Ela cerrou os pulsos, calou-se por um momento. Em seguida, respondeu: — Meu tio.

— Seu tio? ... Você o chamou de carrasco antes, não foi? O que ele te fez de tão ruim?

— Por que está fazendo isso?

— Fazendo o quê?

Ela virou-se para ele: — Por que está tentando ser gentil? Por que você finge tentar entender? Isso não tem nada a ver com você, nem nunca vai ter. Por isso as pessoas não ajudaram sua família, por isso eles morreram: As pessoas não ajudam outras pessoas, elas fingem querer ajudar, quando querem algo de você. – Levantou-se. — E você? O que quer? Bancar o herói compreensivo pra satisfazer seu ego? Desculpe, comigo não. – Ela embolou o casaco e o jogou violentamente em cima do jovem.

Ele o pegou e dobrou de forma desajeitada entre os braços, levantou-se deixando as sacolas no chão, e respondeu:

—Você mente.

— O quê? – Ficou confusa. — Eu não contei nenhuma mentira, se você quer se enganar...

— Não falei de mim, falei de você. – Ele tomou postura, estava sério. — Você ataca as pessoas quando sente que alguém quer se aproximar, porque tem medo que as pessoas te machuquem. Você mantém essa falsa força, se coloca num pedestal e finge pensar que é inalcançável. É tão doloroso assim para você? Aceitar que é frágil, que tem coração? Tentar atacar outras pessoas para esconder isso não é uma boa estratégia.

A menina com os cabelos curtos arregalou os olhos, era como se estivesse sendo lida. Um livro que pudesse ser lido a interpretado de várias formas e com várias palavras, que deveria permanecer fechado. E ela estava ouvindo uma nova versão naquele momento. Era frustrante. Era frustrante como ele pôde fazê-lo em poucos minutos, era frustrante como ele pôde decifrar de forma tão clara. Era irritante... Ele era irritante.

— Eu... Eu não vou discutir isso com você. Você é o único frágil aqui. – Ela cerrou os pulsos. Seu tom de voz aumentava gradativamente. — Você conta coisas dolorosas para pessoas que mal conhece, é como entrar nu em um palco. E tudo isso por quê? Porque você quer parecer bonzinho? Ou porque quer parecer que sabe de tudo? Você é só mais um. E no final, esses seus ideais altruístas não vão passar de uma máscara bem decorada pra esconder um ego inflado. – Ela se virou, como quem iria embora. — Você é deplorável...

— Tem razão, eu quero satisfazer meu ego. – Ela não esperava que ele concordasse, isso atiçou sua curiosidade e então, ela interrompeu o nem-meio-passo que tinha dado. Ele continuou. — Eu quero tentar ser alguém que os outros não foram. Minhas segundas intenções são comigo mesmo, com meu orgulho e com meu ego. Eu sinto que vou me sentir melhor ajudando, então eu busco isso.

— Então você admite que desde o início não o fez por mim, e sim por você? – Ela não se virou, continuou falando enquanto estava de costas, sua voz agora estava mais calma, mais fria.

— Sim, eu fiz por mim. Como todo ser humano, eu também sou egoísta. – Ela começou a caminhar para frente: — Eu vou embora...

Ele segurou seu pulso.

— E você não deveria aproveitar este seu egoísmo também? Como um bom ser humano podre que você também é, por que não se aproveita da boa vontade dos outros? – Ele sorriu.