 

    A ínfima iluminação local não permitia que Miyako pudesse ver a face marcada pelas lágrimas, mas ela sentia.

—  Então não está chateado comigo? –  ela questionou.

—  Não! –  negou com a cabeça. –  Você quem deveria estar chateada. Eu estraguei a festa, assustei a todos e você só estava tentando ser gentil. Estou tão envergonhado. Me perdoe, por favor! –  se levantou em um salto e se curvou em uma reverência formal fazendo Miyako abrir a boca.

—  Ken-kun? Não precisa tudo isso. É claro que perdoo, amigos se desentendem mesmo, isso é normal. –  sacudiu a mão. –  Vamos esquecer isso, tá legal? –  deu uma risadinha nasalada e estendeu a mão para ele.

 

    Ken ficou algum tempo processando a situação. O poste avariado piscou algumas vezes e a iluminação ficou mais intensa, ele pode observá-la integralmente; os longos cabelos ondulando com a brisa da noite. Abruptamente a puxou pela mão estendida  e a fez colidir-se contra si, prendendo-a em um inesperado abraço.

    Miyako piscou desacreditada. Se tinha conhecimento de um traço que Ken conservara de sua época de Kaiser; era a aversão por contatos físicos, ele já tinha deixado isso evidente em várias ocasiões. Parou de tentar entender qualquer coisa quando se deixou envolver pelo cheiro dele, fechou os olhos e retribuiu o abraço.

    Eles permaneceram assim até que o celular do rapaz tocasse e os fizessem saltar um para cada lado.

—  Eu sinto muito!  –  ele se desculpou quando viu o absurdo que fez; abraçar uma garota sem a permissão dela.

—  Ok, ok...Eu vou para casa agora, eu realmente vou. –  ela ofegou dando passadas para trás e quase caindo da calçada. –  Até, eu fui...–  correu desajeitada tendo a sensação de ter deixado seu coração fugir do peito.

    Ken a observou indo embora disparada quase podia ver a poeira levantar. Não estava arrependido, talvez assustado com sua atitude, mas valeu a pena, só esperava que ela não pensasse que ele era um pervertido. Mirou seu celular e viu a chamada perdida de seu pai; precisava se apressar.

—  Eu vi aquilo, Ken-chan! –  troçou Wormmon com voz sonolenta.

—  Vi-viu nada, você deve ter sonhado. Vamos correr senão perderemos o metrô.

    O domingo estava frio e nublado, Hikari remoía os ocorridos da noite anterior, jogada no sofá da sala, os pais tinham saído. Deixou para conversar com Miyako a noite, pois era dia da amiga ficar na loja dos pais. Tailmon estava preocupada com a apatia da parceira.

— Hikari, reparei que você não se alimentou direito hoje. Está doente? –  foi direta.

— Não, Tailmon, são coisas de humanos, eu acho…–  parou pensativa.–   É  possível que os digimons se apaixonem?

 

—  É possível sim, só que nós vemos o amor de uma forma diferente. Não temos inclinação sexual porque nossa reprodução é assexuada, então não possuímos libido. –  clarificou sem medir as palavras.

    Hikari corou momentaneamente, era estranho ver Tailmon explicar sobre sexo, reprodução e libido, mas deveria se lembrar que ela era adulta.

—  Então, não é um amor romântico?

—  Pode ser romântico sim, mas sem intenção sexual. Somente dois seres com muitas afinidades e respeito mútuo, que poderiam compartilhar uma eternidade juntos. Tem também o amor não romântico como uma devoção e admiração cega. –  pontuou a digimon gata.

—  Esse amor pode doer? 

—  Pode sim, quando quem é amado não valoriza o sentimento ou quando um dos dois parte dessa vida para sempre. –  declarou pesarosa e Hikari teve um estalo.

—  Tailmon, me desculpe! Eu não queria te trazer lembranças dolorosas.

— Tudo bem, o assunto aqui é você, né? –  insistiu Tailmon.

    A chave girou na maçaneta ruidosamente, interrompendo o assunto. Taichi passou pela soleira trazendo um embrulho de uma confeitaria. Agumon já estava devorando um pedaço grande de torta e deixando farelos por onde passava.

—  Não chora meu povo. Mudei de casa, mas não de família. –  olhou ao redor.–  Por que essas caras de velório? E o pai e a mãe?

—  Foram visitar a tia Tomiko na casa nova.–  Hikari respondeu se levantando e pegando um pires para Agumon. –  Quando sair com Agumon, carregue sacola e pá.

 

—  Hey, eu não  faço cocô na rua. –  Agumon retrucou com a boca cheia. –  Aquela vez foi a bomba de chocolate estragada.

 

—  É, ele não faz mais. –  Taichi defendeu.–  Credo, como você tá azeda. É TPM?

—  A Hikari está falando da trilha de farelos e não de cocô! –  explicou Tailmon com as patas na “cintura”

—  Isso mesmo, Tail. E quanto a TPM, não onii-chan, estou normal, mas já limpei a casa hoje, só quero que ela continue limpa.

—  Credo, grossa! Tá bem, já entendi. –  andou até a cozinha. –  Eu trouxe sua torta preferida, que tal?

—  Valeu, mas  estou sem fome, depois  eu como. Vou pro meu quarto ouvir música.–  anunciou recolhendo o cobertor.

—  Foi algo que eu disse ou fiz? 

 A pergunta inocente do irmão, fez a caçula se sentar e reconsiderar. Taichi só estava com saudades de casa, até levou torta e ela sendo chata.

    Estava magoada e chateada, mas não poderia ficar descontando isso nas pessoas a sua volta. Foi para cozinha e comeu da torta, enquanto ouvia o mais velho narrar sua experiência de morar sozinho com Agumon.

—  Imagino o chiqueiro que deve estar o apartamento.–  ela deixou seu pensamento escapar.

—  O que? Eu não vou ficar aqui e aguentar todo esse bullying. –  ele bradou rouco e ofendido. – Eu vou te mostrar quem é porco. –  sua franja cobria  parte do rosto e os olhos brilharam assustadores.

—  N-não, onii-chan...–  ela gaguejou sabendo que estava ferrada. –  Você sabe que eu te amo, né?

 

—  Agora é tarde! –  ele correu atrás dela saindo da cozinha e volteando o sofá. –  Curve-se diante de mim, humana insolente! –  pegou o cobertor e colocou como capa. –  Eu não sou um mero porco. Sou o rei dos porcos. –  jogou ela no sofá e manejou o cobertor o transformando em uma tenda. –  Agora sinta o meu poder máximo! – ele soltou um peido potente e barulhento, seguido de vários outros.

    Hikari gritava e se esquivava, quase asfixiada com o odor insuportável,mas ela tinha provocado a fera. Tailmon e Agumon continuaram comendo na cozinha, já eram acostumados com as confusões dos irmãos.


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