Após uma manhã agitada de desconcordâncias, a dupla finalmente chegou a um acordo com a tenente, esta que, enfim, os deixou partir. Sob as instruções de Oliver, pegaram um carro alto, com rodas grandes e largas, e seguiram viagem.

Não nevava naquela manhã, porém, o céu estava escuro, e ventava forte. O carro seguia em velocidade moderada nas ruas vazias, e vez ou outra, as rodas do carro derrapavam na camada espessa de neve. 

O silêncio reinava. Lizzie, que estava atrás do volante, mantinha sua atenção na estrada, Nick rabiscava algo em um caderno, ocupando o banco do passageiro, e Lilian estava sentada no banco de trás, observando a cidade deserta através do vidro fechado, levemente embaçado.

— Vontade de comer chocolate... - a ruiva comentou com voz baixa.

— Chocolate? - Nick indagou, cessando os rabiscos e levantando o olhar para fitá-la.

— Sim, chocolate... - ela repetiu, sem tirar a atenção do que fazia. - Provavelmente não tem em casa... Mas deve ter alguma loja que ainda tenha, se eu procurar, quem sabe eu encontro? E teremos que parar logo também, a gasolina tá acabando. 

— Se ainda tiver gasolina por aqui... - o rapaz acrescentou. 

Lizzie assentiu solenemente. Rodaram um pouco mais, desviando do caminho que teriam que seguir. O fato é que a ruiva não se lembrava da localização dos postos de gasolina. Estava perto de desistir, já irritada com a luz laranja piscando no painel, quando finalmente viram-se na frente de um posto. A ruiva suspirou aliviada e estacionou ao lado de uma das bombas, desligando o carro e descendo.

Alongou o corpo, que começava a doer após tanto tempo sentada. Virou-se, observando Nick checar as bombas, depois pegou a arma no banco do motorista, escondendo-a sob a jaqueta. Indagou se a irmã não gostaria de sair e esticar as pernas, depois se voltou para Nick.

— Você abastece? - a ruiva indagou.

— Claro, se eu achar gasolina... - o rapaz respondeu, balançando os ombros.

Lizzie jogou as chaves do carro para o rapaz e seguiu andando na direção da loja que tinha no perímetro do posto, seguida por Lilian. Pediu que a irmã fizesse silêncio, depois tentou ver algo através do vidro empoeirado. O interior estava bastante escuro, dificultando a visão da garota.

Abriu a porta com cuidado, evitando que o sino preso à porta fizesse barulho. Observou melhor o local, notando a grande quantidade de sangue coagulado no chão, além das prateleiras reviradas, tombadas e algumas quebradas, contudo, isso já lhe era banal. Abriu um pouco mais a porta, passando o corpo para dentro. Lilian observava tudo em silêncio, parecendo um pouco admirada com a situação em que a loja se encontrava.

Enquanto procuravam pelas barras de chocolate, sentiram o forte odor de algo se decompondo, vindo dos fundos da loja. Lizzie não se incomodou, apenas cobriu o rosto com o cachecol que usava, mexendo atrás do balcão, onde encontrou um taco de baseball em perfeito estado. Lilian, por sua vez, mostrou-se bastante inquieta:

— Não acha melhor conferir? - indagou em tom baixo, porém audível, enquanto observava a ruiva ler algumas embalagens e guardar os doces nos bolsos em seguida.

Lizzie levantou o olhar, fitando o semblante desconfortável da irmã.

— Não acho que seja necessário... Mas, se você prefere assim... - a ruiva respondeu, balançando os ombros.

Segurando o taco de baseball com firmeza, a garota seguiu andando na direção da porta dos fundos, onde havia marcas de sangue e arranhões. Parou ao lado da porta fechada, tentando escutar algo do outro lado. Nenhum ruído ecoou dentro do armazém. Desconfiada, entregou o bastão para a irmã, sacando sua arma outra vez. Sugeriu que a morena se afastasse, depois abriu a porta com um tranco, com os dedos no gatilho.

No pequeno armazém, algumas das prateleiras estavam caídas e sujas com sangue, além de embalagens vazias e cápsulas vazias de balas de algum calibre maior que o de uma pistola. No canto havia um corpo caído, em um estado avançado de decomposição. A ruiva voltou o olhar para Lilian, observando-a fitar o corpo enquanto tapava o nariz, depois voltou o olhar para o armazém, notando uma pistola prateada nas mãos do falecido. Sem pestanejar, impulsionou-se para frente, arrancando a pistola das mãos fechadas, com um movimento rápido.

— Que desrespeito com o falecido! - a morena reclamou.

— Eu não acho que ele vai precisar disso agora... - Lizzie rebateu, fechando a porta outra vez e checando a munição da arma, notando que só faltava uma bala no cartucho.

Lilian ficou em silêncio, ponderando por alguns instantes, enquanto observava a irmã checar a arma.

— O que você acha que aconteceu...? Digo, nós encontramos só um corpo, e a loja nesse estado...

— O cara se suicidou. - respondeu sem pensar muito, travando a nova arma e pondo no bolso de trás de sua calça. - Provavelmente ele fazia parte de um grupo, que eventualmente foi atacado, e ele foi o único sobrevivente... O que ele fez com os corpos, eu não sei, mas depois disso ele não conseguiu conviver com a culpa e pôs um fim na própria vida. Vamos voltar, o Nick já deve ter terminado.

Lilian assentiu, depois seguiu a irmã para fora do estabelecimento. Voltaram para perto de Nick, que observava ao redor enquanto as gêmeas não voltavam.

— Conseguiu? - Lizzie indagou, tirando o rapaz de seu transe.

— Consegui, e enchi alguns galões pra viagem também... - ele respondeu. - Acharam algo interessante?

— Se com "interessante" puder considerar uma pistola nova e um taco de baseball, sim, achamos. - rebateu com um sorriso, tomando seu lugar no banco do motorista.

— Pura sorte! - Nick comentou em um tom divertido, voltando ao seu banco.

Após todos se arrumarem no carro, Lizzie deu partida novamente. Passaram mais alguns minutos, até encontraram a trilha de terra que levava à casa da ruiva. Alguns metros antes de alcançarem a entrada, o som de latas de metal chocando-se umas contra as outras ecoou entre as árvores, como um alerta, e um tiro de rifle cortou o ar, atingindo o capô do carro, obrigando-os a parar.

— Parados! - a voz de um rapaz ecoou, vindo da direção da casa. - Qualquer movimento brusco e eu metralho o carro! Desçam com as mãos levantadas aonde eu possa ver, e não tentem nada!

Nick e Lizzie trocaram um olhar de pura desconfiança, depois voltaram o olhar para a casa, tentando distinguir de onde tinha vindo a voz, mas, por algum motivo, as janelas estavam tapadas com tábuas de madeira, e a entrada tinha estacas de madeira, dificultando a aproximação de qualquer um. A ruiva pediu pra irmã ficar no carro e desceu com as mãos levantadas, ainda procurando com o olhar algum rosto entre as tábuas.

— Lizzie?! - a voz ecoou outra vez.

— Não, não! - rebateu em seu melhor tom sarcástico, reconhecendo a voz que a abordou. - Óbvio que sou eu, pivete!

O silêncio reinou por um tempo. Lizzie escondeu as mãos nos bolsos e lançou um olhar divertido para Nick, que saiu do carro em seguida. A porta da sala se abriu, permitindo a passagem de um vulto preto e branco, que correu na direção da ruiva com agilidade, saltando para o seu colo. Lizzie abraçou a collie, enquanto era recebida com lambidas e um inquietante abanar de cauda.

— Chega! Chega! - disse para Aika, entre risos, enquanto acariciava sua pelagem macia, ao mesmo tempo em que tentava desvencilhar-se das lambidas.

Nick riu enquanto assistia a cena, depois observou Ellie sair da casa em seguida, passando com facilidade entre as estacas, seguida por Íris. A loira correu na direção do rapaz, lhe dando um abraço apertado.

— Achei que vocês tinham se matado no meio do caminho...! - Íris comentou, indo na direção de Lizzie, exibindo um sorriso. Após colocar Aika no chão, deu um abraço apertado na amiga, quase sendo esmagada de volta.

Afastaram-se, sorrindo e avaliando uma a outra, depois Íris foi cumprimentar Nick, enquanto Ellie aproximava-se da ruiva, abraçando-a apertado, notando a presença da outra garota no carro. A loira apontou com sua pequena mão, enquanto erguia a cabeça para fitar os olhos da ruiva:

— Quem é ela? - Ellie indagou.

Lizzie voltou o olhar para a irmã e sorriu, fazendo um sinal para a morena descer. Com certa timidez, Lilian desceu do carro, chamando a atenção para si.

— Essa é a minha irmã gêmea, Lilian. - a ruiva respondeu para a menor.

— O quê?! - Íris indagou surpresa, arregalando os olhos e se aproximando, visivelmente incrédula. - Desde quando você tem uma irmã gêmea?!

— Sei lá... Tipo, desde que eu nasci? - respondeu com ironia, revirou os olhos e voltou a fitar a amiga com um sorriso de canto.

— Ah, idiota! Já vai começar com as piadinhas? - Íris rebateu aos risos, dando um tapa no braço da outra. - Você não me disse que tinha uma irmã gêmea.

Lizzie apenas balançou os ombros, entrando no carro outra vez. Afastaram-se do mesmo, para que a garota pudesse dar partida e estacionar na frente da casa, depois seguiram na direção da mesma.

Um a um entraram na casa, tomando cuidado para não se espetar nas pontas afiadas das estacas, que apontavam em direções aleatórias, fazendo uma espécie de barreira em volta da casa. O interior estava mais escuro que o normal, sendo possível ver apenas alguns feixes de luz por entre as tábuas, contudo, os móveis estavam no mesmo lugar.

— Qual foi o motivo da abordagem? - Nick indagou, observando Íris fechar e trancar a porta.

— Um grupo tentou entrar há alguns dias... Conseguimos detê-los, mas a insegurança ainda rondava a casa. - Íris começou a explicar, depois virou-se para fitar o trio. - Então o Nathan teve a brilhante ideia de cercar a casa com estacas, assim dificulta a entrada dos infectados e dos humanos, além de bloquear as janelas e reforçar as trancas. Depois disso ele juntou um monte de latas com um barbante e colocou entre as árvores, assim, quando alguém se aproxima, funciona como um alarme.

— Interessante... - disse a ruiva.

— Achamos que não fossem voltar, ficamos preocupados... - Íris comentou.

— Tivemos alguns imprevistos... Mas achamos o pai da Lizzie. - Nick explicou.

Íris assentiu, enquanto ponderava.

— Nossa, eu tô cansada! - Lizzie comentou, enquanto esticava o corpo. Depois voltou o olhar para a irmã e sorriu. - Vamos subir.

Lilian concordou com a cabeça e seguiu a irmã para o andar superior. O corredor estava tão escuro quanto o andar inferior, as grandes janelas que se estendiam por quase toda a parede estavam bloqueadas, tendo apenas um espaço para observar o movimento do lado de fora.

Escorado na parede, Nathan espreitava os arredores da casa, tendo um rifle atrás de si, encostado na parede. Snow estava deitado em algumas cobertas no chão, com o corpo esticado preguiçosamente, levantou a cabeça, erguendo as orelhas e rosnou ao notar as gêmeas, chamando a atenção do rapaz. Ele virou-se e sorriu:

— A volta dos que não foram! - ele comentou.

— Vaso ruim não quebra... - Lizzie acrescentou, se aproximando e abraçando-o de forma carinhosa, enquanto bagunçava seus cabelos. - Sentiu minha falta, pivete?

— Por incrível que pareça, senti sim... - Nathan respondeu, exibindo outro sorriso.

Afastaram-se, ainda sustentando um olhar, enquanto a ruiva o media de cima a baixo, apoiando as mãos em seus ombros.

— Você cresceu, pivete. - ela comentou, dando uma leve risada em seguida.

— Se você acha...

Lizzie foi até onde o cão branco estava deitado e agachou, mexendo nas orelhas do cachorro e bagunçando sua pelagem espessa, enquanto Snow abanava a cauda e dava leves mordidas na mão da garota.

— Você também cresceu! - a ruiva comentou, coçando a barriga do cachorro e divertindo-se com o modo que ele balançava a perna traseira, coçando o ar.

*  *  *

O sol começava a se por no horizonte, o vento frio soprava forte, quase fazendo uma tempestade de neve. O grupo dividiu as tarefas da casa entre si, checando se as barragens estavam seguras, além de averiguar se as luzes do interior da casa eram visíveis do lado de fora.

Nick voltava de uma caçada, trazendo consigo quatro coelhos, presos em suas flechas. Antes de entrar, voltou o olhar para os arredores, tentando enxergar alguma silhueta estranha, no meio da neblina e da escuridão das árvores. Sentia a sensação de estar sendo observado, porém, não conseguiu identificar nada. Entrou com cuidado, sendo recebida pela collie, que estava deitada ao lado da porta, atenta aos pequenos ruídos. Colocou os coelhos no balcão de centro da cozinha, tirando as flechas com cuidado.

Tomou rumo ao andar superior, notando que Nathan ainda espreitava na brecha das tábuas. Passou em silêncio e seguiu na direção do quarto de Lizzie, notando que a luz estava acesa. Escorou no batente da porta aberta, observando a ruiva fazer uma trança com os cabelos negros da irmã, enquanto a morena folheava um álbum de fotos.

— Uau! Nem acredito que você guardou essa foto... - Lilian comentou, dando uma leve risada.

— Qual foto? - Lizzie indagou de volta, sem tirar a atenção do que fazia.

— Essa aqui. - a morena levou o álbum para cima do ombro, para que a irmã pudesse ver, e notou o rapaz na porta, o fitando pelo canto dos olhos. Sorriu e o convidou para entrar.

— O que estão fazendo? - Nick indagou, puxando a cadeira da escrivaninha para se sentar, visto que as gêmeas ocupavam todo o espaço da cama.

— Conferindo as relíquias do passado... - Lilian respondeu, com um ar misterioso na voz.

Lizzie riu do comentário e revirou os olhos, amarrando a ponta da trança com um laço azul. Nick arqueou uma sobrancelha, abrindo um sorriso de canto, se interessando no assunto. Lilian virou o álbum para o rapaz, mostrando uma foto em que as duas estavam fantasiadas como personagens de um jogo, ambas seguravam cestas em forma de abóboras com rosto, cheias de doces.

— Essa daqui foi no nosso último Halloween juntas. - a morena explicou. - Depois que a gente pegou uma quantidade absurda de doces, meu pai levou a gente num parque de diversões... Tinha tudo pra dar certo, até uns moleques terem a brilhante ideia de querer roubar os doces...

— Resumo da história: eu corri atrás deles e desci o cacete nos dois. - respondeu a ruiva, com um sorriso. - E voltei toda ralada pra casa.

Nick riu, imaginando a cena.

— Eu já fiz coisa pior... - a ruiva comentou, deitando o corpo na cama e cruzando os braços atrás da cabeça.

— Verdade... - a outra acrescentou, esticando as pernas para fora do colchão. - Uma vez ela discutiu com a minha mãe e fugiu de casa... ¹ Eu e meu pai ficamos a tarde toda procurando ela.

— Sério? - Nick indagou descrente, enquanto exibia um largo sorriso. - E o que aconteceu?

— Sério, nós fomos encontrá-la três da madrugada, sentada numa árvore e lendo um mangá, com a ajuda de um isqueiro... Foi um sufoco pra convencer ela a voltar pra casa... - a morena explicou, e Lizzie apenas riu.