Insidious escrita por Bah


Capítulo 10
Visões




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A mansão estava escura, chamei por Margareth, Oliver, mas tudo o que ouvia era meu próprio eco. Algo que pareceu ser um lamento chamou minha atenção.

Kimberly Hill estava bem no meio da sala, único cômodo parcialmente luminado e ainda assim mal podia enxergá-la no breu. Ao aproximar-me, vi que usava uma camisola branca manchada de sangue, os cabelos grudados no rosto suado, agonizando enquanto o Dr. Velázquez tocava sua barriga proeminente.

—Vamos! Empurre!

A quantidade de sangue era anormal, grotesca, preenchia o piso e só parou ao alcançar meus pés descalços.

Os gritos se cessaram, toda a iluminação se foi.

—Senhora Hill? _ Chamei tateando o vazio, quase escorregando no chão ensanguentado.

E então ouvi o choro agoniado de um bebê. Tentei seguir o som, mas não foi necessário. Uma luz se acendeu como um holofote, apontando para um pequeno pacotinho branco no chão. Aproximei-me devagar, a respiração acelerada, o choro ficava cada vez mais estridente. Virei-o para ver seu rosto e o choro se cessou. Não havia nada.

Virei-me rapidamente quando uma mão ensanguentada tocou meu ombro. Senhora Hill.

—Pode ficar com ele, nasceu quase morto.

Olhei novamente para a manta que agora não estava mais vazia. A cabeça de Oliver sangrava nela, fora do corpo, mas os olhos ainda piscavam. Tentou me dizer algo, porém apenas sangue saiu de seus lábios.

Gritei o mais alto que pude, e então acordei.

—Margareth! Margareth!

Ela apareceu em menos de dois minutos, enxugava as mãos no avental, o olhar preocupado.

—O que foi, menina?

Eu não conseguia parar de chorar, não dizia uma palavra. Ela me abraçou, cantou uma canção de ninar.

—Foi apenas um sonho ruim... _ Repetia.

Quando finalmente me acalmei, toda minha cabeça latejava e eu não queria nem sequer pensar em levantar. Olhava um ponto fixo no teto, esperando a dor passar.

—Vou preparar um chá, se sentirá melhor.

Segurei seu braço antes que se levantasse.

—Margareth...algo não está certo. _ minha voz vacilava _ Depois que bati a cabeça essas...essas visões não me deixam em paz. Tem algo, tem uma peça faltando e Oliver sabe! Por favor, diga aonde me acharam.

Ela voltou a se sentar, segurou minha mão, havia piedade em seus olhos.

—Tente descansar. Está confusa, o ferimento foi fundo.

—Eu já descansei demais. Onde está Oliver? Por que não estava aqui quando eu acordei? Sei que ele teria ficado comigo. O que aconteceu? Ele está bem?

—Querida, ele...

Oliver apareceu na porta e Margareth pareceu surpresa em vê-lo, mas não disse nada. Ele apoiou no batente e sorriu para mim, tentava sustentar leveza em sua expressão, mas estava horrível, parecia morto.

—Pode ir, Margareth, eu fico com ela.

A mulher tentou protestar, mas ele negou com a cabeça e ela se retirou.

—Eu estou tão confusa...

Ele se deitou na cama e puxou minha cabeça contra seu peito, o melhor lugar do mundo inteiro para mim.

—Sabe, amor...tem algo que aprendi sendo uma aberração.

—Pare, Oliver, você não é uma aberração.

—Apenas me escute...

—Onde eu estava? Onde me encontraram? Por que fico sonhando com essas coisas?

—Disseram que você está confusa. É o que dizem para mim também. Você está fazendo o completo oposto ao que deve ser feito.

—Do que você está falando?

—Quando alguém insinuar que você está ficando louca, não aja como uma, não faça como eu. As perguntas frequentes e frenéticas fazem com que você perca a credibilidade.

—O quê? Eu não sou louca!

—Eu sei que não! E você também sabe. Mas eles não. Guarde as visões para você, é o que te mantém respirando nesta casa.

E num impulso que não pude compreender, me levantei e lancei minha mão contra seu rosto com toda a minha força.

—Eu não sou você, Oliver.

Levantei cambaleando, bati a pélvis no criado mudo e tentei me afastar, a visão embaçada. Ele se levantou e tentou me deter.


—Alicia, eu...

—Fique longe de mim! _ Empurrei-o com o pouco de força que tinha.

Para a minha surpresa, ele se desestabilizou. Pressionou a lateral do abdome, gemeu e simplesmente caiu.

—Oliver! Oliver, fale comigo.

Corri em sua direção e segurei sua cabeça em meu colo.

—Margareth! Margareth! Alguém me ajude, por favor!

Margareth apareceu rápido demais, pude jurar que estava escutando atrás da porta. Enfiou a típica agulhada em sua perna e levou Oliver para longe de mim.

Fiquei sentada no chão, não tinha certeza de mais nada. Há algumas semanas, tudo o que eu queria era abraçar Oliver e fazê-lo sentir seguro, e agora não sabia como proteger a mim mesma.

Um zumbido preencheu meu crânio e se instalou em meus ouvidos. Tampei-os e tentei gritar, mas minha voz não ficava mais alta que o barulho. Estava prestes a desmaiar quando tudo foi embora. Abri os olhos e não reconhecia mais a mobília, paralisei ao notar meus pés na areia da praia. Gritos ecoavam ao longe e tudo o que eu via era uma gruta um tanto familiar. Caminhei até ela, apressava o passo conforme me aproximava, o céu, antes limpo, se tornara escuro, as nuvens carregadas, em uma fração de segundo e a tempestade que caiu sem aviso prévio me fez perder o rumo. Não sabia se a gruta ficava à direita ou esquerda, o zumbido aumentava em meus ouvidos, ficava difícil respirar.

—Pare de resistir. _ Ouvi a voz de Kimberlly.

—Jamais. _ Foi o que consegui dizer.

Consegui tocar uma das pedras da gruta e já adentrava a escuridão quando tudo se foi bem em frente aos meus olhos. Me vi agarrada ao pé da cama, Margareth tentava me conter e abafar meus gritos. Pararia de resistir por vontade própria, mas a mesma agulha que atingia Oliver todos os dias foi enfiada em meu braço. As pálpebras ficaram pesadas demais, assim como todos os meus membros. Fui tomada pelo cansaço.

...

Acordei tossindo, com o coração acelerado, despertava de um sonho ruim. Um entre tantos. A voz de Oliver me acalmou. Estava sentado ao meu lado, acariciando meus cabelos.

—Eu...

—Você vai sentir um pouco de enjoo, é normal, tome isto.

Ele apoiou o balde nas minhas pernas na hora exata. Vomitei mais do que julgava possível. Me sentia fraca, os lábios ressecados.

—Me desculpe, mas eu não posso ficar, Oliver. Estou vendo coisas, não consigo mais diferenciar realidade de fantasia e...

Eu tentei dizer mais, mas o choro entalado há dias saiu incontrolável. Ele me abraçou e aconchegou minha cabeça em seu peito.

—O que ela fez comigo? Por que me sedou? _ Perguntei assim que me julguei capaz.

—Você estava delirando. _ Disse calmamente alisando meus fios.

Me soltei de seus braços.

—Mas eu não sou nenhuma paciente de hospício, trabalho aqui, não preciso de medicações.

—Você é uma hipócrita, Alicia. _ Disse pegando-me de surpresa.

—Como é?

—O que aconteceu com o "as melhores pessoas são assim"? A esquizofrenia  não é tão romântica quando você é a louca, não é? É muito fácil dizer para o garoto incompreendido que tudo ficará bem, que ele não é o que as pessoas dizem, isso todos fazem, todos são médicos, mas ninguém quer ser o paciente, não é um papel muito divertido.

Percebi, tarde demais, que estava fazendo o oposto do que deveria, estava sendo a pessoa que antes eu julgava. Estava chamando Oliver de louco.

—Na-não é o que eu quis dizer...

Estava preparada para o momento em que ele sairia batendo a porta, me deixando sozinha, apenas com minhas perguntas sem respostas, mas tudo o que ele fez foi deitar-se ao meu lado e segurar a minha mão contra seu peito.

—Não resista. _ Disse em um sussurro.

—Tenho que voltar ao trabalho, Oliver, já fiquei dois dias inteiros deitada nessa cama tendo pesadelos e gritando, para mim já chega, preciso me ocupar e...

—Meu amor...

Sua expressão de piedade me fez gelar.

—Sim?

—Você já está assim há exatas duas semanas. Só levanta para tomar banho. Margareth ficou contigo algumas vezes e, em cinco delas, você desmaiou.

—O quê?! Não brinque comigo, não tem graça. O incidente da praia, eu caí ontem e...

Me lembrava dos dias enquanto defendia minha versão. Não consegui sustentá-la por muito, já que o modo como passei as semanas vinha em flashes. Lembrei-me de quando derrubei a comida que Margareth trazia, das noites sem dormir e de parte das visões macabras. Cambaleei com um mão na testa, toda a informação vinha rápido demais. Oliver me segurou.

—Preciso ir embora. Você está outra pessoa, não se parece em nada com o cara que conheci quando cheguei nesta casa.

—E isso é bom?

—Não, isso é maravilhoso. Não tem mais ataques, não se machuca...

—Tudo graças a você, Alicia. Você não pode ir embora agora, não quando é a minha vez de cuidar de ti.

—Não sou paga para ficar deitada e dar mais despesas, Oliver, preciso me recuperar, procurar um médico, um médico de verdade, não esse cara que vocês enfiaram dentro de casa, ele não é o único que existe, sabia?

—Não precisa ser ríspida, não estou te forçando a ficar, só estou pedindo. Fique comigo, por favor.

Sua expressão não dizia nada, mas o brilho ansioso em seus olhos denunciava sua angústia. Eu não podia deixá-lo.

—Tudo bem, só preciso ver minha família.

Seu olhar ficou vazio enquanto mordia o lábio.

—Eu vou voltar.

—Confio em você. _ Disse sem muita convicção.

Levantei-me e vesti a primeira blusa e a primeira calça que vi, abracei Oliver por longos minutos e respirei o ar fresco do lado de fora da casa.

Não queria ficar mais um minuto alí, mas ainda tinha muito o que viver ao lado de Oliver e muito o que agradecer a Margareth.

Não queria ir para casa e permitir que meus irmãos me vissem naquele estado deplorável. Decidi andar por aí. Passei tempo demais cuidando de outros e então decidi que era hora de cuidar de mim.

Tirei os sapatos e pisei na grama verde, olhei diretamente para o sol, tomei um café na lanchonete mais próxima. Sentei-me no banco de uma praça e tentei pensar na palavra "lar". Não me conformava em associá-la a um lugar escuro e quase sem calor humano e não ao lugar com pessoas que, apesar de seus defeitos, certamente me amavam.

Talvez meu lar não fosse uma casa.


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