— Você a conhece, Oliver? - indagou a mulher que estava à frente, apontando a arma para a ruiva.

O homem suspirou e abriu um sorriso largo, rindo em seguida.

— Que tipo de pai não conhece a própria filha? - ele respondeu, ainda sorrindo. - Poderia mandar soltá-los? 

A mulher fitou o homem por alguns instantes, depois abaixou a arma, fazendo um sinal para os outros fazerem o mesmo. Oliver foi até a ruiva e a abraçou apertado, quase a esmagando contra seu corpo, enquanto acariciava seus cabelos.

— Eu achei que nunca mais a veria! Estou tão feliz que você está viva! - ele comentou, mas Lizzie não respondeu, apenas deitou a cabeça no peito do pai, ele parecia estar mais alto. - Como sabia que eu estava vivo?

— Eu não sabia, foi só um palpite... - Lizzie respondeu. 

Afastaram-se. Oliver ainda sorria, apoiando as mãos nos ombros da garota, avaliando-a de cima a baixo, depois beijou sua testa. Ela sorriu e fitou seus olhos verdes, ele estava com olheiras fundas, tinha uma barba razoavelmente grande, assim como o cabelo preto, que estava bem bagunçado, em volta do pescoço havia um colar com um pingente de ouro.

— Nossa, você tá acabado... - ela comentou, rindo em seguida, depois pegou o pingente, observando a foto que tinha dentro. Sorriu e virou-se para o rapaz ao seu lado, que observava tudo em silêncio. - Esse é o Nick, eu não estaria aqui se não fosse ele. 

O homem virou-se para o rapaz, estendendo a mão para o mesmo. Nick, que até então mantinha a mão no ombro, tentando parar o sangramento, limpou a mão na jaqueta e apertou a mão do homem.

— Obrigado por cuidar da minha filha. - Oliver disse após o cumprimento, sorrindo para o rapaz.

— Não foi nada, senhor. - ele sorriu de volta.

Oliver virou-se para a mulher, para decidirem o que seria feito a seguir. Sem demonstrar interesse na conversa, Lizzie pegou um pouco de neve e foi até o rapaz, colocando-a no locar que foi atingido. O tiro de rifle havia atravessado seu ombro, deixando dois buracos na jaqueta. Nick recolheu as armas do chão, depois observou a ruiva colocar neve na própria ferida. 

— Então está decidido, - começou a mulher. - Os dois vão passar a noite aqui e receber os cuidados necessários. Harry, entre e informe os outros, enquanto o cabo Allen vai passar as informações para as torres, o resto de vocês pode voltar para dentro. - ela fez uma pausa, observando os homens se dispersarem, e depois voltou o olhar para a dupla. - Sou a tenente Miller, e vocês dois são bem-vindos aqui, mas se pisarem na bola encararam as consequências. Vamos entrar. 

A tenente tomou a frente, seguida pelo trio. O interior da construção parecia bem limpo, não havia sangue, apenas marcas de balas. Seguiram por um corredor iluminado com velas no chão, até chegarem a um bloco de celas. O lugar era bastante espaçoso, tendo algumas mesas no centro do corredor que dividia as paredes das celas, alguns homens ainda perambulavam nos corredores, mas a maioria estava nas celas.

— Vocês dois são impressionantes. - começou a tenente. - Conseguiram pular o muro e quase entraram aqui sem que as torres os vissem... Merecem meu reconhecimento.

Os dois permaneceram em silêncio, observando em volta. A mulher os deixou, indo até uma das celas.

— Pai, preciso conversar com você. 

— Depois, Liz, vamos cuidar do seu ferimento primeiro. - Oliver respondeu, tomando rumo à escada que levava ao andar superior, onde haviam mais celas.

— Mas é importante. - ela insistiu.

— Nada é mais importante que isso. Seja o que for, podemos resolver mais tarde. - o homem rebateu, procurando uma cela vazia para alojá-los. 

Ela suspirou e continuou seguindo-o. O homem parou em frente à uma das celas, observando dentro, e depois deu espaço para a dupla entrar.

— Esperem aqui. - ele orientou, depois voltou ao corredor.

Era uma cela pequena, tendo apenas um beliche e uma mesinha. Lizzie sentou na cama de baixo, aproveitando para relaxar a perna, puxou a mochila para si, tirando da mesma algumas velas e um isqueiro. Após acendê-las, Nick pegou-as e colou-as na mesa, usando a cera das velas. O rapaz tirou a mochila das costas, pondo-a no chão, depois sentou ao lado da ruiva.

— Não sei o que dói mais: levar um tiro ou por neve nas feridas. Essa porra tá tão gelada que tá até queimando... - ele comentou, tapando o buraco no ombro com a mão.

— Eu nem tô sentindo minha perna direita... - ela comentou, dando uma leve risada.

O silêncio reinou outra vez. Com seu canivete, a ruiva rasgou um pedaço da calça, abrindo mais o espaço que a bala havia atingido, depois tirou a neve do local. Era como se estivesse anestesiada, mal conseguia mover a própria perna, colocar neve tinha sido uma ótima ideia. Com cuidado, usou a lâmina para tirar a bala, abrindo mais o ferimento. Nick, que a observava, remexeu sua mochila, tirando da mesma um pedaço de pano limpo e uma garrafa de água, entregando para a garota em seguida.

— Você é uma garota curiosa... - ele comentou, observando-a molhar o pano e limpar o sangue da ferida. - Seria legal ver um reality show de sobrevivência na floresta, onde você apareceria...

Ela o olhou pelo canto dos olhos, dando um sorriso de canto.

— Obviamente eu ganharia. - ela rebateu.

— Que menina convencida... - o rapaz replicou, dando uma risada divertida depois.

Enquanto trocavam risadas, uma mulher de aparência desgastada parou em frente à porta, carregando consigo uma bandeja com itens médicos. Ela apenas cuidou dos ferimentos da dupla, saindo em seguida. Lizzie, sentindo os olhos passados por causa do sono, deitou na cama inferior, tentando mexer o mínimo possível a perna direita, que voltava a doer, cruzou os braços atrás da cabeça e fechou os olhos.

O rapaz colocou as mochilas em um canto, depois se acomodou na cama de cima. O cansaço fez o silêncio reinar na cela.

*  *  *

O dia se iniciou outra vez, a luz fraca do sol entrava pela pequena janela gradeada, iluminando a cela. Para sua surpresa, Lizzie acordou primeiro, totalmente desnorteada. Esfregou os olhos e esticou o corpo, reclamando de dor pela perna dolorida. Ficou algum tempo na cama, aproveitando o calor do cobertor que magicamente apareceu, havia dormido antes que mais alguém aparecesse. Sentou-se, sentindo a garganta seca e uma leve tontura, organizou as ideias em sua mente e levantou, usando a cama como apoio.

— Ei, acorda. - disse ela, chacoalhando o rapaz que dormia na cama de cima, encolhido sob as cobertas. - Levanta, Bela Adormecida.

Relutante em se mexer, o rapaz afastou a mão da ruiva com um leve tapa, voltando-se na direção de sua voz rouca, mal conseguia manter os olhos abertos. Ela apenas sorriu, jogando para trás o cabelo avermelhado totalmente bagunçado, ajeitando-o com os dedos gelados.

— Tô com sono... - Nick reclamou.

— Bom pra você. - a ruiva rebateu, escorando na parede e trançando o cabelo. - Não abuse da mordomia, você sabe que é temporário...

— Hum... Ok... - ele respondeu, afastando o cobertor. Sentou-se na cama, esfregando o rosto e tentando se habituar à luz.

Após amarrar a ponta do cabelo, Lizzie pegou sua mochila e jogou-a sobre os ombros, preparando-se para sair.

— Pra quê a mochila? Não acho que seu pai vai deixar você sair... - disse o rapaz, observando a garota.

— Penso que seria desconcertante ver uma garota carregando fotos de um morto e um frasco com um par de olhos... Isso poderia assustar as pessoas... Ninguém precisa saber que há uma psicopata vivendo entre eles... - fez uma pausa, sorrindo para o rapaz. - Além disso, a mochila faz parte de mim.

Nick balançou os ombros, calçando seus tênis e se apressando para acompanhar a garota. Ainda mancando, Lizzie seguiu andando, observando o movimento no pátio que dividia as celas da esquerda e direita, a maioria das pessoas eram homens fardados que perambulavam no pátio.

Assim que desceram, notaram a mulher intimidadora da outra noite dando ordens à alguns homens. Agora conseguiam ver com mais clareza seu rosto jovem, não aparentando ter mais que trinta anos, os cabelos curtos e loiros presos em um rabo de cavalo, além dos olhos escuros que pareciam calcular cada movimento alheio. Assim que notou a dupla, abriu um sorriso é se aproximou.

— Vejo que acordaram... Pareciam bem cansados, quando foram levar os cobertores vocês já tinham dormido. Sentem-se melhor?

A ruiva trocou um olhar de desconfiança com Nick, antes que dissesse algo para a tenente.

— O que você quer de nós? - Lizzie indagou, cruzando os braços e estreitando um pouco os olhos.

— Garota direta... Gosto disso. - a mulher respondeu, retribuindo o olhar do mesmo modo. - Eu avaliei o modo como vocês entraram aqui, e tenho certeza que serão muito úteis aqui... Estamos com poucas pessoas aqui, e eventualmente precisaremos sair para procurar suprimentos, mas, a grande maioria das pessoas que ainda restam são ex-presidiários e alguns policiais que mal conseguem passar uma noite lá fora... Em troca de abrigo, quero que vocês ajudem a procurar esses recursos preciosos.

— Oh... - começou a ruiva, abrindo um sorriso. - E o que te leva a pensar que vamos ficar? Só estamos fazendo uma visita, há pessoas nos esperando... Se não estivéssemos feridos, voltaríamos agora, enquanto está claro.

— Sem problema, podem trazer o seu grupo para cá. - a tenente sorriu. - De qualquer modo, tenho coisas a fazer... Gostaria que pensassem sobre a proposta...

A mulher deu meia volta e seguiu na direção do corredor no fim do pátio. Nick voltou o olhar para a garota, estava visivelmente inquieto, talvez até um pouco perturbado.

— Qual é o seu problema? Por que não quer ficar? Seu pai está aqui, por que não fica com ele?

— Claustrofobia, esse é o meu problema, me sinto presa em lugares assim... Você pode ficar se quiser, eu não controlo a sua vida.

— Sério? - ele indagou em tom indignado, suspirando em seguida. - Às vezes eu acho que nunca vou te entender... É trauma do ocorrido em Washington? Não temos um David pra foder com tudo...

Ela revirou os olhos, escondendo as mãos geladas nos bolsos da jaqueta.

— Se eles aceitarem cachorros, eu posso pensar na proposta... - a ruiva rebateu, exibindo um sorriso em seguida.

O rapaz deu uma leve risada, balançando a cabeça em seguida. Lizzie suspirou, passando os olhos no local, até que notou seu pai chegando, acompanhado de uma garota de cabelo preto. Oliver sorriu para a filha, parando há alguns metros de distância, deixando que a outra garota seguisse em frente, na direção de Lizzie.

— Eu achei que ele estava brincando quando falou que você tinha voltado! - disse a garota, com um sorriso largo no rosto.

A ruiva estreitou um pouco os olhos, arqueando uma sobrancelha, enquanto fitava a outra garota de cima a baixo, esta que parecia ter a mesma altura, além do mesmo tom de olhos verdes, sendo assustadoramente parecidas, como se fossem sósias. Aos poucos, um sorriso surgiu no rosto de Lizzie, mas ainda não tinha certeza sobre sua hipótese, lançou um olhar para o pai, que apenas sorriu cinicamente.

— Não creio... - ela comentou, dando uma leve risada, depois se aproximou da garota e a abraçou apertado, sendo retribuída do mesmo jeito. - Me morde pra eu ter certeza de que não é um sonho...

— Não é um sonho Liz...! 

As duas se soltaram, ainda se avaliando.

— Sua vaca! Aqui pra você! - disse Lizzie entre risos, mostrando carinhosamente o dedo do meio para a "sósia", abraçando-a de novo em seguida. - Eu senti sua falta, Lilian... 

A gêmea riu do ato da irmã, abraçando-a de volta. As gêmeas se afastaram outra vez, ainda sorrindo. 

— A senhorita tem muita coisa pra me explicar... - começou Lizzie, voltando a esconder as mãos nos bolsos. - Mas eu tô brava contigo ainda, então não vou falar com você. - fez uma pausa, fechando os olhos por alguns instantes, depois virou-se para Nick. - Esse é o Nick, ele me ajudou a chegar até aqui. E Nick, essa é a minha irmã. 

Os dois trocaram um cumprimento de mãos e algumas palavras. A ruiva voltou para seu pai, fingindo uma expressão séria.

— Por que não me contou?! - ela indagou.

Oliver riu da reação da filha, puxando-a contra si, abraçando-a com apenas um dos braços, dando um beijo em sua testa em seguida.

— Surpresa...? - ele respondeu. - Não tive tempo, você acabou dormindo.

Lizzie ficou um tempo em silêncio, organizando suas ideias na cabeça, enquanto fitava o chão, depois levantou a cabeça para fitar os olhos do pai:

— Tenho uma coisa importante pra te dizer...