Senhor saíra novamente hoje. “Senhor”... Era assim que outras pessoas o chamavam quando vinham aqui para lhe consultar.

Soube que ele teria compromissos hoje, e talvez não voltasse tão cedo.

Mas esperar e eu não nos dávamos bem.

Sempre que nos encontrávamos, algo dava errado e Senhor me repreendia. Sentia-me culpado toda vez que fazia algo que ele não gostava. Considerava-o meu próprio pai, mesmo sabendo que ele não era.

Algum tempo se passou. Olhei de relance para o quadrado mágico preso à parede. Chamavam-no de relógio. Aprendi tardiamente a entender seu funcionamento. Quando Senhor saiu, o ponto menor estava em “dois” e o maior em “quatro”. O que mudou foi o deslocamento do maior para um meio-termo entre “quatro” e “cinco”. Soube que não era uma grande mudança.

Tempo era meu inimigo, e Senhor também não gostava dele. Por causa de Tempo, Senhor se atrasava inúmeras vezes, ou simplesmente não conseguia fazer algo que precisava fazer.

Mas, ficava feliz quando ele vinha até mim, querendo me agradar, do mesmo jeito que eu tentava fazer com ele, sem muito sucesso.

Lembranças dele só me entristeciam.

Parecia ter se passado uma eternidade.

O ponteiro maior chegou ao “seis”.

Senhor ainda não chegara, e isto me deixava louco.

Aos poucos fui tendo ideias do porque fui deixado aqui em meu lar, sozinho. E a que mais me passava pela mente era abandono.

Senhor me deixou de propósito e nunca mais voltará?

Pensando em meus pensamentos anteriormente pensados, comecei a me irritar.

Baguncei toda a papelada que vi sobre sua escrivaninha, puxei as cobertas de sua cama e as lancei ao chão, estourei as almofadas de seu sofá, lancei-me em meu leito.

Tive um enorme sentimento de culpa no momento em que pensei em minhas ações.

Tive um enorme desejo de voltar atrás e impedir que isso acontecesse.

Mas o Tempo... O Tempo era meu inimigo, e talvez sempre seja.

O ponteiro menor, quando fui ver, já estava em “três”. Isso me agradou.

Um barulho de metal batendo em madeira atiçou a minha curiosidade.

Quando eu ouvi o “clang” ocasionado pelo movimento do objeto, tive certeza: Senhor chegou.

Assim que o retângulo marrom de madeira foi movimentado para dentro de casa, corri para os pés de Senhor, como de costume.

Quando ele viu a situação do interior da casa e me encarou, jogou toda a culpa sobre mim. Gritou, brigou, fez-me sentir culpado.

Após arrumar toda a confusão, ele veio até mim, ensinando-me sobre o que fazer e o que não fazer quando ele saísse de casa. Isso já se repetiu várias vezes, mas nada parecia mudar.

Senhor possuía um coração de ouro. Sempre me perdoava... Esse era Senhor, meu dono.