Fate escrita por anyoneelse


Capítulo 19
Reerguer


Notas iniciais do capítulo

Vamos ao próximo capítulo, mas dessa vez um dos protagonistas vai dar lugar a algo... Que não acontece todo dia, digamos assim.

Boa leitura!

https://youtu.be/JRJj4z-prvM



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"Agora eu sei exatamente o que fazer

Vou recomeçar, poder contar com você"



E assim chegou o sábado de manhã. Acordei com mais uma dose de remédios, curativos e pomadas, mas para a minha surpresa a quantidade já era bem menor. Eu ainda sentia alguma dificuldade para me levantar ou fazer qualquer tipo de esforço abdominal, porém nada comparado com a dor de ontem.

Tomei um banho e dessa vez sem surpresas. Vesti uma das muitas roupas confortáveis que eu tinha e fiquei na sala assistindo televisão com Aomine. Pra ser mais específica, ele estava sentado do meu lado e com o braço ao redor do meu ombro, pousando-o levemente no encosto do sofá.

Tive a sensação que depois de ontem eu fiquei bem mais receptiva a ele. Nossa relação estava voltando a ser como era antes, próxima e descontraída, mas tudo à sua velocidade. Os pensamentos ruins já não passavam em minha cabeça com frequência, era como se a presença de Daiki ali os repelisse e me protegesse.

De repente deixei meu corpo menos tenso, relaxando cada músculo. Como resultado, acabei por encostar minha cabeça em seu ombro, deixando-o extremamente surpreso, positivamente.

Antes de qualquer reação a campainha tocou e, por mais que se demorou um pouco para levantar de onde estava, Aomine a atendeu. Seu rosto franziu um pouco ao ver quem havia chegado, recepcionando a visita a contra gosto.

– Midorima? O que faz aqui?

Exatamente, o que ele estava fazendo ali? Rapidamente me endireitei o máximo que pude no sofá, ignorando a reclamação do meu abdômen em recuperação. Notei que o recepcionista ficou tenso tentando cercar o recém-chegado, mas não sabia ao certo como fazê-lo sem levantar suspeitas, afinal de contas aquela era a minha casa.

– Ina está? – o esverdeado ignorou completamente o fato de Aomine ter atendido a porta e começou a me procurar em suas costas.

– Está sim, mas... – ele se virou procurando meu olhar e, assim que assenti, voltou-se para a visita – Tudo bem pode entrar.

Midorima retirou os sapatos e acenou brevemente para o azulado que revirou os olhos nada sutilmente. Assim que me Midorima me observou, tentou ser o mais discreto possível, mas reparei que ele já havia notado meu estado um pouco debilitado pelo simples fato da minha feição estar mudada.

– Desculpe a intromissão. Eu incomodo? – perguntou, parando a poucos metros de mim.

– De maneira nenhuma, sente-se. – apontei para o sofá a minha frente, me endireitando aos poucos para sentar ereta – A que devo sua visita?

– Gostaria de falar em particular com você, Ina. – disse olhando de canto para Aomine que nos encarava descaradamente e já abria a boca para retrucar

– Por que não tira um cochilo no quarto? Você já fez muito hoje, Daiki. – respondi rápido com um sorrisinho, aproveitando ele estava muito obediente nos últimos dias.

– Precisando é só chamar – falou preguiçosamente depois de bagunçar meus cabelos de leve e lançar um último olhar mortífero para Midorima, fechando a porta do quarto atrás de si.

– Posso te oferecer algo para tomar? – perguntei, mas logo recebi uma negação com a cabeça – Tudo bem, vamos ao que interessa então.

– Pois bem. É de meu conhecimento sua habilidade no basquete, mas fiquei surpreso ao descobrir que ela não se limita ao esporte. – disse cordialmente, medindo as palavras enquanto ajeitava seu par de óculos.

– Eu agradeço, mas duvido que tenha vindo até aqui só pra me elogiar – respondi com um meio sorriso, ele esboçou um igualmente.

– Você é muito boa de ouvido, e tem sensibilidade assim com notas musicais, estou certo? – perguntou deixando um pouco da seriedade de lado ao se tratar de um assunto tão pessoal.

– Na verdade sim, por quê? – fiquei curiosa, ainda mais com o que veio a seguir.

– Eu preciso fazer um pedido um tanto quanto urgente. Minha irmã mais nova faz aniversário no final de semana e eu gostaria de dar uma música de presente.

Peraí. O cara vem até minha casa num sábado de manhã e pede pra conversar comigo a sós pra me falar de algo que não seja basquete? Isso era no mínimo interessante, considerando que as circunstancias pela qual nós geralmente nos encontrarmos estavam diretamente relacionadas com uma quadra.

– Uma... Música? – perguntei ainda imersa em pensamentos

– Sim. Ela tem uma voz admirável e tem paixão por cantar. Vez ou outra eu toco alguma música que ela gosta, mas tem uma em especial que nunca consegui acertar. Por mais que eu tente, não consigo tocá-la direito, as notas não estão perfeitas e gostaria que estivessem para poder presenteá-la devidamente.

– Com isso você quer que eu te ajude a dominar as partituras? Você e sua irmã... São próximos, então? – perguntando, atenta a reação que ele esboçaria.

– Consideravelmente. Isso seria muito especial pra ela, tenho certeza. – ele respondeu calmamente e sem desviar o olhar de mim, dando a certeza de que falava a verdade.

– Entendo... – comecei a matutar por alguns segundos, mas logo respondi – Sendo assim, ficarei feliz em ajudar.

E realmente estava. Meu mundo se concentrava no basquete e nos últimos dias não estava em condições para praticá-lo. Desse modo a música era um refúgio no mínimo agradável, e poder me envolver de forma intensa com ela era o melhor passatempo.

Entretanto, por mais que eu escondesse meu machucado no pescoço com um cachecol ou uma gola alta, minha garganta não tinha se recuperado totalmente. Eu ainda tinha traços de rouquidão, o que combinava com o falso sintoma de gripe que eu tinha comunicado aos outros, disfarçando os reais acontecimentos.

No dia a dia normal eu não conseguia cantar e não tinha um violão em mãos, ou seja, nada de música. Além do mais, desde quando Midorima tinha esse lado carinhoso? E, o principal, desde quando ele tinha uma irmã? Eu precisava verificar isso mais de perto.

Pelo visto eu não era a única intrigada ali porque ele ficou visivelmente surpreso ao me ouvir aceitar seu convite tão prontamente, começando a me fitar mais detalhadamente. Eu não conseguia acompanhar a velocidade que ele me analisava e isso me incomodava um pouco.

– Você teria disponibilidade para amanhã? – ele indagou, ajeitando os óculos – Não se preocupe com o transporte.

A última parte ele disse um pouco mais baixo que o resto, desviando o olhar. Fiquei extremamente desconfiada dos limites de inteligência e percepção do rapaz em minha frente e fiz questão de desconversar para demonstrar que aquele assunto não era permitido.

– Vai fazer o Takao me carregar, é? – brinquei, arrancando um mínimo sorriso de seu rosto.

– Temos um taxista de confiança na família, ele será responsável por sua locomoção.

– Desculpa, eu não me sentiria confortável se não pagasse eu mesma. – comentei, negando com a cabeça.

– Eu insisto. Você me fará um favor, nada mais justo que eu me responsabilize por sua condução até minha casa.

Ponderei, tentando adentrar naqueles olhos misteriosos escondidos pelas lentes que vez ou outra refletiam a luminosidade do ambiente, atrapalhando o contato visual. Não era justo que eu recusasse seu convite só pelo que aconteceu comigo recentemente. Eu precisava recomeçar a ser eu mesma e essa era uma boa oportunidade.

– Tudo bem, está feito então. Devo aguardá-lo que horas?

– Bom... No período da tarde, imagino que perto das duas horas, pode ser? – eu assenti e, assim que o fiz o esverdeado se levantou indicando sua saída.

– Vou acompanha-lo até a porta... – falei, levantando-me com pouca dificuldade.

– Não há necessidade. – o esverdeado falou, se colocando em minha frente antes mesmo que eu pudesse dar um passo – Obrigado por me receber, Ina.

Eu assenti e observei enquanto ele se retirava, fazendo uma breve reverência para mim antes de atravessar o portal. Assim que a porta bateu, Aomine apareceu prontamente.

– Já? E o que ele queria? – perguntou objetivamente, caminhando até a porta para trancá-la.

Contei tudo para o moreno, que eu sinceramente esperava que estivesse prestando atenção, porque eu mencionei até minha suspeita de que ele já tinha alguma informação sobre meu estado atual. Durante meu discurso, Daiki se manteve quieto e imerso em pensamentos.

– E então, o que acha? – questionei, quebrando seu silêncio particular.

– Então... – seu tom era calmo, sereno, mas logo se alterou para a voz debochada como de costume – Ele tem uma irmã? – ele finalmente disse, me fazendo revirar os olhos.

– Se soubesse antes com certeza já teria dado uns pegas nela, né? – dei um soco em seu braço e ele apenas riu.

– Você que tá dizendo, eu só fiz um comentário.

– Sei – rebati, arqueando uma das sobrancelhas e o fazendo rir mais ainda.

Querendo ou não, Aomine ainda era meu amigo o que me deixava extremamente à vontade para falar com ele desse jeito. Parecia que após a visita inesperada, uma pequena faísca da antiga Ina reascendeu com uma maior intensidade, trazendo de volta antigos hábitos.

Antes que aprofundássemos a conversa, a campainha tocou. Rapidamente o moreno se colocou diante da porta novamente e observou através do olho mágico.

– Não tem pão velho! – ele esbravejou

– Abre logo, criatura – a voz de Kagami soava impaciente e sonolenta do outro lado.

– Qual a senha? – ele continuou a brincar, me fazendo gargalhar.

– “Eu vou quebrar a sua cara se não abrir essa joça agora”, que tal?

– Muito esquentadinho, eu hein – respondeu, abrindo a porta em questão e dando seu tradicional sorriso de canto para o ruivo

– Depois eu me resolvo com você e suas gracinhas – ele o fuzilou, fazendo o moreno correr de volta para o sofá e atrair a atenção do outro para a minha presença – Uau, a bela adormecida finalmente disposta!

– São seus olhos, muito generosos como sempre – disse, recebendo um beijo no topo da cabeça.

– Posso jurar que vi Midorima virando a esquina da sua casa com um sorrisinho no rosto... – ele comentou, deixando suas coisas pela casa.

– Mais um admirador, quem sabe? – brinquei, fazendo os dois me olharem pasmos.

– M-Mais... Um? – perguntaram e uníssono, me fazendo gargalhar.

– Eu vou até a casa dele amanhã – respondi indiferente

– Para...? – ele continuou

– Ajudar numa música. – completei

– Até que faz sentido, ouvi falar que ele toca piano mesmo. – ele deu de ombros

– Ele toca? Mesmo eu tenho que admitir que ele faz muito mais do que apenas tocar piano. Até o Akashi o elogiou uma vez.

Realmente, se o ruivo baixinho esquisito disse que ele fazia isso bem, deveria ser verdade. Percebi que mesmo após esclarecer o ocorrido Kagami ainda tinha uma feição preocupada, mas antes que eu pudesse perguntar algo ele se pronunciou.

– Ina, sem querer mudar de assunto, mas já mudando, nossos jogos estão se aproximando e a treinadora vai pegar pesado com a gente. Você já vai à escola na segunda?

– Eu pretendo, por quê?

– É melhor estar preparada para treinar então.

Nada além da verdade. Eu até já havia recebido algumas mensagem da Riko querendo vir até aqui para estudarmos táticas juntas, mas enrolei-a com a tal da gripe forte, alegando que seria melhor se apenas uma de nós estivesse doente por vez.

Aproveitando a deixa, o moreno se despediu e voltou para a sua casa pra dar sinal de vida aos pais, já que fazia bastante tempo que não passava por lá. Kagami e eu passamos o dia conversando, assistindo televisão e elaborando jogadas novas, ele parecia bem empolgado pra me mostrar umas que ele já havia criado.

De certo modo fiquei feliz que o ruivo só ficou comigo hoje, não sei se ele seria capaz de suportar a minha feição esquisita de antes. Mais uma vez Daiki havia quebrado um galho enorme para nós, além de ser praticamente o responsável por me trazer de volta ao mundo real e parar de ficar estranhando as pessoas.

A noite foi tranquila, obriguei o ruivo a dormir na mesma cama que eu para não prejudicar tanto seu físico. Se ele aparecesse no treino com dor nas costas por minha causa eu estava ferrada.

No dia seguinte, Aomine voltou ali pra casa algumas horas depois de acordarmos, o que me deixou bastante surpresa pelo horário. Assim que a campainha tocou, Taiga o recebeu com bastante deboche, me fazendo gargalhar.

– Chegou cedo. – comentou, abrindo a porta para o moreno.

– Eu estava à toa em casa. – ele falou indiferente, entrando sem cerimônias.

– Às dez horas da manhã? Achei que você acordava tarde... – o ruivo continuou, deixando o recém-chegado levemente irritado.

– Tá bom, já deu o troco por ontem. Satisfeito? – Daiki o fuzilou, estreitando os olhos.

Kagami saiu de cena, deixando as mãos à mostra em sinal de rendição e se dirigindo para a cozinha para preparar nosso almoço.

– Realmente, não esperava que viesse tão rápido, Daiki.

– E como você passou a noite sem mim? – ele disse rapidamente, mas visivelmente sem graça com o rumo que sua fala ambígua havia tomado – Quero dizer, esse jumento deu conta de fazer tudo?

– Me engana que eu gosto – o ruivo exclamou da cozinha, e os dois começaram a bater boca sobre assuntos bobos no mínimo nostálgicos, já que fizeram algo semelhante no primeiro dia que nos conhecemos.

Passamos o dia com várias distrações. Vimos filmes, séries e conversamos no restante do tempo. Taiga até cozinhou para nós, o que foi um alívio para meu estômago carente da comida divina que esse garoto conseguia preparar. Quando menos esperávamos, já estava no horário do meu passeio diferente programado para hoje.

Pontualmente o taxi chegou. Me despedi dos meninos deixando uma chave reserva com eles e em troca recebi olhares curiosos ansiando pelo que aconteceria naquela tarde. No fundo ambos sabiam que isso seria bom pra mim, ainda mais que já havia me recuperado bastante e estava de molho em casa desde sexta-feira.

Fiz sinal para o carro em questão, me identificando e prontamente entrando no banco de trás. Durante o processo notei que o motorista me observava de esguelha, tentando disfarçar sua curiosidade perante a mim. Pelo visto era a primeira vez que era requisitado pra buscar uma menina para o Midorima, ainda mais do meu tamanho.

– Senhorita Watanabe, correto? – assenti e ele continuou – O caminho não é longo, devemos chegar à residência Midorima em 10 minutos.

Agradeci e aproveitei o passeio. Fiquei aliviada que não era uma limusine ou coisa do tipo, mas dava pra perceber que não era um taxi qualquer. Era tipo um daqueles caras de confiança de famílias tradicionais e tal.

Entramos em um condomínio fechado e ele se identificou para o porteiro que abriu um grande portão para que entrássemos. As casas ali eram de um padrão bem alto, com design impecável. Paramos em frente a uma branca, com um belo jardim, janelas grandes e uma porta imensa ao canto.

Desci e toquei a campainha, sendo logo atendida por uma funcionária que pediu para eu entrar e aguardar na sala ao final do corredor. Abri a porta e o fiz, avistando ao final da longa passagem uma sala para visitas. No caminho, várias portas indicavam outros cômodos e uma delas estava aberta. Quando passei por ela, uma voz dirigiu-se a mim.

– Olá, seja bem vinda! – uma mulher de uns 45 anos disse.

Ela estava em um escritório, ocupando o lugar a frente do computador. Seus olhos verdes atrás dos óculos contrastavam com seu cabelo castanho claro. Um sorriso meigo se apossou de seu rosto, formando algumas rugas acompanhando os lábios.

– Boa tarde! – fiz uma reverência desajeitada, sem entrar na sala – Me chamo Watanabe Ina, é um prazer conhece-la.

– Querida, não precisa disso tudo! – ela fez um abanou as mãos, sorrindo – Sou a mãe do Shintarou e não se preocupe, ele é o mais sério dessa casa! Bom, fique a vontade, ele só foi tomar um banho e já vai te receber!

Assenti um pouco encabulada e continuei meu caminho para a tal sala. Quando sentei, notei várias fotos de família espalhadas pelo cômodo. Numa delas a família Midorima estava reunida em frente a uma paisagem linda. A mãe dele era abraçada por um homem alto, de cabelos verdes escuros e olhos pretos. Ao lado dele uma jovem com os cabelos da mãe e os olhos do pai sorria amplamente, e no lado oposto estava ele, com seu olhar sério de sempre, mas um pequeno sorriso se formava em seus lábios.

– Isso foi ano passado, visitamos uma cidade litorânea não muito distante de Londres.

Midorima apareceu com os cabelos levemente molhados e uma roupa casual, para os seus padrões, é claro. Ele fez sinal para que o seguisse, subindo as escadas para uma sala não muito grande com um piano e alguns sofás centrados em uma mesa baixa.

– N-Nossa... – sussurrei para mim mesma com a magnificência de cada detalhe de tudo que eu havia notado até agora naquele lugar.

Quando voltei meu olhar ao esverdeado do meu lado, percebi que ele me observava justamente no local que eu havia reforçado a maquiagem, o meu supercílio. Ao reparar que eu o fitava ele disfarçou, apontando para o local que ficaríamos sentados.

– Podemos?

– Claro. – respondi, já garantindo meu assento.

– Acho que a melhor maneira de começarmos é com uma demonstração do que eu tenho treinado, não?

Assenti e assim começamos. Várias pastas de partituras estavam espalhadas na mesa ao lado do instrumento, mostrando a dedicação que ele teve nos últimos dias. Sem mais delongas, ele apresentou a música Your Song diversas vezes até eu me acostumar com a melodia.

– Aqui – abri os olhos, o fazendo parar imediatamente após muitas notas – É aqui que está o seu erro.

– Como eu arrumo? – perguntou franzindo a testa

– Não é tão simples assim, Midorima – ri fracamente – Deixe-me fazer uma pergunta um tanto quanto pessoal... – abaixei um pouco a cabeça, desviando de seu olhar sério – Quantas vezes você já cantou enquanto toca?

Pelo visto, o resultado foi o esperado mesmo. Ele ficou balbuciando qualquer coisa, visivelmente desconfortável com a intimidade repentina.

– Qual a relevância disso?

– Desculpa, deixa eu exemplificar – saquei meu celular do bolso e fui direto pro youtube, procurando por “Arlindo Cruz” – Já ouviu falar de ‘samba’?

– Apenas o lado histórico do estilo musical – respondeu, ainda um pouco em dúvida

– Pois bem. O samba tem uma das coisas mais fantásticas da música em si. Ele é capaz de juntar diversos tempos, instrumentos e melodias para formar um único ritmo, por isso ele é a cara do Brasil – apertei o play da música e continuei falando enquanto o vídeo estava em seus momentos iniciais – Tente focar nesse primeiro instrumento da música e repare como ele se mistura em meio a tantos outros, incluindo a voz do cantor.

– Tudo bem – ele assentiu confiante, até eu cortar o seu barato.

– Com licença – disse indo devagar em direção ao seu rosto e retirando seus óculos, sem ser impedida pelo esverdeado – preste atenção no som, esqueça os outros sentidos.

Ele nada disse, apenas assentiu. Logo mais ele fechou os olhos, me dando a oportunidade de fita-lo sem pudor.

Suas linhas de expressão estavam rígidas, mas não tensas. Notei que a franja que ele usava era milimetricamente simétrica, similar à situação de suas unhas. Ele devia ter TOC ou algo do tipo... Passado alguns minutos a música chegava ao final, interrompendo meus pensamentos.

Recoloquei seus óculos com cuidado, despertando-o dos acordes finais. Assim que seus olhos focaram em mim, percebi um brilho diferente neles, como se as coisas finalmente fizessem sentido pra ele.

– Eu nunca tinha pensado em algo assim

– Bom, conseguiu se guiar pelo ritmo base? – questionei

– Creio que sim, mas ainda não sei como isso vai me ajudar com essa outra música que vou presentear – rebateu, sem entender completamente.

– A moral da história é a seguinte: se você conseguir manter o ritmo base aqui – apontei para sua testa – Vai conseguir ter a música toda sob seu controle, independente das variações ao longo dela. Sendo assim, aconteça o que acontecer, você vai ser capaz de seguir o fluxo musical aqui – indiquei seus dedos – E até mesmo acompanhar por aqui – apontei para seus lábios.

– Isso... – ele fitava as teclas do piano enquanto as engrenagens de sua cabeça moviam-se a todo vapor – Faz sentido.

– Por isso eu perguntei se cantava. Quando você consegue cantar junto, geralmente adapta a canção para seu tom, tendo que fazer o mesmo com as notas do piano. Mas se você tem o ritmo base guardado, pode alterar tudo o quanto quiser que vai sempre mantê-lo como princípio, mesmo que inconscientemente.

– Essa música e sua técnica no basquete... Está tudo interligado de alguma forma, não? – me fitou imediatamente, começando a desvendar o mistério – Como?

– Sim, mas não posso revelar mais informações sigilosas para um possível adversário – ri, desconversando

– Tem minha palavra de que não usarei isso nas quadras.

– Assim seja. – assenti, surpresa com a seriedade que ele passava junto com a confiança que transmitia

Mas por que eu confiava nele? Sinceramente, ele não tinha obrigação nenhuma em manter isso em segredo, mas por alguma razão eu sabia que ele estava falando a verdade. Tinha alguma coisa a ver com aqueles olhos frios, certeza.

Ficamos ali naquela sala por um bom tempo. Midorima tocava a música repetidamente e eu buscava pelos mínimos erros de ritmo, o auxiliando a resolvê-los. O tempo passou e a cada segundo a melodia ficava mais e mais pregada em meus pensamentos.

– Perfeito. – eu disse, ao final da milésima vez, executada com êxito.

Só então reparei que o esverdeado estava visivelmente cansado. Ele ajeitava os óculos calmamente, esticando os dedos vez ou outra, e colocava seus fios de cabelo no lugar. Eu estava prestes a pedir-lhe um favor, mas deixei pra lá ao reparar em seu estado.

– Pode falar. – falou serenamente, me surpreendendo com sua percepção sobrenatural.

– Eu vi suas partituras enquanto você tocava, tem uma música aqui que eu gosto muito, me perguntei se você poderia...

– Entendi.

Sem mais delongas Midorima pegou a música em questão e começou a tocá-la. Halleluijah foi facilmente reconhecida por mim à medida que os acordes saíam da introdução para a primeira estrofe.

Assim que começou a parte que mais me era familiar, comecei a cantarolar baixinho, num som quase inaudível quando comparado ao do instrumento. Reparei que o pianista me fitava surpreso, e eu corei um pouco com isso.

Entretanto, quando chegou a parte mais aguda da música minha voz falhou. Em tempos normais eu facilmente acertaria aquela nota, no máximo um pouco desafinada. Mas agora, depois do que aconteceu e do golpe que eu levei na garganta, minha voz simplesmente sumia antes de completar o som.

Depois disso, eu parei de cantar. Porém, para minha surpresa, o piano não oscilou em nenhum momento, muito menos cessou.

– Midorima, não precisa continuar eu... – comecei dizendo, recebendo a atenção dele, mas esta se desviou para algum ponto atrás de mim, esboçando um pequeno sorriso.

Fui interrompida por uma voz angelical, que continuou a cantar a música perfeitamente, em todos os aspectos. Respiração, ritmo, tom,... Virei-me a tempo de ver a menina do porta-retratos de antes parada atrás de mim, com uniforme da escola e um sorriso enorme no rosto enquanto soltava a voz. Era simplesmente de tirar o fôlego!

Continuei contemplando a harmonia sonora até as notas finais. A garota então bateu palmas e sorriu abertamente para Midorima.

– Fazia tempo que não tocava essa, irmãozinho! E era sua favorita uns anos atrás, não?

– Não seja má anfitriã, temos visita.

A menina revirou os olhos, voltando-se para mim com um sorriso meigo no rosto.

– Watanabe Ina – me apressei em dizer – Muito prazer.

– Sou Midorima Mari, é um prazer finalmente conhecer uma amiga do Shin! Nós aqui só conhecemos alguns daqueles caras do basquete, mas o que mais veio aqui foi aquele gracinha do Takao.

– Não fale assim dos meus colegas, Mari. – o esverdeado a repreendeu

– Tudo bem, calma – ela abanou as mãos, despreocupadamente com um risinho – Ele não gosta que eu fique paquerando os amigos deles – sussurrou, fazendo seu irmão bufar.

– Se importa de nos deixar a sós novamente? – perguntou, demonstrando uma pitada de impaciência.

– Claro, mas antes – ela foi até ele, depositando um beijo em sua bochecha – Parabéns, tocou muito bem, Shin!

– Obrigada, Mari – ele colocou uma das mãos em seus cabelos castanhos, sorrindo ternamente para a irmã antes de ela se afastar para sair.

Fiquei observando aquela cena. Midorima com Midorima, e os dois esboçando reações de carinho. Quase deu “tilt” em minha cabeça. Depois que sua irmã se retirou, ficamos conversando um pouco sobre músicas e o tempo passou mais rápido do que eu imaginava.

Quando eu menos esperava, uma crise de tosse se instaurou devido ao tanto que eu havia falado em um curto período, forçando minhas cordas vocais que ainda estavam em recuperação. De canto, reparei um olhar extremamente desconfiado do esverdeado enquanto ele se retirava e voltava rapidamente com um copo de água para amenizar minha situação.

– Por acaso Hanamiya te procurou depois daquela hora na festa?

Quase cuspi todo o líquido que eu ingeri com a precisão da associação que ele tinha. Além disso, um arrepio percorreu meu corpo, denunciando meu pequeno segredo. No mesmo momento sua feição começou a escurecer, exigindo mais informações. Como ele fazia isso?

– O que... – comecei tentando desconversar, mas fui interrompida.

– Não me enrole. – ele disse breve e autoritário

– Eu não chamaria aquilo de procurar. – resmunguei, fitando o chão.

– O que ele te fez? – perguntou sério, e pude sentir seu olhar inquisidor ainda sobre mim.

– Digamos que ele e aquele Haizaki não foram muito amigáveis comigo outro dia... – sorri sarcástica, fechando os olhos para tentar apagar as imagens que apareciam sem minha permissão.

– O que aconteceu? – insistiu, fechando a cara.

– Me encurralaram em uma quadra. Tentei me defender, mas eles revidavam três vezes mais. Hanamiya tinha um canivete, faca, ou sei lá o que... – passei o dedo pela cicatriz em minha mão, nem tão apagada assim – Fugi antes de qualquer coisa, além disso, acontecer.

Sua expressão continuava séria, pensativa. Mas como na outra vez, seus olhos transpareciam tudo o que sentia e isso me dava medo, visto que em situações normais eles ficavam sem expressão nenhuma. A fúria era o principal sentimento que eu conseguia observar, algo inédito para eu notar naquele rosto.

– Você vai atrás deles, não vai?

Outra vez ele me pegou de surpresa. Como ele sabia disso? Ele foi o primeiro a descobrir meus planos para quando eu estivesse um pouco melhor. Fuzilei-o com o olhar, repreendendo aquela informação e começando a me irritar com suas atitudes de adivinhação pro meu lado.

– Isso não é da sua conta...

– E Kagami não sabe.

– Nem vai saber.

Fiz questão de encará-lo com meu olhar mais ameaçador possível. Eu não estava brincando, e não deixaria que ele estragasse meus planos que ainda estavam em construção. Era uma decisão minha e ele não tinha nada a ver com ela.

– Eu não posso ignorar essa informação. – ele disse, analisando cada reação que eu tinha.

– Apenas não fale mais sobre isso.

Midorima somente assentiu minimamente, obviamente discordando da minha atitude. Logo em seguida sua mãe apareceu no cômodo, sorrindo ternamente para nós e quebrando o clima tenso que começara a se instaurar.

– Shintarou, sua amiga vai ficar para o jantar? Adoraria que seu pai a conhecesse!

Percebi o desconforto do esverdeado com a situação e ainda reparei que ele não sabia como sair dela sem cortar a onda da senhora empolgadíssima com a possível namoradinha de seu filho. Além do mais, ele devia estar processando o que eu havia acabado de lhe contar, então resolvi intervir.

– Agradeço o convite, senhora Midorima, mas não poderei ficar. – fiz uma leve reverencia de onde estava sentada, recebendo uma careta da mulher em troca.

– Posso falar com seus pais, querida, explicar que você não voltará tarde. – ela continuou, não deixando a oportunidade passar.

– Na verdade eu moro sozinha – sorri, meio sem graça – É que teremos jogos importantes em breve e eu sou uma das responsáveis em treinar o time de basquete, então tenho que fazer o planejamento dos próximos dias.

Aquilo não era uma mentira muito menos uma inverdade. De fato, isso era o que eu deveria fazer, me preparar para os jogos. Claro que adicionalmente iria observar melhor meus ferimentos, testar minha capacidade física e outras coisas a mais para não dar fora amanhã, mas isso não era a questão agora.

– A mocinha joga basquete também? Eu não fazia ideia! E você deve ser muito boa para o Shintarou te trazer até aqui, ele é bem seleto nessas coisas. Acredita que ele nunca trouxe uma namorada aqui em casa?

– Mãe, eu nunca tive uma namorada para apresentar. – ele comentou, com a voz indiferente.

– Com sorte isso vai mudar logo, não é, querida? – ela me dirigiu o olhar sugestivo, mas riu assim que percebeu como eu fiquei vermelha – Tudo bem, não vou ficar insistindo! Mas colocarei seu prato à mesa, ok?

Dito isso ela saiu, deixando dois jovens extremamente encabulados e lotados de informação. Eu não sabia nem por onde começar a falar novamente, ainda era muito para eu processar de uma vez só.

– Apenas ignore o que minha mãe disse sobre nós. De toda forma, me desculpe pelo interrogatório de antes, seria ótimo se jantasse conosco hoje. – disse, me fitando calmamente.

Resolvi ignorar nosso mal entendido e ficar para o tal do jantar, fazendo a mãe de Midorima praticamente pular de alegria. Ela ainda disse que me dirigiria pessoalmente até em casa depois já que seria tarde demais para utilizar o transporte público por muito tempo, considerando que a distância era longa demais para ser cumprida a pé.

Não demorou muito para que o senhor Midorima chegasse em casa. Assim que o fez, sua esposa o recepcionou com um beijo e tratou de me apresentar para ele. Mesmo com a expressão mais séria, ele não chegava aos pés de seu filho mais velho, demonstrando tanta animação por eu estar ali quanto às outras duas.

Nos sentamos à mesa e fui estrategicamente colocada ao centro, onde todos pudessem me observar vez ou outra. Me senti um porco assado pra falar a verdade, só faltava a maça na boca.

– Você mencionou que mora por conta. E quanto à sua família, querida? – a senhora perguntou, tentando ao máximo ser delicada, mas não contendo sua curiosidade, o que foi visivelmente reprimido pelo filho.

– Fui criada no Brasil com meus avós, mas aqui no Japão moro sozinha – respondi, simplificando a questão sem dar mais explicações

– Quem diria, justo o Brasil! Estávamos planejando ir pra lá em viagens futuras, o que você recomendaria para nosso roteiro turístico? – o homem mudou rapidamente o assunto, antes que sua esposa aparecesse com mais alguma pergunta indiscreta.

E assim o jantar fluiu tranquilamente, ao contrário do que eu esperava. Conversamos sobre cidades brasileiras, ensinei alguns costumes de lá e ouvi varias historias do pai do Midorima, contando sobre suas viagens a trabalho, quando levava ajuda médica para refugiados.

Ele era um doutor renomado, assim como a esposa, mas ela trabalhava de casa em pesquisas enquanto ele gostava mais de estar pessoalmente atendendo e aplicando o conhecimento que possuía. Ao que tudo indicava, eles almejavam esse futuro para seus filhos, mas somente o mais velho tinha interesse na área, a mais nova tinha ambição de entrar para o mundo da música profissional.

Depois de compartilhar o motivo de tal escolha de profissão, Mari questionou sobre como nos conhecemos já que não estudávamos juntos. Obviamente ela havia puxado o lado curioso da mãe, fazendo com que seu irmão a fuzilasse por detrás dos óculos após explicar a minha procedência escolar.

Para desconversar após minha falta de palavras, ela comentou que faria um recital no fim do ano e que eu estava convidada para assisti-la. A jovem pretendia ganhar bolsa na Shutoku e a instituição estava disposta a oferecê-la se Mari fizesse parte do coral da escola, participando de competições e tudo mais. Com isso, haveria uma grande apresentação de várias modalidades, como um show de talentos, onde uma comissão avaliaria os mais aptos para entrarem na escola.

Como não tive muita escolha apenas agradeci e assenti, e assim foi o resto da noite. Por fim, a dona da casa concordou em me levar até em casa logo após terminarmos a janta, tendo os dois filhos como acompanhantes. O trajeto foi calmo, algumas conversas paralelas mas nada que me exigisse muita atenção

– É aqui, onde as luzes externas estão apagadas. – apontei, reconhecendo minha residência depois de alguns minutos dirigindo pelas ruas.

– Que gracinha! Vejo que tem bom gosto. – a irmã dele comentou com a mãe concordando.

No mesmo instante Midorima desceu do carro e abriu a porta pra mim, sem me dirigir um olhar diretamente. Como os três estavam ali só pra me entregar, resolvi ser breve com a despedida.

– Obrigada pela noite... Shintarou. – corei vendo que essa era minha única alternativa para me dirigir ao esverdeado em um veículo com outros membros de sua família.

– Foi bem agradável, Ina, obrigado. – ele acenou, em seguida reentrando no carro.

– Agradeço também pela hospitalidade Mari. Além da carona, é claro, senhora Midorima.

– Imagina, querida, adoramos te receber. E apareça mais vezes! – respondeu

– Com certeza, e não se esqueça do recital! – a mais nova completou

– Obrigada, não esquecerei. – fiz uma leve reverencia para elas, acenando e dando as costas para o carro que logo começou a movimentar-se.

Até que foi um programa bem diferente, o suficiente pra me tirar da angústia dos meus próprios pensamentos. Na verdade, todo aquele treino musical chegou a me animar, fazendo com que eu lembrasse que Seirin me esperava no dia seguinte.

Abri a porta de casa e acendi as luzes. Suspirei demoradamente, pois tinha sido um longo dia e eu ainda tinha muitas coisas a fazer para amanhã. Enquanto andava pelo cômodo principal outros pensamentos me tomaram a mente e, sem querer, deixei escapar um sorriso.

Tudo o que a vista alcançava estava impecável. Fui andando em direção à cozinha e a observei mais arrumada do que quando eu havia chegado do Brasil, assim como os demais lugares. De relance notei um pequeno papel na porta da geladeira e, quando peguei para observar de perto, reconheci o garrancho da letra do Aomine.

“Espero que esteja tudo em ordem, desculpa qualquer coisa. Se precisar de algo sabe como me achar, estou aqui para o que precisar”

Um simples bilhete fez com que um clique se fizesse em minha cabeça.

Era isso. Hoje eu consegui ajudar Midorima num simples gesto e era isso que estava faltando com Daiki. De agora em diante eu seria útil no que conseguisse para retribuir o que aquele cara estava fazendo por mim, o que ele sempre fez desde o dia que nos conhecemos. Por mais hostil que fosse a situação, ele me tratava com extremo carinho e cuidado, algo que eu já não me imaginava sem.

Finalmente eu reconheci o que me deixou em êxtase tão rapidamente ao entrar. A casa inteira estava impregnada com o perfume de Aomine Daiki, e em tudo o que eu tocava o aroma se acentuava, preenchendo não só meu olfato como todo o espaço oscilante de meus pensamentos.

Sorri enquanto assimilava tudo aquilo. Todos os sinais me levavam a apenas uma coisa, algo que eu não conseguia desvendar em mim mesma e muito menos nos outros. Uma coisa inédita que eu não sabia ao certo o que fazer para desvendá-la.

Eu realmente gostava de alguém, pela primeira vez na vida. E justo daquele garanhão.


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Notas finais do capítulo

Não tem jeito, por mais que o capítulo seja focado em outra pessoa esse maldito sempre volta no coraçãozinho dela...

https://youtu.be/JRJj4z-prvM

Primeira música nacional tinha que ser do Charlie Brown Jr. ^^



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