Fate escrita por anyoneelse


Capítulo 20
Deslize


Notas iniciais do capítulo

Nesse aqui teremos um dia importante e não só pro basquete... Vamos ver no que dá!

https://youtu.be/mWRsgZuwf_8



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"Your eyes, they shine so bright I want to save that light
I can't escape this now unless you show me how"



E assim a semana finalmente começou. Eu estava me sentindo bem melhor, tanto fisicamente quando mentalmente. Meus machucados praticamente se curaram por completo, pra minha sorte, além de que nos retoques eu usava a tal da maquiagem.

Na escola ninguém reparou em nada e, se reparou, disfarçava extremamente bem porque eu não deixava escapar nenhum sinal suspeito. Kagami e eu não falávamos sobre nada que remetesse ao tema, de modo que Kuroko não desconfiasse de alguma ação nossa, já que aquele cara era expert quando o assunto era pessoas.

Durante os treinos eu me empenhava na medida do possível, o suficiente para passar despercebida por todos, incluindo a treinadora. Dei uma desculpa qualquer sobre não ficar em quadra por mais que alguns minutos, o que eles engoliram até que bem. De fato, eles tinham mais o que se preocupar, tendo em vista nossos jogos que viriam em alguns dias.

Minha relação com Aomine estava indo bem, nada de mais. Conversávamos todos os dias por mensagens e ligações, visto que a correria das nossas escolas nos impedia de ficar vagando por aí pessoalmente. Além do mais, eu estava bem atolada de coisas para estudar e desenvolver contra uma gama de oponentes fortes.

Claro que isso era uma boa desculpa, já que eu ainda não sabia o que se passava naquela cabecinha azulada e oca sobre nós, me deixando bem desconfortável pra iniciar esse assunto com ele. Então sim, nós não nos beijamos de novo e nem falamos sobre isso, mas eu já tinha deixado claro pra mim mesma que era algo que eu queria fazer em um futuro nem tão distante, só faltava saber se ele pensava o mesmo.

Tempo vai, tempo vem, estávamos nas quartas de finais da Winter Cup.

Como de costume nesses jogos importantes, eu não fiquei no banco durante a partida. Na verdade esse era o primeiro jogo oficial deles que eu assistia, ainda que Riko até me pedisse para dar apoio aos jogadores antes, mas sinceramente eu não via como poderia ajudar.

Meu papel no time era auxiliar nos treinos e trabalhar com eles nas jogadas, então ficar apenas assistindo de um banco era no mínimo frustrante. Sendo assim, antes do jogo eu fiquei ajudando-os no aquecimento sem demonstrar qualquer jogada minha, e depois me dirigi para a arquibancada de onde eu analisei o jogo do começo ao fim. No intervalo, entreguei os resultados para Riko e fiz o que pude para dar uma animada no time, deixando-os menos tensos para os dois últimos tempos.

O sucesso foi iminente, resultando na vitória da Seirin contra Yosen.

Entrei no vestiário e eles comentavam sobre o jogo de minutos atrás com muitos sorrisos, logos repreendidos por Hyuga, alertando que ainda teriam o outro jogo para assistir hoje. Depois de um intervalo, viria o jogo que determinaria o nosso próximo oponente.

No período entre os jogos fui até a área externa para me recompor da euforia. Eu nunca imaginei que estaria ali torcendo por um time que eu ajudei a treinar, que fazia parte de mim e me elevava a uma alegria imensa pelo simples fato de ganhar. O mais importante é que, mesmo depois do que aconteceu naquela noite, essa era uma das coisas que eu lutei pra conseguir de volta, que eu insisti pra mim mesma que valia a pena reconquistar no meu eu.

Olhei para a cicatriz em minha mão, as lembranças ruins já não me perseguiam com frequência. Há um bom tempo elas haviam ficado de escanteio, nos últimos dias eu estava ocupando muito bem minha mente. Fechei os olhos por um instante, aproveitando a brisa de inverno para relaxar minhas tensões.

Foi aí que aconteceu.

– Olha só... Quem é vivo sempre aparece, não é mesmo?

A voz de Haizaki surgiu de uma sombra qualquer e infestou meus pensamentos com todo o tipo de lembrança indesejada. De primeira o medo tomou conta dos meus músculos, não me deixando fazer qualquer tipo de movimento físico. Mas aí respirei fundo algumas vezes e consegui ao menos abrir a boca para responder.

– Some da minha frente, seu verme – sibilei, encarando-o firmemente com a pequena chama de coragem que consegui reunir por ter sido pega desprevenida.

– Mas a gente nem terminou o que começamos aquele dia, princesa... – gargalhou se aproximando de mim, tentando pegar no meu rosto com a maior naturalidade.

Foi a gota d’água. Ele não iria encostar em mim, não sem eu revidar à altura de uma vez por todas. Não, não era certo resolver com agressão. Me controlei, reprimindo os pensamentos agressivos que se formavam, as ideias, possibilidades e vontades de um lado instintivo que estava adormecido desde o nosso último “encontro”. Tentei direcionar tudo isso para as palavras que estavam prestes a sair.

Aquele dia? – meu sangue ferveu, e eu já não respondia por mim – Se você estivesse sozinho não estaria habilitado pra jogar num campeonato hoje.

– E se você não estivesse sozinha, tenho certeza que não estaria tão incapacitada agora.

Dito isso, ele começou a rir com gosto, como se estivesse mostrando a um inseto o chinelo no qual havia lhe espremido. Sua despreocupação era tamanha que eu só tinha uma coisa pra fazer ali, provar que ele estava errado. E dessa vez não seria com palavras.

Fui em sua direção em passos firmes, cerrando o punho que mirava acertar aquela cara nojenta de uma vez por todas. Isso acabaria com minha raiva, minha angústia, meu medo...

– Ina! – ouvi Kise me chamar com uma voz extremamente autoritária e sem fôlego, aparecendo a poucos metros de mim.

– O namoradinho loiro veio te buscar, é? – ele levantou as sobrancelhas e com um sussurro começou a falar de modo que só eu ouvisse – Já contou pra ele como eu te peguei de jeito esses tempos?

– Cala a boca! – ordenei, levantando o punho em sua direção.

Meu corpo tremia de adrenalina ou o que quer que fosse. Eu precisava descontar toda aquela carga negativa, não era minha obrigação carregar algo que aqueles imbecis me impregnaram naquela noite.

– Não faz isso! – o loiro me segurou e me puxou para que eu me afastasse do meu alvo.

– Qual o seu problema, Ryouta? – empurrei-o de volta, enfurecida – Isso aqui não é da sua conta!

– Se ele aparecer machucado para a partida, vão achar que foi de propósito. Pensa um pouco, Ina! – ele gritou comigo, me fazendo criar juízo.

Ao ouvir seu pedido, tive alguns segundos para esfriar minha cabeça, pelo menos o mínimo para voltar a raciocinar. Respirei fundo várias vezes, internamente jogando água fria por cima da água fervente que me preenchia por inteiro, dominando meu corpo.

Ele estava certo. Eu estava partindo para a ignorância e não media as consequências em nenhum momento! E se duvidar, esse nojento ainda me procurou já sabendo disso... Com os olhos concordei com Kise e fomos em direção à porta, dando as costas para o rapaz que continuou parado no mesmo lugar e com o mesmo sorriso debochado.

– Na próxima eu te como, sua gostosa.

Antes que Kise pudesse me segurar, virei e fui até Haizaki, lhe dando o melhor tapa que alguém poderia dar, deixando-o um pouco zonzo e até tropeçando para o lado. Ele passou as mãos pelo rosto e pude jurar que vi uma gota de sangue saindo de sua boca.

Não me demorei ali, já virando as costas e passando a frente do loiro. Não sei se ele estava mais indignado com as palavras que aquele idiota proferiu, com a força que eu o acertei ou com o barulho altíssimo que minha mão fez. O que estava claro era que ele estava com mil perguntas pra me fazer e nenhuma parecia ser simples de responder.

Rapidamente voltamos ao corredor interno, em direção à quadra onde o jogo estava prestes a começar. Eu ofegava, não de cansaço, mas pela quantidade de energia que ainda circulava em mim, sentindo os dedos formigarem pela intensidade do golpe.

– O que exatamente foi isso? – ele apertava o passo para me acompanhar

– Acerto de contas. – respondi de imediato

– Acerto de...?

– E ele ainda está devendo – o cortei, tentando conter a raiva que me ainda rodeava.

A voz, a cara de deboche e as coisas que Haizaki disse me atormentavam com força. Meus olhos se apertavam com as sobrancelhas franzidas sobre eles, acompanhados do ranger de dente incontrolável.

– Isso tem relação com seus machucados? – perguntou, parando de correr e se impondo na minha frente

Como assim? O que Ryouta sabia sobre meus ferimentos? Eu já estava praticamente sem resquícios e esse loiro me vem com essa? Definitivamente não era o melhor momento pra ele chegar com essas deduções pra cima de mim. Irritada o suficiente com o recém-ocorrido, eu não precisava de um bate boca com ele pra descobrir como ele chegou a essa conclusão.

Antes que eu pudesse responder algo que me arrependeria depois, Daiki apareceu no nosso campo de visão junto de Momoi. Pelo visto eles vieram assistir ao jogo e não contavam com essa aparição minha tão enfurecida logo ao entrarem no local.

– Ina!? Kise!? – a voz feminina indagou, visivelmente chocada – O que aconteceu...?

Apenas revirei os olhos e passei pelos dois, seguindo direto para o lado oposto. Eu precisava sair dali, e precisava ser agora.

– Ei... – o moreno encostou no meu ombro, mas o repeli rapidamente

– Eu tenho que fazer uma coisa – continuei caminhando, em direção aos vestiários.

– Momoi, por que não vamos para a quadra? Depois eles nos alcançam – Kise orientou, pegando a rosada pela mão e praticamente a puxando para dentro, impedindo que ela fizesse qualquer pergunta na minha frente.

Fui apressada até o espaço da Seirin, pois eu sabia que eles já não estariam ali. Entrei e notei que estava sendo seguida por um Aomine no mínimo atordoado, que fechou a porta atrás de si. Quando ele se virou para mim não contava com o que veria.

– Idiota! – gritei, dando o primeiro soco no armário a minha frente.

Continuei com os socos, um atrás do outro, imaginando o rosto daquele miserável nele. A cada porrada, eu podia ouvir o armário ceder um pouco, mas isso não me fez parar. Na verdade, a única coisa que me cessou foi o som de travas se desprendendo e soltarando aquele pedaço de metal no chão em um baque.

Soltei meu peso para o banco atrás de mim e fui com as mãos em direção ao rosto. A dor no peito era imensa, mas não deixei que nenhuma lágrima caísse. Eu suava frio e meus dedos começavam a formigar mais ainda. Senti Daiki sentando ao meu lado, mas ele não disse nada até então.

– Quer conversar ou ir pro jogo?

Aquelas palavras, só aquelas poucas palavras me fizeram ver claramente. Mesmo depois de tudo, da minha mudança de humor, dos meus súbitos ataques de raiva e das noites que não o deixei dormir, mesmo depois disso tudo ele ainda estava ali. Não me pressionava. Sem cobranças ou interrogatórios. Ele só estava ali, e era tudo que eu precisava.

Sorri aos poucos de olhos fechados, e procurei por sua mão com meus dedos machucados. Ele os pegou prontamente, acariciando vagarosamente a região avermelhada que começava a surgir neles.

– Quase quebrei a cara dele. – desabafei de repente, soltando uma risada nervosa – Mas quando eu digo quase, é porque foi por um milésimo de segundo mesmo. Se Ryouta tivesse pegado ar antes de falar, aquele boçal estaria com um nariz quebrado no mínimo.

– Ainda bem que Kise tem bastante fôlego – ele sorriu, apontando para a porta do armário amassada no chão – Pena que esse aqui não teve a mesma sorte.

Só aí me dei conta do acesso de fúria de minutos atrás. Corei, me encaixando em seu ombro para me esconder. Aomine apenas gargalhava baixo, acariciando minha cabeça com uma das mãos e afagando meu braço com a outra. Ele parecia entender minha raiva de algum jeito.

– Momoi deve estar morrendo de medo de mim agora, não? – perguntei, ainda de olhos fechados

– Provavelmente – ele assentiu pensativo – A última vez que a vi desse jeito foi quando ela descobriu que eu tinha uma coleção de revistas de meninas de biquíni embaixo da cama

– E ainda tem? – perguntei curiosa, levantando o olhar para o moreno.

– Claro que não – ele respondeu sério – Agora elas ficam na prateleira mesmo

Revirei os olhos com o rumo que a conversa tomou. Só ele mesmo pra conseguir sair de algo tão ruim em tão pouco tempo. Era o seu dom que me causava um efeito de antídoto, calmante.

Levantei-me, fui até o pedaço de metal retorcido e o peguei. Encarei o estrago que tinha feito, e ponderei o que teria acontecido comigo se Kise não tivesse me impedido de deixar Haizaki desse jeito. Eu tinha que agradecê-lo depois.

Joguei o objeto para dentro do armário sem porta e me voltei para o moreno. Aproximei dele me inclinando e, com a mesma serenidade que ele transmitia no olhar, coloquei uma das mãos em sua bochecha e o beijei.

Confesso que até eu me surpreendi com meu ato inesperado, afinal de contas eu não havia me aproximado dele assim desde o dia da festa. Mas, de alguma forma, eu sabia que era o certo a se fazer, algo que nós dois estávamos precisando urgentemente. Naquele momento eu era apenas uma dependente entrando em contato com sua droga favorita.

Com uma súbita eletricidade começando a fluir sobre nós, ele pegou minha cintura, aos poucos se firmando nela, e me direcionou para que eu sentasse em seu colo, cruzando minhas pernas em suas costas. Nossos corpos estavam colados e o clima começou a esquentar rapidamente.

As respirações eram ofegantes e um pouco descompassadas, necessitadas. O beijo já envolvia línguas e eu me perdia com as mãos em seus fios azulados, vez ou outra puxando-os um pouco, o que fazia ele se arrepiar. Aomine me segurava firmemente na lateral do quadril e com a outra mão acariciava a base das minhas costas por debaixo da blusa.

Minha mente girava, dava mil voltas, mas sempre retornava para o mesmo ponto. Minha consciência estava presa na dimensão que criávamos apenas para nós dois, me puxando cada vez mais para a perdição do momento.

De repente, um sino soou afirmando que a partida de Kaijo estava prestes a começar, e voz do locutor iniciava a apresentação dos times.

Continuamos ainda por mais um tempo, mas logo começamos a rir do desespero que se formava para dar continuidade ao desejo de ambos. Nos separamos do beijo e pude confirmar em seus olhos que se não fosse por isso ele não teria parado, refletindo exatamente o que continha em meus pensamentos.

– Mais tarde a gente continua – sussurrou, passando a mão por meus cabelos levemente desarrumados.

– Vou cobrar – respondi com um sorriso malicioso, recebendo outro em troca.

Ele nos levantou com cuidado para que eu pudesse me soltar dele. Assim que o fiz, comecei a analisar minhas mãos machucadas, esquecidas durante o momento que estávamos. As juntas dos dedos estavam vermelhas e algumas tinham a pele ralada ou cortada, sangrando um pouco.

– Dói? – Daiki perguntou com sua voz preguiçosa

– Não. Mas não posso deixar que saibam ou vão fazer perguntas. – informei, pedindo cumplicidade para o moreno.

– Não se preocupe, eles não vão descobrir. – me confortou, dando um beijo em minha testa e se dirigindo para a porta logo atrás de mim.

Meus punhos realmente estavam vermelhos, mas por sorte eu usava um casaco com bolsos que me permitia escondê-los facilmente. Aomine, entendendo o que eu havia feito, permaneceu o tempo todo com seus punhos cobertos também, como se me desse cobertura para que eu o fizesse sem medo.

Eu sabia que o pessoal da Seirin devia estar assistindo da arquibancada, mas preferi não sentar com eles. Ao invés disso, encontramos a rosada de antes em pé perto de uma das entradas para os assentos, ela assistia ao jogo dali mesmo. Ao nos aproximar, Momoi apenas nos olhou sem falar nada. Pelo visto o loiro havia dito para que ela não nos enchesse de perguntas.

Falando nele, Kise estava lá embaixo e tinha o olhar cheio de pensamentos e vez ou outra lançava um olhar para o time oposto, cruzando com o de Haizaki. Nesse momento Kise franziu a testa e voltou-se para as arquibancadas procurando por mim e, quando encontrou me fitou com surpresa.

– Obrigada – falei baixinho, movimentando bem os lábios para que ele pudesse entender.

A piscada que veio a seguir confirmou que ele havia compreendido e que estávamos bem, seguido por um sorriso e um aceno de cabeça. Sua feição mudou completamente, ele parecia concentrado e confiante, sem nada o distraindo, pronto para dar tudo de si no jogo que se iniciava.

Apesar da proximidade física entre eu e Aomine, não trocamos uma palavra no tempo que se seguiu. Nós três analisávamos as jogadas que eram feitas e mentalmente comentávamos o jogo, deixando expressões escaparem vez ou outra.

Mais da metade do jogo havia se passado e assistíamos vidrados. Em um dado momento, reparei que Kuroko se pronunciou no meio de uma multidão para animar o loiro na quadra, que já estava sentindo as dores de um jogo difícil. Entretanto, após isso, reparei que uma veia se saltou na testa do moreno ao meu lado quando reparou que Kise era capaz de copiar os movimentos da Geração dos Milagres perfeitamente.

O restante da partida foi lindo de se ver. Toda a comemoração de Kise chegava a me deixar emocionada, pois eu sabia o esforço que eles haviam feito para chegar até ali assim como nós. Enquanto Kaijo comemorava, alguns jogadores se cumprimentaram, mas reparei que Haizaki apenas fitava o horizonte com um olhar pesado enquanto as pessoas se dispersavam.

– Vão pra casa juntas, vejo vocês depois – Daiki disse, me tirando dos meus pensamentos e fazendo ficar duvidosa perante sua atitude.

– Mas... – a rosada começou, mas logo a repreendi.

– Vem, Momoi, vamos aproveitar o fluxo.

Dito isso, peguei na mão dela a puxando para a saída mais próxima. De canto lancei um olhar para o moreno, mas ele não retribuiu. Estava absorto demais em seus pensamentos e por um segundo fiquei receosa com o que ele estava pensando.

Claro que eu sabia que ele estava tramando alguma, mas não era hora e nem lugar pra questioná-lo em suas decisões. Eu apenas o deixaria que se explicasse mais tarde, quando estivesse pronto para me contar o que passava em sua cabeça. Espero que seja a hora certa de retribuir a confiança e o espaço que ele sempre me deu.

Deixamos o ginásio e levei a gerente da Touo em casa para depois me dirigir à minha. Assim que me acomodei em casa notei que havia uma mensagem de Kagami me aguardando no celular. Acabei por ligar para o ruivo e engatar uma conversa de duas horas.

No fim, contei o que havia acontecido do lado de fora do ginásio, o que o deixou extremamente irritado por não ter comentado antes. Consegui contornar a situação, acalmando seus nervos e o situando da partida que teria no dia seguinte que exigiria toda a sua atenção e concentração de energias.

– Mesmo depois de Kise tê-lo vencido, você ainda teme que ele volte a te procurar? –perguntou, concordando em encerrar o assunto com aquilo.

– Independente do que aconteceu nas quadras, eu duvido que o que o motivou aquela noite esteja exclusivamente relacionado ao basquete, mas acho que agora ele deve se aquietar. Não se preocupe Kagami, eu estou bem.

Era uma mentira. Tudo bem que demorei a perceber isso, convencer a mim mesma do estado que me encontrava, chegando a essa conclusão somente horas depois que já havia desligado a ligação com Taiga. Foi no meio da noite, quando acordei repentinamente, que avaliei minha situação atual.

Eu estava sozinha e não conseguia dormir, mas não sabia o porquê. Fui até o banheiro e lavei meu rosto diversas vezes, mas meus pensamentos não escorriam junto da água da pia. Infelizmente, as palavras que o ruivo havia dito continuavam a martelar as paredes de minha mente.

E se ele voltasse atrás de mim?

Olhei para meu reflexo no espelho e fiquei me observando por um tempo. A cicatriz em meu rosto já estava bem apagada, os sinais físicos haviam sumido quase completamente. Mas o problema era o que havia restado na minha cabeça, que foi ativado pelo encontro desagradável de hoje.

Passei a mão em meus cabelos, me preparando para prendê-los em um rabo de cavalo, quando reparo em uma mecha irregular que se desprendia da amarração. Separei-a e comecei a analisar. Tentei me lembrar da última vez que fiz o penteado, buscando uma repetição do ocorrido. Aí uma luz se ascendeu em minha cabeça.

Um arrepio percorreu meu corpo ao começar a lembrar daquela noite...

“Hanamiya portava um canivete e me puxou pelos cabelos, mantendo o olhar sádico sobre mim, enquanto Haizaki apenas observava tudo aquilo de longe, se divertindo.

– Não... Você fica melhor de cabelo solto mesmo... – dito isso ele cortou uma mecha fazendo-a se soltar de seu puxão por ter encurtado, voltando-se a encarar meus olhos – Bem melhor assim.”

Abri os olhos a tempo de ver meu olhar de desespero refletindo no espelho. A cena parecia real, parecia que estava acontecendo novamente e isso me deixava angustiada ao extremo.

Revirei o armário do banheiro e encontrei o que procurava, uma pequena tesoura. Acompanhei pelo espelho minha mão indo em direção ao cabelo que eu segurava com a outra, abrindo a tesoura o suficiente para despedaçar todos os fios em apenas um movimento.

Parei repentinamente, não me reconhecendo mais. A tesoura ainda estava em minhas mãos, e a abaixava lentamente.

– Eu não vou deixar isso tomar as decisões por mim de forma tão inconsequente. – falei para a menina que me encarava do outro lado do vidro – Eu sou mais forte, e eles não vão tomar conta da minha vida.

Respirei fundo, passando a mão em meus cabelos intactos. Olhei uma última vez para aquela mecha que se ressaltava, prendendo-a com um grampo escondido debaixo do rabo de cavalo. Prometi a mim mesma que iria fazer as coisas darem certo, de pouco em pouco.

Eu não poderia depender sempre de outros virem me interceptar a tempo de fazer alguma besteira. Eu tinha que ser forte, pelo meu próprio bem.

Guardei a tesoura no local de origem com as mãos trêmulas. As feridas do meu acesso de raiva de hoje ainda estavam presentes, me fazendo decidir usar luvas amanhã no jogo das semifinais. Não que isso fosse um problema, afinal de contas os dias estavam ficando cada vez mais frios. Se bem que desde aquele dia, a temperatura pra mim só decaía.

Não, eu precisava pensar em outra coisa.

Procurei no fundo dos meus pensamentos algo que me afastasse desse frio, alguma lembrança por menor que fosse que possuísse em sua essência um calor capaz de me aquecer. Em um piscar de olhos, a primeira coisa que me apareceu foi Daiki.

Deitei novamente em meu quarto, mantendo a chama dentro de mim acesa com essa faísca que ele era pra mim. O sentimento que eu tinha por ele estava se tornando algo único e incomparável com qualquer outra felicidade, chegava a ser viciante.

Aproveitei a falta de comunicação dele depois do incidente do ginásio e enviei uma mensagem sem pensar duas vezes. Eu precisava ser mais impulsiva com as coisas que me faziam bem, e ao mesmo tempo controlar as que me prejudicavam para não se espalharem. Eu precisava mostrar para ele o quanto era importante pra mim, mesmo que não fosse correspondida na mesma intensidade.

Sem querer acabei adormecendo, as palavras recém-colocadas em uma mensagem de texto ainda vagavam pela minha cabeça na frase que fora formada.

“Acho que você conseguiu uma nova sombra, porque eu sinto falta da sua luz”.


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Notas finais do capítulo

Não sei vocês, mas achei essa última frase uma coisa tão bonitinha... Mesmo depois de tanta coisa ruim, ela acabou achando alguém que lhe fizesse bem :')

https://youtu.be/mWRsgZuwf_8

Demons cabe em tantos textos, achei que deu certo aqui também.

Até o próximo!



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