2. CULPA

Sempre soube que não daria certo. Argh! Como pude me deixar enlouquecer tanto com a idéia? Como pude? Ainda assim, o sentimento de satisfação chegava a se impor ao ódio que eu sentia de mim mesmo.

Carlisle tinha me explicado, havia muito tempo, que cada ser de nossa espécie preserva consigo alguns desejos humanos, mesmo que em desigual intensidade. Isso agora era questionável. Se fosse eu humano, poderia sentir tanto desejo e urgência por Bella, como sentia na condição de vampiro?

Eu havia gostado. Muito. Queria fazer tudo de novo e não tinha esse direito; não diante às terríveis conseqüências da noite passada. Mesmo sabendo que havia uma gigantesca possibilidade de ver tudo se findar da maneira errada, eu permiti, me deixei levar pelo fogo de nosso amor. Fui estúpido... Aquilo não fazia parte do trato! Não mesmo...

Eu queria me matar, me jogar de um prédio alto, me afogar no mar, ou saltar de encontro a um precipício. De fato, era o que eu merecia...

Queria ao menos ter essa chance real de autodestruição, como um humano qualquer quando desiste de viver. A verdade é que eu nunca desejara tanto a morte em minha vida. Nunca. Nem mesmo quando pensei que Bella tivesse morrido, porque daquela vez, embora eu também tivesse a minha parcela de culpa, não era a mesma coisa. Não tão diretamente assim, tão deliberadamente... E, sobretudo, naquela vez, eu ainda tinha a certeza de que vampiros impiedosos acabariam comigo em meio segundo; e saber disso, esperar meu iminente fim, bastava-me tanto que diminuía o sofrimento.

Agora, porém, era muito diferente. Embora houvesse o desejo, a morte não se consumaria jamais.

Bella estava aqui, em meus braços, machucada, ferida e sabe-se lá por que ainda não havia acordado, gritando, revendo toda a sua prévia concepção do amor irracional que ela afirmava sentir por mim. Seria o sono indolor? Faz tanto tempo que nem me lembro...

Corri os olhos pelos machucados no corpo de Bella, que agora ganhavam uma coloração arroxeada.

Ela dormia tão indefesa enquanto a madrugada agredia meus pensamentos como uma faca de ponta afiada. A cabeça recostada em meu peito; o corpo singelo, quente e lindo repousava suavemente sobre mim: a doentia criatura. A criatura impotente diante seus desejos íntimos de destruição particular.

O leão escapara ileso. Como sempre, o leão vencera.

E como se essa constatação me ferisse mais do que qualquer violência física, fechei os olhos para tragar a dor silenciosa que percorria minha cabeça, dando voltas aflitas por meus pensamentos. Cada terminação nervosa de meu corpo se arrepiou em uma agonia inquieta.

Não podia haver no mundo, naquele instante, alguém que se detestasse tanto quanto eu. Era um sentimento confuso. Eu havia convivido com meu eu egoísta durante décadas. E sei que esse Edward não valia à pena; era um ser sem valor, que não gostava nem de si mesmo, que nunca havia encontrado um sentido sólido para sua existência.

Bella me ensinara a amar. Amar de um jeito enlouquecedor, maravilhoso e verdadeiro. De um jeito tão profundo que chega até doer. Amá-la com tanta intensidade, havia ajudado a florescer algo maravilhoso dentro de mim. Das cinzas, surgira um novo Edward, mais compassivo, sentimental, mais humano... Essa nova criatura era bem melhor e senti-la agora se esvaindo de mim como fumaça, era extremamente torturante — a recompensa merecida, ainda que em demasiada desigualdade diante à gravidade dos males provocados. Mas já era alguma coisa...

— Durma, minha Bella... Durma. Pois enquanto dorme, ao menos não sente dor alguma, ao menos não me odeia.

Acariciei delicadamente seus cabelos escuros. Depois toquei a testa e deslizei os dedos até as têmporas. A pele quente era tão agradável... acolhedora. Bella não merecia... Tão pequena, frágil, tão linda.

Recostei o pescoço na cabeceira da cama, pensando no dia seguinte, no dia da realidade inescapável. Tudo poderia mudar quando ela acordasse.

Tudo ganharia um sentido diferente.