Pan-demonio escrita por GreeneMoon


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Capítulo novinho saindo do forno! :D



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– Wendy Darling –

Não se esqueça de mim, eu imploro
Vou lembrar de quando você dizia:
"Às vezes o amor dura, mas, às vezes, fere"
[Adele - Someone Like You]

O relógio em seu pulso tiquetaqueava os minutos em uma sincronia invejável. Era impossível não admirar a habilidade do tempo em passa-la para trás em todas as oportunidades – quando a doutora não aguentava mais a ansiedade para deitar em sua cama macia, encostar sua cabeça no travesseiro e enrolar-se em seus lençóis de seda, o tempo encontrava um jeito de se estender como um gato preguiçoso. Era um ritual por qual Wendy Darling passava toda vez que estava de plantão. Um castigo do destino por ser tão boa em uma profissão que escolheu por falta de opções.

Ela não sabia que tinha o dom de salvar pessoas, e nunca se imaginara fazendo aquilo. Seus sonhos para sua vida adulta eram outros, e ela tinha se apegado tanto as ideias e aos planos que não lhe sobrara tempo para se imaginar em algum outro tipo de realidade. Agora, lá estava ela, vestida em um jaleco branco, com um copo de café na mão, comemorando mais uma cirurgia de emergência bem sucedida.

Estava solitária, como sempre, sentada na cadeira confortável da sua sala no hospital, ruminando pensamentos sobre as suas escolhas e sua infância. Ela fazia muito isso quando sentia que a saudade começava a apertar o seu peito com força. Gostava de sentir a paz que as memórias boas lhe davam e o conforto que o calor daquelas lembranças faziam a sua alma sentir. Os poucos momentos que sua mente se permitia vagar pela imensidão de histórias arquivadas em sua biblioteca particular, faziam com que ela esquecesse de que, na verdade, os sonhos alimentados na infância não sobrevivem depois que a mesma acaba. Eles ficam enjaulados em algum lugar esquecido dentro de cada adulto, junto com os ursinhos de pelúcia e os cavalinhos de madeira, e nada sobrevive quando as cobranças para entrar em uma faculdade séria começam a rastejar da boca de seus pais, junto com as responsabilidades e as contas para pagar.

Wendy sabia muito bem como tudo aquilo funcionava – e como aquele sistema obrigava a maioria dos adolescentes a tomar decisões rápidas. Não havia um tempo indeterminado para se escolher o que quer ser na vida. Não existia uma fórmula para parar o crescimento e nem para retardar a maturidade, por mais que ela tenha acreditado que esse elixir pudesse ser transportado para o mundo real. As crianças cresciam por aqui, se tornavam adolescentes e depois eram preparados, como soldados, para se tornarem o exemplo de adultos perfeitos para a sociedade. Depois que a metamorfose se completa, o que resta é apenas a força de vontade para continuar seguindo cada dia até o último badalar.

Um badalar que parecia não chegar nunca para a doutora Darling.

Três batidas em sua porta foram a confirmação do último fio de pensamento coerente que teve sobre sua existência. A emergência nunca parava, os pacientes precisavam de cuidados constantes e ela era a fonte de confiança deles e de seus familiares que montavam acampamento nas salas de espera.

– Doutora Darling. – Amélia Lancaster, da sua equipe de cirurgiões do hospital Meridional de Londres¹, apareceu em seu campo de visão, com seus cabelos negros presos em um coque firme no alto de sua cabeça e seu semblante totalmente descansado. Ao perceber a falta de olheiras da mulher a sua frente, Wendy sentiu uma inveja tão pura quanto à chuva no verão. – Estou aqui a pedido de Andrew para lhe informar que você pode se abster do resto das suas horas de plantão, caso desejar.

Aquelas palavras foram um bote salva-vidas para Wendy. Segundo seus cálculos, os próximos minutos somariam quase 28 horas cumpridas no seu plantão. Não era seu recorde, mas, depois do dia e da noite estressantes, onde tinha que intercalar entre as salas de cirurgias e a UTI lotada, aquelas horas pareciam ser as mais longas que já teve que cumprir em toda a sua vida profissional. Fora por isso que a loira apenas balançou a cabeça e direcionou algumas instruções para a doutora à sua frente, na intenção de deixá-la a par de todas as situações mais críticas com que estava lidando naquela madrugada. Quando a mesma saiu pela porta com alguma das pranchetas dos pacientes que precisavam de suporte medico naquela hora, Wendy fez questão de se apressar para arrumar suas coisas e caminhar direto para o seu carro no estacionamento.

Amarrou os cachos loiros em um rabo de cavalo, retirou o jaleco, deixando apenas a blusa e a calça jeans branca, e jogou a bolsa de qualquer jeito no ombro esquerdo. Olhou o relógio uma última vez antes de caminhar apressadamente pelos corredores, acenando para os conhecidos e desejando boa sorte para suas secretárias favoritas no saguão.

– Boa noite, doutora Wendy. – a querida Ana Maria lhe desejou, com seu sorriso fácil estampado no rosto delicado. Era a nova secretária contratada para a recepção do Meridional, mas Wendy sentia que a conhecia de outras vidas.

– Boa noite, Ana. Bom trabalho para você. – deixou que seu sorriso mais sincero escorregasse para os seus lábios, mal percebendo o fascínio que despertava nos olhares próximos que sempre estavam à espreita para ver a mulher demonstrando sua doçura.

– Então quer dizer que agora eu sou uma velha invisível? – a reclamação de Aurora Battleman não demorou a chegar. A senhora era a recepcionista chefe da instituição, e, ao contrário do que muitos pensavam, tinha um humor tão leve como uma pluma. Apenas sua pose, sempre autoritária, escondia seu grande extinto de mãe super protetora.

– Não diga isso, Aurora. Sabe que amo você com todo o meu coração. – Wendy sempre fez questão de deixar claro para o mundo o quanto sua afeição por aquela senhora era imenso. Afinal, não poderia ser diferente. Quando era apenas uma residente destrambelhada, quem havia lhe ensinado como sobreviver aos leões do Meridional fora aquela senhora de cara amarrada da qual Wendy sentira medo na primeira vez que a viu. – Bom trabalho.

– Bom descanso para você menina! Durma por longas horas seguidas, se alimente como se o mundo fosse acabar amanhã e saia com alguns amigos, você precisa ter uma vida normal de uma jovem. – Aurora ergueu suas duas sobrancelhas grossas na direção da loira como um aviso de que a vida era passageira demais para gastá-la toda apenas trabalhando.

Wendy entendia aquilo como ninguém, o fato era que ela não queria curtir nada que aquele mundo poderia oferecer. Já tinha tentado algumas vezes e falhou miseravelmente. Não importava o que fazia tudo sempre a levava para o mesmo ponto, as mesmas memórias e o mesmo aperto no peito. Não tinha fim. A vida solitária era o seu fardo e o seu castigo por ter abandonado a felicidade quando teve chance de tê-la para sempre. Estava conformada com aquilo.

– Não se preocupe. Vou estar com uma ressacada terrível quando voltar para o hospital. – não era porque ela tinha conhecimento de que não poderia se arriscar mais na vida social, que Aurora também precisaria ter. Ela permaneceria enchendo sua querida senhora de pequenas mentiras se fosse para mantê-la despreocupada. Piscou o olho direito na direção das duas mulheres sentadas atrás do balcão e voltou para o seu caminho até o estacionamento. Precisava apenas da sua cama e dos seus lençóis, nada mais que aquilo a faria feliz.

Passou pela sala de espera abarrotada de pessoas de rostos conhecidos – alguns sorriam com gentileza para a sua figura cansada, mas outras ainda cultivavam aquele ressentimento contra médicos. Wendy tinha aprendido desde o começo da sua carreira que não era possível agradar sempre a todos. Algumas pessoas simplesmente não se sentiam confortáveis em hospitais e não tinham nenhuma inclinação para a confiança. Ela não podia culpar essa classe. Nenhum de seus colegas de trabalho e até mesmo ela, entendiam como era ter uma pessoa amada internada em uma UTI ou passando por uma cirurgia delicada em uma das grandes salas destinadas àquelas operações. O ser humano só compreende aquilo por qual ele passa. Aquela era a triste realidade de cada hospital nos quatro cantos do mundo. Não tinha muito para onde correr.

– Boa noite, doutora. – Carlos, o segurança do estacionamento, lhe desejou. Ela sorriu para ele com carinho. Ele era uma imigrante do México, que fora acolhido com muita persistência pelo país, e desde então tornava o espaço onde guardavam os carros, ainda mais feliz. No momento em que conheceu o famoso Carlos, Wendy teve certeza que os mexicanos eram o povo mais caloroso que existia no mundo.

– Boa noite, Carlos! – a mulher acenou para ele, sem desacelerar o seu passo. Seu carro não estava em uma distância longa, o que facilitou todo o processo de acionar o alarme, abrir a porta e jogar seu corpo cansado no banco de couro velho. Seus pés estavam gritando um pedido de socorro dentro dos sapatos fechados, junto com a circulação em suas pernas.

A mulher respirou profundamente antes de dar a partida e direcionar o seu carro para as estradas vazias de Londres. Precisava manter o foco para não dormir ao volante. Seu sistema estava falhando em completar a missão de levá-la em segurança para o seu apartamento, e isso soava os alarmes dentro de sua mente. Maldita hora em que não tomou mais um copo de café flamejante, pensou enquanto virava a esquina para entrar em seu bairro. Deixou que seus olhos percorressem pelas casas bem arquitetadas e os pequenos prédios de três andares feitos de tijolos vermelhos. Aquelas construções estavam ali há muitos anos e, mesmo consideradas antiguidades, eram a parte que Wendy achava mais bonita em sua cidade. Tudo porque elas lhe lembravam como era se sentir em casa, e combinadas com o silêncio da noite, era como voltar no tempo para a sua época de criança.

Deixou que o, sempre presente, sorriso triste repuxasse seus lábios vermelhos. Aquele era um velho companheiro de suas memórias, ainda mais quando elas eram direcionadas a uma pequena janela adornada por madeira pura, um céu estrelado e um garoto que sabia voar. “Tenha pensamentos felizes, Wendy, e eles te levarão para o ar”, a voz suave do seu menino-perdido soou como uma brisa fresca na primavera. A mulher se permitiu fechar os olhos por alguns instantes apenas para apreciar o turbilhão de sentimentos que explodiam em seu peito ao constatar que os anos poderiam passar depressa para ela, mas Peter, o seu Peter, ainda permaneceria eternamente jovem em sua memória. Ele permaneceria eternamente dela, mesmo que ela tenha escolhido outro caminho. “Me dê a mão, Wendy, e eu te mostrarei todas as razões para nunca se esquecer de mim”, o sussurro dele em sua orelha ainda era vivo. Ela se lembrava daquela noite em que Peter havia voltado para busca-la novamente. Dois anos depois da primeira vez em que colocou os pés na Terra do Nunca. Ambos já tinham noção do que acontecia entre uma garota e um garoto, e fora com ele que ela descobriu que o beijo era a troca de afeto mais pura que poderia existir entre dois corações apaixonados.

O suspiro que veio a seguir foi tão involuntário quanto seus pensamentos. Por mais que ela tentasse lutar contra, sempre era sugada por Peter e toda a história que viveu com ele. Os seus curtos momentos ao lado do menino-perdido foram inesquecíveis demais para manterem-se trancados dentro do seu pobre coração entristecido. Wendy já tinha aprendido a conviver com a culpa e a saudade, mas, o seu psicológico nunca estava preparado para sentir a pressão que aqueles dois sentimentos faziam.

Estacionou o carro na calçada do prédio onde morava, sem ao menos perceber que já tinha chegado. O seu piloto automático estava ligado na potência máxima, o que sempre acontecia quando ela se perdia na própria mente. Fechou os olhos por mais alguns segundos antes de tomar coragem e saltar do carro, trancando-o logo em seguida. Não iria guarda-lo na garagem do prédio naquele momento pelo simples fato de que, provavelmente, dormiria no meio do processo. Foi por isso que seguiu o seu automático e entrou na pequena portaria, cumprimentando educadamente o velho porteiro que cochilava mais do que prestava atenção no movimento da rua, e seguiu para o elevador, rendendo-se a vida sedentária por aquela noite.

Esperou pacientemente até que o bipe do elevador avisasse que já haviam chegado ao seu destino e saiu porta a fora, desejando fervorosamente que os poucos metros até a porta do seu apartamento encurtassem consideravelmente. A ansiedade por um banho quente e sua cama macia era tão grande que lhe provocava um frio constante em sua espinha. Os pelos dos seus braços eriçaram-se e um tremor balançou o seu corpo quando parou em frente à porta branca que dava acesso ao seu lar. Wendy estranhou aquela reação do seu sistema nervoso, nunca havia sentido aquilo antes, mesmo depois de 48 horas seguidas sem dormir. Ela só estava acordada há 28 horas, tinha se alimentado bem e não exagerado nas doses de cafeína, como Andrew, seu chefe e médico, havia recomendado. As hipóteses de estar à beira de um ataque de ansiedade ou com falta de ferro no sangue estavam descartadas. A doutora sempre era cuidadosa com sua saúde.

Então o que é?, a dúvida veio alta e clara em sua cabeça. Por que ela estava sentindo tanto medo de entrar pela porta quando tudo que ela havia desejado o dia inteiro era exatamente aquilo? O que havia de errado?

As questões rodopiavam em conjunto, enquanto Wendy reunia coragem para encarar seus medos. Ela não podia ficar parada em frente ao seu apartamento ponderando hipóteses sem pé e nem cabeça. Não havia nada de errado com sua casa. Não havia nada de errado com sua saúde. Tudo que estava errado naquele momento era a sua covardia. A mulher já tinha 24 anos de idade, estava formada na faculdade, empregada em um hospital de nome, morava sozinha e tinha sua independência, não era mais uma garotinha que podia se esconder atrás das saias da mãe. Puxou uma, duas, três respirações e destrancou a fechadura da porta, abrindo-a logo em seguida.

Tudo estava do mesmo jeito. Foi à primeira coisa em que reparou. O sofá continuava no mesmo lugar, a caneca de café permanecia na bancada da cozinha e a vassoura, que usou para limpar os grãos de cereal que deixou cair no chão, ainda estava apoiada contra a parede da sala. Nada estava fora do lugar, exceto... Ela tinha jurado que tinha deixado suas janelas perfeitamente trancadas.

As batidas do seu coração descompassaram-se em um ritmo digno de uma orquestra sinfônica. Os pontos começavam a se ligar na mesma velocidade que seus níveis cardíacos aumentavam. Suas janelas estavam trancadas... E então agora... Estavam abertas. Wendy correu os olhos por todos os cantos de seu apartamento, sem perder nenhum detalhe. Ele não podia estar ali. Aquilo era coisa da sua cabeça. Peter estava vivendo tranquilamente na terra na qual ele pertencia. Ele nunca voltaria para visita-la quando ela decidiu abandona-lo.

Um movimento na escuridão fez com que Wendy soltasse um grito histérico, capturando a jarra que enfeitava a sua mesa de centro, apoiou da maneira em que aprendeu nos vídeos de autodefesa e se preparou para atacar quem ou o quê estivesse em sua casa.

Não é hora para ser covarde, não é hora para ser covarde, recitava o mantra em sua cabeça, tentando manter a coragem intacta.

– Ora, ora, ora... Olha quem não perdeu o jeito para brigas. – aquela voz era familiar. O timbre rouco e doce, sempre carregado de histórias antigas, era uma das coisas que sempre rondavam suas memórias.

Wendy apertou os olhos para a sombra em pé no canto esquerdo da sua sala. O cocar repleto de penas estava maior, comparado ao que ela se lembrava, e os pés morenos, que estavam visíveis sob a luz do luar, estavam maiores e mais firmes. A presença dela em sua casa não era aterrorizante, mas também não deixava a doutora tranquila. Havia um proposito naquela visita. Um proposito que Wendy tinha medo de descobrir qual era.

– O que está fazendo aqui, Tigrinha? – a pergunta flutuou de sua boca para fora. Estava receosa sobre os motivos que trouxeram a princesa até ali, mas não podia deixar de perguntar. Afinal, muito tempo tinha passado desde a última vez que colocou os olhos em sua velha amiga.

No entanto, o silencio que veio a seguir deixou a doutora Darling com a mesma sensação de antes. Suas mãos suavam, suas pernas tremiam e seu coração bombardeava seu peito impiedosamente. Havia alguma coisa errada ali, o cheiro estava exalando como o do lixo que não se põe pra fora. Esperou pela resposta, mas ela não veio nos minutos seguintes. A sombra de Tigrinha apenas ficou ali, encarando a figura da loira, tão bonita e delicada, com sua voz eternamente doce e suas feições de anjo, pensando no que estava prestes a fazer. Era uma péssima ideia, mas era a única que tinha.

– Precisamos de você, Wendy. – quando resolveu responder a pergunta, a princesa deu um passo a frente, deixando a luz da lua banhar sua figura por completo. A respiração entrecortada da doutora foi o suficiente para Tigrinha captar que ela tinha entendido o recado.

Wendy, por outro lado, estava estática no mesmo lugar, com seus olhos varrendo o corpo da mulher a sua frente. Não havia nada de normal naquilo. No lugar do corpo de uma criança travessa, havia o corpo de uma mulher madura e bem feita. Os quadris largos, os seios fartos, as coxas grossas e pernas longas, os braços pintados, e o rosto tão lindo quanto de uma modelo da Vogue, a postura imponente. Tigrinha havia crescido, provavelmente tinha a mesma idade que a sua. Mas, por quê?

– O que aconteceu com você? – o choque não deixou com que Wendy formulasse uma pergunta mais discreta. Tudo em sua cabeça rodava com o fato de que a princesa Tigrinha tinha crescido, mas, segundo a lenda, aquilo não deveria ter acontecido.

– Assustada? – a mulher perguntou enquanto ajeitava distraidamente o cocar em sua cabeça. Alisou as penas que caiam em seus ombros, esperando uma resposta da amiga.

– Você cresceu. – foi tudo que Wendy conseguiu pronunciar.

– Sim, todos nós crescemos. – os olhos negros da princesa fitaram os azuis da doutora tão profundamente que, por um segundo, Wendy pode ver a alma atormentada gritando por trás da imensidão. – A Terra do Nunca não é mais um lugar para crianças.

– Do que está falando? – a loira vacilou em sua pergunta. Sua voz estava trêmula, assim como suas mãos. A sensação de que algo estava prestes a mudar sua vida completamente e definitivamente soava como uma sirene incansável.

A princesa suspirou, soltando o ar em doses homeopáticas, como se estivesse juntando forças para explicar a sua real situação. Não seria fácil. Wendy não entenderia o que estava acontecendo sem que ela mesma pudesse ver. O choque de vê-la adulta não seria nada perto do choque de ver do que ela estava falando. Teria que ter paciência.

– Nada é como você se lembra, Wendy, tudo acabou. – começou, enquanto rondava a pequena sala do apartamento da moça. – Peter não é mais o mesmo.

– O que você quer dizer com isso? – a menção do nome de Peter fez todos os sentidos de Wendy despertarem. A parte obscura de seu coração bocejou, acordando do seu sono profundo para ouvir sobre o seu amado. – Ele também... Cresceu?

– Ele não só cresceu, mas, se tornou algo que está fora da sua compreensão. – a princesa voltou seus olhos para a loira, fitando sua imagem perturbada. – Ele precisa de você, Wendy. Todos nós precisamos. Você é a nossa única salvação.

O silêncio pairou entre as duas mulheres, enquanto conversavam pelo olhar. Wendy não compreendia o que Tigrinha queria dela, e também não tinha a mínima vontade de compreender o que tudo aquilo significava. O seus sentidos estavam focados em Peter e todas as poucas informações que a índia lhe passou. Ele não estava bem. Precisava dela. Mas, será que, depois de tudo, ele ainda a queria de volta? Ele havia deixado bem claro, quando nunca mais voltou para vê-la, que tinha desistido de tentar fazê-la ficar. Então, por que Tigrinha estava ali naquele momento? Por que estava pedindo sua ajuda quando era a pessoa menos indicada para o trabalho? Peter sabia que ela estava aqui? Fora ele que enviou a amiga para busca-la? O que ele queria, afinal?

– Ele sabe que você está aqui? – fez a primeira das perguntas que selecionou importante em sua lista.

– Não. Peter e eu não nos falamos há muito tempo. – curta e grossa, a mulher respondeu. A falta de emoção em sua voz denunciou que a amizade entre ela e o menino-perdido estava abalada por questões pessoais.

– Por quê? – Wendy nunca foi famosa por sua falta de curiosidade. Ao contrário, ela sempre fora curiosa demais. Era por isso que foi considerada a melhor contadora de histórias da Terra do Nunca.

– Você vai entender. – a princesa caminhou em sua direção, com os passos calculados como de um felino. Os olhos negros e o ar imponente fizeram com que Wendy se mantivesse no mesmo lugar. A índia parou a sua frente, fitando seus olhos com intensidade, antes de abrir um sorriso tímido. – Estava com saudades, bucaneira Dill. Suas histórias fazem tanta falta quanto o pó mágico das fadas. – o tom suave que a morena usou em sua declaração fez com que Wendy deixasse que o sorriso saudoso tomasse conta de seus lábios. Ela também tinha sentido saudade da sua velha amiga. – Espero que você me perdoe pelo que vou fazer.

A última frase fez com que todas as sirenes em seu subconsciente gritassem tão alto que seus ouvidos zumbiam como um enxame de abelhas. O sorriso da doutora Darling morreu tão rápido quanto apareceu quando Tigrinha ergueu a mão direita aberta e soprou um pó em sua direção. A escuridão começou a tomar conta de toda a cena enquanto o corpo frágil da loira começava a ceder ao efeito do sonífero inalado pelas vias respiratórias. Ela ainda pode ver mais algumas sombras se movimentarem atrás de Tigrinha, que amparava seu corpo inerte.

– Ela vai ficar desacordada por quanto tempo? – uma voz grossa soou amedrontadora.

– Tempo o suficiente para a levarmos sem que ela crie problemas. – a princesa respondeu, enquanto alisava a cabeleira loira da mulher que entrava em um sono profundo.

– Sabemos o quanto ela sabe criar problemas. – a voz retornou a falar. A doutora sentiu seu corpo ser erguido e levado para algum lugar nos braços fortes de alguém.

– É por isso que estamos levando sua mãe de volta, Deleve. – a menção do nome de um dos seus meninos-perdidos fez o coração de Wendy gritar. Sua mente estava cheia de nuvens e buracos no tempo, mas ela podia se lembrar do seu pequeno garoto esperto fazendo armadilhas para coelhos. – Esperamos que ela crie tantos problemas como antigamente.

– Com certeza, ela irá.

Sentiu sua mente sendo sugada por um redemoinho. A escuridão estava tão acolhedora que Wendy não pode recusar o conforto que ela lhe dava. Seu coração estava aflito e seus instintos lhe aconselhavam a não se deixar levar, a lutar até esgotar todas as suas forças, mas, a verdade era que a doutora não tinha mais vontade para nada. Não queria compreender o porque Tigrinha e Deleve precisavam tanto que ela criasse seus famosos problemas e nem o que Peter tinha de tão diferente. Naquele momento, não queria se aprofundar na loucura que era saber que seus antigos amigos estavam adultos como ela e que havia algo de muito errado acontecendo. Tudo que ela queria era descansar.

No entanto, enquanto afundava em seu sono leve e sem compromissos, uma frase ecoava em sua mente vazia:

Ela estava voltando para casa.

»✤«

『¹ Hospital Meridional de Londres:. Local fictício criado pela autora da fanfic. 』


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Notas finais do capítulo

Então é isso, gente. Espero que tenham gostado do primeiro capítulo, e digo mais, o segundo vai ser ainda mais emocionante. Não esqueçam de deixar nos comentários o que acharam.

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Super beijo e até a próxima!