Cidade Zero-Hora escrita por Yellow


Capítulo 9
O Inferno dos Anjos


Notas iniciais do capítulo

- Olá, meus queridos!
— Então, praticamente duas semanas que não posto nada, e aqui está o novo capítulo. Praticamente um grito com todos os personagens importantes shsauhsua



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Já há duas semanas que Toni dava indícios que estava melhorando.

Beth não sabia como expressar sua felicidade, contar para os outros era tão pouco. Queria que ele acordasse logo, para o beijar e conversar com o marido, que nunca fez tanta falta. Se sentia vazia sem ele, como se estivesse sem um pedaço, e realmente era isso. Toni a completava, e a adorava por ela ser uma humana tão extraordinária. Podia ganhar rios de dinheiro enganando ordinários, os prometendo riquezas com sua mágica, todavia preferia a vida simples, com seu marido e sem filhos, pois era estéril.

Lembrou-se do dia que juntou toda a coragem que tinha para contar isso ele, e, a surpreendendo, ele aceitou. Nunca pensou direito na hora de ter filhos, pensava que ficaria a vida inteira ajudando pessoas, usando seus dons para algo muito bom, não se via casada no início de tudo, mal via espaço para filhos. Tinha um aprendiz, um garoto muito importante para ela, filho de uma grande amiga, mas ela foi obrigada a deixar ele. Sempre cuidou das crianças dos outros, mas nunca se imaginou cuidando das próprias. Não era o tipo de mulher que nas horas vagas ficava teorizando sobre seus filhos, se seriam meninos ou meninas, se puxariam mais o pai ou a mãe.

Pelo contrário, estava a frente de uma janela de hospital — um vidro amplo e comprido —, com o sol de fim de tarde refletindo em sua face. Atrás, ouvia o monitor cardíaco, acompanhando as batidas do marido ainda desmaiado. Estava esperando ser chamada para atender outro paciente, apenas descansava nos minutos vagos que tinha. Logo viria outra emergência, mais cedo ou mais tarde, sempre haviam emergências.

Toni se mexeu levemente para o lado, arrastando o lençol.

Ela se encheu de esperança que ele fosse acordar.

E as esperanças dela se concretizaram.

Ele lentamente abriu os olhos.

Ela correu até ele.

— Você acordou! — exclamou, ignorando qualquer regra de não se poder gritar no ambiente. — Graças!

Ele deu uma tosse seca, e se ajeitou lentamente. A abraçou com as poucas forças que tinha, um abraço recheado de amor e ternura.

— Dessa vez foi feio, hein — brincou com a própria situação. A afagou no ombro — Quanto tempo estou aqui?

— Há algumas semanas — ela falou, não esperando a reação de espatanto dele.

Ele tentou se levantar, mas ela o conteve

— E os garotos?

— Estão bem. — Beth colocou a mão contra o tórax do marido, e, apesar dele ser forte, ela o empurrou contra o colchão almofadado. — Falei com ambos semana passada, nada de mais. Deveria se preocupar mais com você mesmo. — advertiu. Cerrou o cenho, séria. — Quem fez isso com você?

Ele olhou para ela de uma forma que ela não conhecia, um olhar perdido e desamparado, que não podia falar que era do mesmo Toni que casara, que saia em noites frias para destroçar lobisomens e caçar vampiros.

Ela apertou fortemente a mão dela.

Respirava forte.

— Eu não sei. — falou, pausadamente. — Foi algo que eu nunca vi antes. Aquilo não era um demônio. Era um anjo.

***

— Não! — Já era a terceira vez que Daniel gritava aquilo, sua garganta estava seca, áspera a ponto de o incomodar. — Não ficou legal, vamos tentar de novo.

Eliza o olhou por cima do ombro, com ambas as sobrancelhas levantadas. As madeixas tingidas de púrpura na última semana se esvoaçaram quando ela girou o rosto. Apesar das outras pessoas no recinto, Daniel era o único que podia ver os chifres escapando no topo da cabeça dela.

— Que tal fazermos uma pausa? — Eliza sugeriu, calma como sempre, suave como a brisa. Jogou o microfone no sofá velho da garagem de Andressa, onde costumavam ensaiar. — Isso está maçante

A baterista e dona do estabelecimento provisório que era a sede da banda se levantou. Olhou para os dois, ambos cansados.

— Vou pegar uma coca para a gente. — E foi pela saída, deixando as baquetas onde estava sentada.

Daniel tinha de admitir que Eliza tinha razão. Era a quinta vez que ensaiavam e havia dado errado, principalmente por sua culpa. Os acordes escapavam dos seus dedos, e seus descontroles resultavam na estática ensurdecedora dos instrumentos e cabos, e sempre acabavam a música pela metade, até ele se acalmar e todos os eletrônicos voltarem ao normal. De acordo com Andressa, já estava na hora de comprar equipamentos novos, mal sabia ele que era o próprio Daniel que fazia aquilo.

Caiu no sofá, ao lado de Eliza.

— Eu tenho umas essências… — começou, sempre sem jeito ao falar daquilo. A qualquer momento Andressa podia entrar, e perguntar sobre essas tais essências, e eles teriam de explicar em algo bem improvisado. — Umas 15.

— Do quê? — Eliza perguntou, amena e calma. Ela fitou as unhas, bem feitas e decoradas com enfeites dourados que brilhavam. Vestia-se com roupas casuais, que marcavam bem seu corpo magro.

Goblins — respondeu, sem mais nem menos.

— Vou ver mais tarde, para avaliar melhor. Sabe que custam pouco, são as menos procuradas.

— Eu sei. — E sabia, de verdade. Mas, mesmo assim, precisava do dinheiro para consertar sua guitarra, e para fazer outras de suas futilidades. — Da próxima vez vou tentar levar algo mais variado.

— Tudo bem. — Ela anuiu. Se ajeitou, colocando as costas no encosto e se sentando realmente. Com os dedos, brincava com os cachos loiros de Daniel. Mordia o lábio inferior com audácia, de uma forma que sabia que provocaria atração. A história deles era, de certa forma, complicada. Já haviam se beijado em uma festa, onde nenhum dos dois estava realmente sóbrio. Mas essa desculpa não pôde ser usada na segunda vez que acabaram se envolvendo, depois de um show, quando transaram. Ela não se arrependia de tê-lo o feito, nem ele. Na época se gostavam mais do que como amigos, mas hoje em dia o sentimento fora apagado por algo. Ela se ajeitou com costas eretas. — Ficou sabendo da nova bruxa na cidade? A sua vizinha…

Então ela já sabia de Nina.

Daniel se levantou abruptamente e ergueu as sobrancelhas, rápido. Olhou para ela, da cabeça aos pés, e lembrou-se da mais marcante característica de Eliza, que ele tanto amava e odiava. Ela sabia como jogar, mais importante que isso, sabia os movimentos dos outros.

— Sim — falou, tentando não gaguejar. — Nina, você quer dizer.

— Já sabe o nome dela — dizia em um tom estranho. — Estão íntimos? — E fez um sorriso sacana, que Daniel sabia muito bem o significado.

— Não — vetou Eliza, com um olhar determinado. Ela voltou a encará-lo normalmente, desapontada. — Somos apenas amigos, por hora.

— Assim espero — Eliza disse, satisfeita. Virou-se para Daniel, e ele pode ver o olhar sério que ela lançava. — Ela é diferente, e você pode não saber com o que não está lidando.

Daniel engoliu em seco, e não respondeu. Eliza havia ficado tão séria ao falar sobre Nina, então ela também tinha ciência do que Nina era capaz de fazer. Mas é claro que sabia, era uma das bruxas mais poderosas e influentes na cidade, mesmo com pouca idade.

— Ela está se bandeando para os vampiros, achando que tem alguma dívida com eles — Eliza desdenhou a situação. — Vamos abrir os olhos dela. Se quiser me ajudar, Daniel.

— Vou fazer o que posso — disse em resposta, em um tom que deixasse Eliza confortável. — Ela ainda não sabe sobre o que eu posso fazer.

Eliza sorriu, contente com algo não dito.

— Mas é claro que sabe! Ela é uma bruxa, como eu, com certeza sabe o que você é.

As palavras de Eliza perambularam pela mente de Daniel, ricocheteando em seus profundos pensamentos momentâneos. Ela certamente não sabia o que ele era, sabia apenas o que ele deixava-a saber o que era. Eliza o olhava com curiosidade, degustando de seu ex-amante com os olhos. Ela mordia um dos lábios, e, com os dedos agitados, encaracolava uma das mechas de seu cabelo. O interesse demoníaco dela se sobressaltando em seu semblante humano.

— Eu a convidei para uma visita, mais tarde — comentou Eliza, sem compromisso. Ela lhe lançou um olhar que significava um convite, ele recusou com gesto negativo com a cabeça. — Os vampiros estão enganando ela — resmungou.

— Ela já é bem grandinha para decidir com quem quer ficar. — Daniel falou, com uma leve ironia em seu tom.

Eliza o olhou, insatisfeita. Ele engoliu em seco.

— Ela não sabe com o que está lidando — prosseguiu, séria. — Mal conhece suas irmãs bruxas. É muito cedo para ela chegar a uma conclusão.

Em partes, Daniel tinha de concordar com Eliza. Ou totalmente, ela tinha completa razão, e concluiu isso depois de pensar com uns instantes. Os vampiros de Mikael não faziam nada sem um interesse por de trás, e com Nina não seria diferente. Precisava aconselhar logo ela, sabia que as bruxas não eram santas, e, apesar de criticarem os vampiros, eram semelhantes, infernais da mesma forma.

Daniel tinha menos de um dia para falar tudo para Nina, e mal sabia como começar. Pensou em pedir ajuda para Tália, mas, lembrou-se que ela também tinha os próprios problemas para resolver, principalmente naquela noite.

Andressa entrou pela porta, e ele agradeceu pelo refrigerante que ela trazia em uma das mãos. Quis ser um ordinário como ela, queria que sua única preocupação fosse apenas uma garrafa gelando na geladeira, ignorando o fato de ter um enorme fardo em suas costas.

***

— Por que devo ir com você? — Tati perguntou, indignada.

Já estavam a caminho do bar dos lobisomens, não muito longe dali. O ônibus andava rápido, cosendo facilmente o trafego nas ruas não tão movimentadas. Levi estava apoiado com as costas para se equilibrar, deixando as mãos livres para colocar nos bolsos.

Tati, por sua vez, estava sentada na cadeira para a pessoa de apoio ao cadeirante, o olhando de baixo. Ele conseguia ver, agora com a luz invadindo o veículo por apenas um lado, e se focando muito nos olhos dela, a escuridão que ali havia. As pupilas eram muito dilatadas, e o que restava era completamente preto. Sem cor alguma, apenas a escuridão que não combinava com a garota delicada.

— Porque você não deve ficar sozinha. — Levi olhou para ela e a mediu dos pés a cabeça. Nada nela podia remeter a um anjo. Não podia ser uma guerreira do céu, aquelas mãos de dedos tão pequenos nunca haviam pego uma espada antes, era impossível.

Tati fez uma careta, e revirou os olhos.

— Já vim para a terra dos homens algumas vezes. Sei como as coisas funcionam aqui.

— Não parece. Se eu não te desse uma roupa, você sairia de camisola. Chamaria muita atenção.

— É, talvez você tenha um pouco de razão — ela retrucou. Analisou de cima a baixo a roupa que vestia, a camisa larga que Levi havia lhe dado e a calça velha e surrada de Patrícia, que, depois de colocá-la com um sinto apartado, coube. — Os mortais são estranhos.

Um homem ranzinza passou por eles, e não pôde evitar o olhar curioso.

— Quanto menos você falar essas palavras dignas do paraíso, melhor — Levi disse. — os ordinários não conhecem muito sobre anjos, mal sabem que existem.

— Mas creem, isso já basta.

— Seja como quiser, apenas se comporte normalmente. Só não quero chamar atenção.

Tati cruzou os braços acima do peito, insatisfeita. Cerrou o olhar e o desviou para não encarar Levi. Concentrou-se na janela pelo resto do caminho. Juntos viram o cenário progredindo, os prédios baixos do meio da cidade aumentando aos poucos, os comércios populosos e as avenidas cheias de pessoas.

O ônibus fez uma curva brusca, e os dois ameaçaram cair, ao mesmo tempo. Levi conseguiu se segurar em uma das barras de ferro acima de si, mas Tati era pequena demais para isso. Teve que se segurar em Levi.

Ela gemeu baixo.

Ele a pegou pelo braço e a ajudou a se reerguer.

— Obrigada — agradeceu. Os cabelos caindo sobre a face faziam os olhos parecerem ainda mais escuros, Levi busca o brilho de agradecimento, mas não o achava. Não achava nenhum tipo de brilho nos olhos dela.

Ela continuou o encarando, curiosa e astuta. Levi tentou desviar-se do olhar dela, já estava incomodado. Sempre fora inseguro a respeito de garotas, mesmo que não tivesse nenhum interesse em Tati, ela o fazia lembrar desse desconforto. Viu quando ela enrugou a testa e mordeu o lábio, procurando algo em sua face.

— Algum problema? — indagou, ríspido.

Ela engasgou-se com a voracidade dele. Demorou alguns segundos para responder.

— Seus olhos — falou, tímida. — Os mesmos olhos do paraíso.

Levi ignorou o que ela disse. Não tinha cabeça para pensar sobre o céu e seus anjos, tinha os próprios problemas acumulados. O fato de ainda ter que explicar a Alex tudo o que havia acontecido nas últimas semanas ainda o atormentava por dentro, e rebatia toda hora em seus pensamentos. Ainda haviam seus pais, dados como desaparecidos, e Ian, imprudente, se arriscando com os vampiros. E agora Tati, um anjo que achara e mal sabia se era verdade. Ela poderia ser uma maluca qualquer, fingindo tudo aquilo.

— Os mesmos olhos de Miguel e Gabriel, de todos os anjos — ela continuava a falar, mesmo Levi não prestando atenção. Estava concentrado nas próprias complicações, mas não podia deixar de notar ela o fitando, com uma curiosidade inocente no olhar. — Como os meus.

Levi a olhou, desconfiado.

— Como os seus? — Levantou uma das sobrancelhas. Fixou nos olhos dela novamente, forçou a mente para desfazer qualquer que fosse o feitiço revestido ali. Sentiu uma dor aguda na parte frontal da cabeça, uma agulhada fina e precisa. A têmpora vibrou e sobressaltou. Um calor repentino passou por seu corpo. Não havia feitiço nenhum ali. — Mas seus olhos são pretos.

Ela o olhou, perplexa, como se ele tivesse a acusando.

— Não, não são. — rebateu, sólida e com certeza. — São como os seus, feiticeiro, olhos de anjo.

Tati virou abruptamente e se olhou na janela do ônibus, e, por mais que ela fosse transparente, depois de alguns segundos forçando a vista, conseguiu se ver. Apalpou o rosto, os dedos próximo aos olhos.

— Como não consegue notar? — Talvez porque eles não são azuis. Levi pensou, mas não respondeu. Não gastaria tempo tentando a convencer de algo que ela tinha total convicção. Apenas coçou o queixo, intrigado.

Certamente, havia algo de errado com Tati, ou com ele, apesar dele acreditar apenas na primeira hipótese. Sabia que não podia confiar totalmente em sua sanidade mental — afinal, há menos de um mês ainda tinha visões e memórias distorcidas por feitiços — talvez as magias tivessem algum efeito colateral. Em contrapartida, sabia que não podia confiar cegamente em Tati, ela, acima de tudo, era suspeita.

Apesar disso, ela ainda tinha razão. Feiticeiros só tinham olhos claros por sua descendência celestial, os olhos quase brancos funcionavam como as assinaturas demoníacas em bruxos. Todo feiticeiro tinha. Os anjos também tinham, diziam as lendas que tinham olhos que ardiam em fogo do paraíso, uma cor que cegaria qualquer homem. Levi poderia inventar tudo, mas, mesmo assim, nunca veria aquilo nos olhos de Tati.

Deu um passo a frente, preparando-se para descer.

***

— Certeza que é aqui? — Nina perguntou.

— Sim, pelo menos é o que diz no cartão — Ian respondeu, apesar de não ter a certeza que Nina queria.

Depois de saborearem tortas, Ian já ia levando Nina para casa, mas ela queria continuar andando. Disse que ficar em casa, como Mikael recomendara, desde o dia que ela chegou na cidade, era mais seguro. Pelas ruas, alguém poderia armar um ataque para raptá-la. Mesmo estando desarmado, Ian sabia que Nina era astuta o suficiente para se defender sozinha.

Ela fez questão de o acompanhar, e os planos de Ian para aquela tarde era comprar uma arma nova. Desde que sua última briga com os carniçais havia lhe custado uma de suas facas de caça, ele estava procurando por outra. Tinha, agora, apenas a machete de prata, que não serveria para outra desventura com carniçais, ou até mesmo com vampiros. Dias atrás havia achado nas gavetas da mãe, enquanto fuçava, um cartão de uma loja de artigos mágicos.

Estavam de frente a ela agora, ou o que parecia ser.

Demorou alguns segundos para entenderem que ela estava disfarçada com encantos. Logo estavam fitando um lugar completamente diferente. Uma enorme vitrine dava uma vista panorâmica do lugar.

Trocaram olhares desconfiados antes de entrar.

Um sino soou ao fundo, avisando a chegada deles.

O lugar tinha cheiro de pó, apesar de ser limpo e novo. Os balcões, talvez, tivessem uma idade considerável, levando em conta a escuridão da madeira. Mas os potes e estantes com livros eram todos polidos, encerados e bem cuidados. Tudo em seus lugares. Ian via exemplares de essências de demônio nas paredes. Vários tipos diferentes, cores escuras e sombrias. Pensou no imp que Solange pisoteou na sua frente, o quão repugnante era.

Nina levou a mão a boca quando viu em um aquário pernas de aranha, em um tamanho muito grande. Certamente, aquelas patas peludas não eram de uma aranha normal.

— É de uma bruxa — falou a garota que os abordou. — Ela morreu, nós pegamos. Existem pessoas que colecionam isso, ou acham uma utilidade.

Ian viu o nojo na face de Nina, estava ficando verde nos cantos do rosto rosado. Ela olhou com desprezo para a pequena garota de frente e eles, com seus cabelos que caiam em diversas tranças cheias de cor, e os olhos completamente num tom ciano. Tinha a pele negra, e traços muito bonitos, um sorriso encantador.

Ela reparou o olhar rígido de Nina. Apesar de não ter uma assinatura demoníaca, Nina ainda era uma bruxa. Poderia ser ela naquele tanque de água, sendo exposta para compradores excêntricos.

— Desculpem — disse. — Acho que fui bem mal educada. Permitam que me apresente. Meu nome é Liz. — Ela fez uma pausa, esperando que se apresentassem. Ian estava receoso, enquanto Nina apenas se segurava. — E vocês são o caçador de recompensas e a bruxa nova, certo? — Ambos a olharam com espanto. Nunca tinham se visto antes. — Me desculpem, acho que os assustei. As notícias correm, só isso.

— Fadas e suas fofocas. — Nina se adiantou. — Não deveria ficar impressionada.

Liz sorriu com o canto do rosto para eles. Era evidente que não havia ficado contente de ser chamada de fofoqueira, mas não queria os expulsar. Ian apenas pensava com seus botões. Então assim que eram as fadas. Nunca tinha visto uma antes, era o único infernal que faltava ver. Não tinha a mínima ideia de como tratá-la. Lobisomens eram grossos, em sua maioria, assim como ghouls eram ardilosos, e vampiros eram gananciosos. Todos as lendas sobre fadas as tratavam como seres delicados, Ian não via maldade naqueles olhos completamente coloridos. Liz era apenas uma jovem de quinze anos que regia uma loja no centro da cidade.

Ian não sabia do que as fadas eram capazes, e não queria descobrir da pior maneira. Já havia visto os olhares maliciosos, e via um sempre que olhava para a face quadrada de Mikael, vislumbrava a mesma ponta de sentimento por detrás dos olhos de Liz. Deu um passo a frente.

— Estamos procurando por uma arma — disse. — Uma lâmina.

Liz fez uma reação pensativa.

— Para matar o quê? Lobisomens?

— Tudo, de preferência.

— Impossível — balbuciou uma terceira voz na conversa. Atrás de um balcão de madeira, estava uma garota, apoiada e despojava. Os cabelos claros caiam até os ombros, e os olhos castanhos brilhavam à pouca luz. Ian e Nina se viraram, assustados com a aparição repentina dela. — Pode até tentar, mas não há elo que destrua tudo dentre o céu e o inferno.

Liz riu, sem graça.

— Helena, um dia você ainda vai matar nossos clientes. — Se virou para eles, para apresentá-la. — Essa é Helena, a minha sócia.

— Uma fada também? — Nina perguntou, séria.

— Não. — Helena negou, rapidamente. — Difundida.

— Menos mal. — Nina revirou os olhos.

Liz apenas ignorou

— Continuando. — Recuperou o fôlego. — Como Helena disse, não há nada que possa matar absolutamente tudo.

— Que seja. — Ian jogou as mãos para cima. — Apenas me dê o que você tem de melhor.

Liz sorriu para ele, e virou-se para buscar algo nos fundos da loja. Os três ficaram trocando olhares, Ian, Nina e Helena. A difundida olhava para ele, concentrada. Nina analisava um pote onde corpos de fadinhas estavam pendurados numa linha, e os cadáveres minúsculos pingando sangue, aos poucos. Ela se virou, enojada.

— Por que você tem raiva de fadas? — Ian perguntou.

— Não é raiva, é que fadas são traiçoeiras. Basta apenas um acordo e sua alma a pertence.

— Pode até ser. — Ian tinha de admitir. Nina estava certa. Além do mais, quem era ele? Não sabia nada sobre as fadas. — Mas acho que está julgando mal.

Helena interrompeu a conversa deles.

— Você — dizia em tom alto. — O caçador.

Nina olhou para Ian com espanto. Helena não parecia o tipo de pessoa com sua completa sanidade mental. As olheiras abaixo de seus olhos pequenos eram profundas e muito roxas, ela tinha marcas de amassado nas bochechas, talvez tinha acabado de acordar.

— Preciso que você faça algo para mim. — disse, não muito firme. Sua voz tremulava e seu hálito era de álcool puro. De perto, ela já podia ser vista como uma mulher com mais de vinte anos, amargurada, como realmente era.

— Desde que você pague. — Ian sorriu com o canto do rosto. — Faço qualquer coisa.

Ela suspirou e soprou contra a face dele.

— Podemos negociar. — sugeriu.

— Como?

— Veja, a lâmina que Liz irá trazer é muito cara, muito mesmo. Você não teria dinheiro para comprar. Se tivesse, não viria nessa loja xexelenta.

— O que você propõe, então?

— Só quero que você ache meu irmão. — Helena arrancou uma fotografia do bolso, junto com um papel. — Esse era o endereço dele, faz duas semanas que está desaparecido. Antes de sumir, ele disse que estava atrás de algo muito importante.

— E que coisa seria essa? — indagou. Podia ver uma faísca de atiçamento atrás dos olhos dela, ela sabia de mais coisa sobre aquele simples desaparecimento que falou.

— Coisa de bruxo, algo a ver com nosso clã e linhagem, não creio que seja interessante. Mas, se achar ele, acho que pode acabar com seus problemas com lâminas.

Ian pensou antes de dizer alguma coisa. Liz voltou, com algo em mãos. Era uma grande adaga de metal escuro, com runas entranhadas por todos os cantos. Escrituras anciãs caiam pela sua estrutura, como vinhas numa árvore. Ian a pegou, era leve e precisa.

— Era de um feiticeiro — Liz disse. — Feita para aniquilar qualquer demônio.

— Parece boa — comentou. — Vou levar.

— Vai precisar — a voz de Liz era vaga, porém tinha um objetivo ao certo.

Ian sentiu algo ruim no ar, o clima havia mudado de repente. As palavras anteriores de Helena ainda vagavam pela cabeça de Ian, o deixando pensativo. Agora Liz havia dito coisas assim.

— O que quer dizer com isso? — perguntou. Um reflexo o fez apertar os dedos ao redor do cabo, pronto para o pior dos males.

Liz percebeu, e olhou diretamente para a mão dele.

— Sua namorada vai precisar de proteção, e você também. Estão envolvidos com os vampiros, e provocando as bruxas, não sabem de nada mesmo.

— Se sabe tanto, por que não fala? — Ian indagou, rijo.

— Não adiantaria. Vocês não acreditariam. Já os avisaram, e vocês não acreditam. Eles são perigosos.

— E que infernal não é? — Ian soou sarcástico, quando só queria ser retórico.

— Eu poderia oferecer um acordo. Alguns favores seus, e você poderá descobrir sobre aqueles que o manipula, Ian.

A mente de Ian foi instigada pela fada. Liz sabia seu nome então, ela não era tão inocente assim. Mas o que ela ofereceu era uma proposta tentadora. Eliza e Mikael eram duas figuras cheias de segredos e atritos do passado.

— Vamos embora. — Nina o puxou até a saída.

O cenário da loja fechada e quase sem luz mudou-se completamente para uma rua de ladrilhos e agitada do centro da cidade. Liz logo sumiu de sua visão quando a porta se fechou. No meio daquelas sombras, os olhos de cores vibrantes dela eram a única coisa visível.

— O lugar estava cheio de pó de fada. — Nina reclamou. Tossiu algumas vezes em seguida.

Ian a encarou. Sentiu a garganta coçando e a diferença do ar a sua volta. Era menos denso, não carregava todo aquele clima pesado. O vento leve lhe tirava do transe aos poucos.

— Ela ia o fazer assinar um acordo com ela, cedo ou tarde. Nenhum ordinário resiste a droga de fada.

— Que safada! — Ian esbravejou.

— Todas as fadas são — resmungou. Ela o colocou de pé. A multidão ao redor deles parecia os ignorar, e não ligavam para o fato de Ian estar segurando uma adaga pontuda com vinte centímetros. — Está melhor?

— Sim — afirmou, ainda que parte fosse mentira. A mente ainda latejava por causa dos efeitos da droga, e sua visão ainda embaçava. Guardou a foto do irmão de Helena no bolso.

— Vai mesmo atrás dele?

— Talvez. — Se afastou de Nina e ficou de pé por si só. Olhou ao redor e encheu o peito com ar novo. — Já tenho problemas demais, não quero que elas venham atrás de mim porque eu não paguei isso. — Ian levantou a adaga, e a olhou com desprezo. — Além disso, Helena parece um bom tipo de pessoa, diferente de Liz.

— Você que sabe. — Nina suspirou, não aprovando a decisão dele. — Só não volte aqui.

— Pode deixar.


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Notas finais do capítulo

- Fiquem bem, e até a próxima



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