Insidious escrita por Bah


Capítulo 9
A Gruta - Revelações




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Entrei no quarto de Oliver e vi que ainda não havia decidido se achava pior a versão que gritava, ou a prostrada e alienada em cima da cama. A boca entreaberta, as pálpebras pesadas lutando contra os efeitos do remédio.

—Oliver? _ Peguei sua mão.

—Não me chame assim, por favor...não agora.

Ele se esforçava para falar, as pálpebras perdiam a luta.

—Eu estou cada vez mais longe, Cici...

—Não, meu amor, não está.

Me deitei ao seu lado, puxei a coberta em cima de nós e fiquei um tempo observando cada detalhe de seu rosto. Apesar da aparência nada saudável, parecia um anjo inocente enquanto estava inconsciente. Tentei imaginar uma realidade diferente para nós, vê-lo apenas com o homem que eu amo dormindo, cansado após um dia de trabalho. Tentei imaginar que logo acordaria e me encheria de beijos, e então faríamos amor a noite toda. Tentei, mas não consegui...

—Alicia, Peter está ficando inquieto. _ Disse Margareth em um sussurro na porta, enquanto olhava preocupada para meu irmão, que corria por todos os lados.

Enxuguei as lágrimas que desciam e vesti o melhor sorriso que consegui.

—Obrigada por tomar conta dele, Margareth.

Ela assentiu e foi em direção à cozinha.

—Peter, querido, venha aqui.

Ele se aproximou.

—Onde está a borboleta agora?

E então levou apenas um dedinho na boca, me pedindo silêncio.

...

Achei que seria mais saudável para todos que Peter fosse para casa. Eu mal aguentava a energia daquela casa durante a noite, ele não passaria por isso. Lilith o recebeu na porta e disse que tudo voltara ao normal. Eu duvidava muito, já que a hipocrisia cobria qualquer sinal de autenticidade naquela casa. Deixei-o, mesmo que com o coração do tamanho de uma ervilha, e voltei para a segunda pessoa que mais precisava de mim.

Abri a porta da mansão e fiquei surpresa ao ver Oliver na sala de estar. Folheava um livro no sofá, como se essa fosse parte da rotina. Seus olhos saltaram dos livros para meus olhos assim que entrei.

—Oliver? O que faz aqui em baixo?

—É muito bom te ver também...vamos até a praia?

Aquela não era, nem de longe, uma cena ruim de se presenciar, mas eu não a esperava tão cedo.

Sua pele era ainda mais branca perto de móveis com cor, perto de uma vida de verdade. Era como se fosse de outro mundo, fazendo apenas uma visita.

—Eu adoraria ir à praia com você. _ Tentei soar natural.

Ele se levantou, jogou o livro no sofá e me deu um beijo apaixonado enquanto apertava minha cintura.

—Você...você está se sentindo bem? _ Perguntei assim que me libertei de seus lábios vorazes.

—Eu pareço bem?

—Bom, sim, mas...

—Ótimo, então vamos.

Me puxou pela mão com um sorriso no rosto. Usava calças e um casaco preto com capuz, como sempre.

—Oliver, nem estamos vestidos apropriadamente!

—"Nem estamos vestidos apropriadamente!" _ Me imitou fazendo uma voz fina e teatral.

E então, por um momento, esqueci Margareth, Hill, a mansão, a fotofobia e até de mim mesma. Tudo o que eu queria era eternizar aquele momento: os cabelos de Oliver quase desbotados, já revelando o loiro, sacudindo enquanto corria, o sorriso de satisfação e liberdade em seu rosto.

Nos sentamos na areia, ele acendeu um cigarro, vestiu o capuz e evitava olhar para cima. Deitei a cabeça em seu ombro.

—Então agora é um encontro? _ Perguntei.

—Você quer que seja um encontro?

—Vamos fazer o que pessoas fazem em encontros? Falar sobre futilidades e tentar impressionar um ao outro com talentos que não temos?

—Bom, se vamos fazer isso, permita-me começar...

—Vá em fente!

—Bom, senhorita Mitchell, espero que goste de arte, pois passo maior parte do meu tempo desenhando e treinando meus ouvidos musicais apurados com músicas depressivas que com certeza estão no topo da playlist de garotas de dezesseis anos. Gosto de cozinhar, mas as pessoas me mantêm afastado da cozinha desde que cortei minhas pernas com a faca de cortar carne. Não podem me culpar...era de cortar carne, oras! Ninguém me explicou que se tratava do boi, não da tira de pele mais acessível.

—Que mórbido! _ Disse dando um leve soco em seu ombro.

—Você está rindo, é tão mórbida quanto eu.

—Talvez eu seja...

—Não, não é. _ Sua expressão leve mudou. Não era algo amedrontador, só não pude desvendá-la.

—Não sou?

—Você é luz, Cici. É luz e sempre será. Eu sou treva, e sempre será assim também. Jamais deixe portas abertas em seu coração, não permita nunca que a escuridão entre.

—Mas você também é luz, Oliver!

—Não. Eu sou bem diferente de você. _ Soltou a fumaça do cigarro e o apagou na areia _ Eu estou apodrecendo de dentro para fora, todos os dias, mas principalmente todas as noites. Sou egoísta, você vive em prol de todos, menos de si mesma.

—Você sabe que o passado não muda o que sinto por você no presente, não sabe?

Ele me puxou para mais perto e colou o lábio em minha testa.

—Por que não diz realmente quem você é? Já me abri, contei meus medos e segredos mais sujos e perturbadores e em troca só ganho sarcasmo. Não sei absolutamente nada sobre você.

—Está ficando frio aqui e minha pele começou a arder. Vamos entrar?

Antes que eu pudesse protestar, levantou-se e me ofereceu a mão.

—Já chega, Oliver! _ Disse enquanto me levantava, ignorando sua ajuda.

—O quê? _ Pareceu surpreso.

—Eu não posso me submeter a todas as suas vontades. Nunca foi assim, com você não será diferente.

—Bom, tudo bem, se quer ficar aqui, ficaremos aqui.

—Não seja cínico...não se trata da praia.

—Então você podia facilitar para mim, parar de gritar e me explicar o que fiz de errado.

—Só quero que pare de se esquivar quando pergunto do seu passado, quando pergunto algo sobre você!

—E por que a porra do passado importa tanto? Por que não pode se contentar comigo, aqui e agora? Com quem eu sou pra você?

—Droga, Oliver! Pare de distorcer as coisas! Não se trata de contentamento. Só não consigo lidar com toda essa dor que você guarda por dentro! Você não está sozinho, não precisa estar. Não consigo derrubar esse muro que você ergue e isso está me matando. Não sou burra e isso que você faz é me subestimar. Acha que pode me ignorar toda vez que eu fizer uma pergunta?

—Bom, então por que não me pergunta exatamente o que quer saber?

— Com que propósito? Sei que você dará um milhão de voltas, encherá minha cabeça com filosofia barata, fugindo do ponto principal. Isso, é claro, quando não é um objeto que acerta minha cabeça e me deixa inconsciente quando chego perto de respostas.

—Eu te amo, é isso que importa. _ Disse me puxando para perto.

—Me solta, Oliver. Isso também não vai mais funcionar. _ Me desvencilhei, por mais que isso doesse

—O que espera que eu faça? Não se esqueça de que você trabalha aqui, não lhe devo satisfações nem explicações do passado.

Mal pude acreditar no que ouvi, senti repulsa. Andei pela areia, na direção contraria à casa. Depois que dois relâmpagos cortaram o céu e alguns estrondos me deixaram sem fôlego, a chuva caiu com força. Ele não se importou, continuou parado no mesmo lugar, a respiração ofegante, apertando os olhos para me ver em meio ao temporal enquanto me afastava. Decidi parar de olhar para trás.

A blusa grudava em minha pele, a areia chicoteava minhas pernas, entrava em meus olhos. Eu queria voltar. Não sabia nem ao certo para onde estava indo. Nunca havia alcançado aquela parte da praia. Xinguei Oliver em meus pensamentos um milhão de vezes, talvez até tivesse realmente dito em alto e bom tom.

Cretino! Cretino! Cretino!

Ele devia ter me seguido, devia ter feito com que eu mudasse de ideia, retirado toda a merda que disse. É o que pessoas apaixonadas fazem, não?

Vi minhas preces serem atendidas ao me deparar com uma gruta. Não aguentava mais a pressão do vento em meus ouvidos.

Apoiei a mão em uma das pedras e entrei na escuridão. Cuspi a areia que estalava em meus dentes e sentei. Podia ouvir o eco da minha própria respiração, da água pingando. Ao olhar em volta, cheguei à conclusão de que não sabia se era pior estar na chuva torrencial, ou do lado de dentro.

Respirei fundo algumas vezes e comecei a cantarolar uma música qualquer. Não fazia ideia da hora, só tinha a certeza de que ainda não anoitecera. O tempo piorava a cada minuto que se passava e as sombras quase me cegavam por completo. Tinha esperanças de que alguém me encontrasse antes do amanhecer, mas sabia que o frio não me permitiria esperar até lá.

Cantarolava cada vez mais alto para espantar o medo, mas um movimento na água me fez gelar.

—T-tem alguém aí? _ Perguntei debilmente.

E então o barulho se repetiu.

—Oliver?

Peguei uma pedra e segui para o fundo da gruta, tateando as paredes para me localizar.

—Quem está aí?

Pisei em falso algumas vezes, vez ou outra sentia as pedras cortando minha pele.

—E-eu estou armada! Apareça!

Me sentia ridícula. Segurava a pedra com força.

Soltei um grito de horror quando o mesmo barulho se repetiu bem perto de mim. Joguei a pedra sem nem mirar, e só então percebi que se tratava de um peixe. Se debatia na água rasa, tentando voltar para o mar.

—Caramba, amigo, você me assustou!

Suspirei de alívio e joguei meu corpo tenso contra a parede. Ao fazê-lo, um das pedras caiu, revelando um buraco, como se estivesse sido colocada lá propositalmente. A pouca luz que o sol irradiava, trouxe um fleche para dentro da escuridão. Semicerrei os olhos e pude jurar ver desenhos na parede oposta. Aproximei-me para ter certeza e não soube ao certo o que pensar. Começava com vários pauzinhos, como aqueles feitos por presidiários que contam os dias e anseiam por liberdade. Havia vários deles e último estava circulado, como se o grande dia finalmente houvesse chegado.

Olhei um pouco mais para o fundo, até a onde a luz alcançava e cobri o rosto rapidamente com ambas as mãos, como se quisesse apagar aquelas figuras da minha mente. Havia corpos, sangue, muita dor e sofrimento naquelas paredes. Vi perfeitamente o rosto da senhora Hill desenhado em uma das pedras, porém, com buracos sangrentos no lugar dos olhos. Vi algo fincado em meio a imagem. Encorajei-me e forcei meus olhos para ver do que se tratava. Uma unha, inteira, ainda coberta de sangue seco.

Gritei o mais alto que pude, dei alguns passos para trás e acabei caindo. Senti a ponta de uma das pedras na lateral de minha cabeça, o sangue quente escorrendo. De repente era difícil respirar, tudo ficava cada vez mais escuro, eu tentava falar, mas nenhum som saía. Me rendi e deixei que meus olhos se fechassem.

...

—Ela está acordada? Está reagindo?_ Ouvi a voz de Oliver.

As imagens ao meu redor estavam embaçadas, as vozes ainda abafadas, como se estivessem debaixo d'água. Pela iluminação pude deduzir que estava dentro da mansão.

Vi Margareth segurando seu terço na beirada da cama, Oliver andava de um lado para o outro e alguém mexia em minha cabeça. Algo espetou-me com força.

—Ai!

Minha reclamação trouxe todos para cima de mim. Oliver segurou minha mão enquanto Margareth acariciava minha canela.

—Meu amor, por favor! Você está bem? Consegue me ouvir?

Tentei falar, mas as palavras saiam inaudíveis e enroladas.

—Eu disse que ela ficaria bem. _ ouvi a voz do Dr. Velázquez _ Não que eu me importe, mas acredito que se eu a deixasse morrer nunca teria paz.

—O senhor já fez o seu trabalho, pai, saia daqui antes que eu pule em seu pescoço.

Não sabia se meus ouvidos haviam me enganado, se meu cérebro estava confuso demais, mas pude jurar ouvir Oliver chamá-lo de "pai".

—Meu amor... _ Oliver sussurrou perto de meu rosto _ você vai ficar bem, levou alguns pontos. Me perdoe, por favor, me perdoe, é tudo culpa minha...eu nunca quis dizer nada daquilo! Quando eu te vi inconsciente, tinha...tinha tanto sangue! Eu pensei ter te perdido para sempre.

Suas lágrimas molhavam minha testa. Pensava em algo coerente para dizer, mas somente uma frase preenchia meus pensamentos. Somente uma poderia acalmar Oliver e meu coração.

—Eu te amo.

Sua reação foi quase infantil. O choro se cessou e um soriso brotou em seus lábios, embora as lágrimas continuassem a cair. Olhou para Margareth, como se quisesse ter certeza de que ela também ouvira o que eu disse. Enxugou o nariz e as lágrimas na manga do casaco e deitou a cabeça em meu peito.

—Me perdoe...por tudo.

Acariciei seus cabelos e ele afundou o nariz entre meus seios. A respiração entrecortada pelo choro.

—Minha boca está seca.

—Margareth, por favor, traga um copo d'água para ela.

O quarto finalmente começara a tomar forma, mas os pensamentos não ficavam claros ou racionais. Sentei-me na cama com a ajuda de Oliver, a cabeça latejou.

—Oliver, eu estou tão confusa...o que aconteceu com a minha cabeça?

—Você não se lembra de nada?

—Não, parece que parte das minhas memórias foram apagadas. São lembranças soltas: A praia, você apagando o cigarro na areia, seus olhos, seus cabelos sacudindo com o vento e...alguns gritos, acho que nós dois brigamos. Nós brigamos?

—Sim, por que eu fui um idiota. E então você ficou com raiva, saiu correndo no temporal e...

—E?

—E caiu. Acabou batendo a cabeça em uma pedra.

—Simplesmente caí? Mas que droga, não sirvo nem para fazer uma saída triunfal depois de uma briga.

Ele pareceu aliviado.

—Estou tão feliz que esteja bem...

—Bem, se tem algo em que sou ótima é em sobreviver. Sou uma sobrevivente nata.

—Então achamos um ponto em comum.

Ele se enfiou debaixo das cobertas e eu me deitei em seu braço. Estávamos molhados, mas eu não podia estar em lugar mais reconfortante.

Oliver estava fora de sua torre e nós agíamos como um casal normal (até brigávamos como tal) e tudo parecia bem, mas, ao contrário de como pensei que estaria quando este dia chegasse, algo me angustiava, como se me sufocasse. Algo não estava certo, e mesmo que estivesse feliz, querendo que aquele dia nunca acabasse, estava decidida a encontrar a falha. Talvez estivesse dentro de minha cabeça, junto às memórias perdidas e eu só precisasse alcançá-la. Eu a recuperaria e não mediria esforços para isso.


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