Um Conto de Seis Trilhões de Anos escrita por Lady Bellemare


Capítulo 2
Última Noite


Notas iniciais do capítulo

Consegui pensar num nome, yeey! Ia postar ontem mesmo, as a internet se recusou. Oh well
.
Estou um pouco insegura quanto ao estilo de escrita porque é bem diferente do que eu costumo escrever @.@ Mas espero que gostem.
.
Legal como essa imagem que eu achei na internet combina perfeitamente com meu dragãozinho lindo. Escrevi antes e quando procurei por imagens achei essa. Serviu como uma luva! *u* (é, a marca no rosto dele é verde (apesar de ser mais para verde-água), embora não tenha falado isso em nenhum momento).
No demais,
Boa leitura!!



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Seis.

Aurora fitou, distraída, o risco branco que acabara de fazer na parede usando uma pedra que encontrou solta sob o catre. O objeto afiado escorregou por entre seus dedos e bateu no chão de terra com um barulho abafado. Pouco se importou; eram poucas as coisas que a abalavam depois de tudo pelo que passou. A “roupa” suja e maltrapilha que vestia não a incomodava; o cheiro azedo e amargo com toques de mofo e suor não a incomodava; o colchão duro no qual se deitava todos os dias não a incomodava.

As barras brancas riscadas na parede a incomodavam.

As barras de metal às suas costas também a incomodavam.

E aquela data.

Naquele dia completavam exatos 183 dias – seis meses – que estava presa.

Como sempre acontecia quando Aurora se pegava pensando muito sobre suas circunstâncias – e as de outro alguém – seus olhos ficaram mais húmidos do que deveriam. Sua visão embaçou.

Mas ela não podia chorar. Por isso nem uma única lagrima caiu.

A aproximação do guarda cortou seus pensamentos. O aroma de comida se sobrepôs aos outros cheiros e fez a boca da adolescente salivar. O alimento da prisão não era muito bom, mas ela estava faminta. Sempre estava faminta naquele lugar.

Por isso, quando a jaula foi aberta, Aurora esperou pacientemente até a bandeja ser depositada no chão e a grade fechada novamente para se mover, caindo de joelhos e devorando sem sentir o sabor. Completamente diferente dos seus primeiros dias, nos quais tentava escapar cada vez que a chave era girada e uma pequena fresta aberta e recusava toda e qualquer comida.

Não se revoltava mais.

Havia aceitado seu destino.

Ainda não aceitava seu crime.

***

Noite do mesmo dia. Aurora estava deitada na “cama”, encarando o teto, enquanto seus pensamentos iam longe. Muito mais longe do que ela conseguia ir. Eles estavam quase chegando naquela gruta quando um barulho a assustou.

A adolescente se levantou de sobressalto. Seus olhos imediatamente se voltaram para a grade, mas tudo que podia ver era a cela vazia do outro lado do corredor. Mordeu os lábios, cogitando voltar a se deitar.

E então.

Gritaria. Sons de passos. Ruídos de metal colidindo com metal, espada com espada.

Os olhos de Aurora se arregalaram e ela correu adiante, colando o rosto contra as barras frias de metal para conseguir ver o mais longe possível. Olhou para a direita, olhou para a esquerda; mas nada havia para se ver.

Àquela altura, seu coração martelava ritmicamente contra suas costelas. Ela colocou uma mão sobre o peito, sentindo as batidas na palma da mão. Não entendia o que estava acontecendo, mas toda aquela agitação a deixou ansiosa e eufórica como não ficava há muito tempo.

Enfim, algo surgiu em seu campo de visão. Um homem barbudo vestindo as mesmas roupas que ela vinha correndo. Ele tinha uma espada dos guardas da prisão em mãos. Na outra mão, um martelo. A manilha em seu pé esquerdo estava conectada a uma corrente que acabava depois do quinto elo.

O ex-prisioneiro quase passou direto por Aurora. Ele fitava a jaula vazia, mas virou o rosto para o outro lado no último minuto e seus olhos castanhos se encontraram com os azuis dela. Congelou no mesmo instante.

— Você é a Aurora? — Perguntou, a voz baixa e rouca. Atirou um olhar por sobre o ombro, como se tivesse medo de que algo o seguisse, e voltou a mirá-la.

A garota assentiu. Não era estranho que ele soubesse quem era – o vilarejo é pequeno e os guardas da prisão gostam de conversar. Os prisioneiros, presos em celas solitárias por não serem muitos, não tinham nada para fazer além de escutar o que eles diziam.

Com certeza também sabia sobre seu crime, pelo qual era contida naquele canto de prisão onde os soldados não ficavam de guarda por não quererem ficar em tal companhia.

Diferente do desprezo pelo qual esperava, o prisioneiro tirou um molho de chaves do cós da calça e começou a procurar pela que abriria a cela da garota.

Porém, quando ele abriu a jaula, Aurora não disparou naquela direção. Com o cenho franzido, o homem se aproximou e se surpreendeu com a reação da menina. Ela recuou contra a parede, os olhos arregalados em medo. Ao que o ex-prisioneiro adiantou-se mais um passo, a adolescente deslizou até o chão, erguendo as mãos acima da cabeça na defensiva.

O barbudo ficou parado, encarando-a, até suas sobrancelhas se arquearem em compreensão. Então sua expressão se fechou, o aperto sobre as armas que carregava ficando mais forte até suas mãos começarem a tremer.

Reparou, enfim, nas cicatrizes nas pernas da menina, assim como os vários hematomas em variados estágios que cobriam seus braços e alguns até mesmo no rosto.

O homem caiu de joelhos diante de Aurora, a sobressaltando. Ele largou as duas armas no chão e estendeu uma mão livre na direção dela, congelando quando a menina se encolheu mais ainda.

— Eu não vim te machucar — disse ele, a voz mais baixa e rouca e os olhos, mais brilhantes. — Vim para te libertar.

Fazia tempo que Aurora não ouvia palavras tão bonitas.

***

Fugir da prisão foi fácil com quatro homens grandes e fortes. Aurora descobriu que o quarteto era relacionado por sangue – eram irmãos. Além dela, eles eram os únicos outros prisioneiros. Pelo que a garota percebeu, tinham cometido o mesmo crime – ou melhor, tinham o cometido juntos –, mas não lhe disseram qual fora. Também não pediu a informação. Iriam tirá-la dali e já estavam a tratando melhor do que os guardas. Isso bastava.

Em sua fuga, notou que todos os soldados no caminho estavam desacordados. Apresentavam ferimentos, mas nenhum deles grave. Aurora estava começando a crer que esses prisioneiros tinham mais índole do que os oficiais.

Quando saíram da prisão, eles esperavam algum tipo de resistência, mas as poucas pessoas da vila que estavam ali entrarem em pânico assim que avistaram os fugitivos e saíram correndo em direção ao centro do vilarejo.

Seu caminho estava desobstruído.

Contente, Aurora seguiu os irmãos. Assim que entraram na floresta, ela se aproximou do homem que a libertara – Hon, esse era seu nome – e chamou sua atenção.

— Hon! — Exclamou, um pouco sem fôlego por causa da corrida e da adrenalina. — Podemos libertar meu amigo também? — Questionou esperançosa.

O homem parou de pronto. Os outros três, ao perceberem, também pararam e se aproximaram deles. Hon tinha o cenho franzido.

— Amigo? — Perguntou, fitando a menina com confusão. — Garota, nós olhamos todas as celas. Só tinha a gente lá.

— Não, não — negou ela, balançando a cabeça. Ergueu uma mão para apontar para sudoeste. — Ele está lá, não na prisão.

Hon pareceu ficar ainda mais confuso, até erguer o olhar naquela direção e pensar um pouco. Então enfim compreendeu, e sua expressão imediatamente mudou de confusa e amigável para fechada e tensa.

— Garota, achei que você tinha percebido isso ao ficar presa e depois de passar por tudo que passou. — Indicou com o queixo o corpo maltratado de Aurora, o olhar passando pelos hematomas em seus braços e rosto. — Você foi enganada. Ele é só um demônio. Pode parecer uma criança inofensiva, mas nada de bom vai vir de uma relação com ele. Você devia esquecê-lo.

Aurora esperava por isso. Afinal, criminosos ou não, eles ainda eram pessoas do vilarejo dela e é claro que pensariam dessa forma. Foram ensinados a pensar assim desde que existem. Não podia ser de outra forma.

Então por que doía? Por que sentia como se seu coração fosse se partir?

— Eu não posso. Preciso o encontrar, preciso ajudá-lo. Ele precisa de mim — disse ela, com todo o pesar do mundo – não por causa das palavras, mas da reação que elas causariam. Sua voz, assim como seu corpo, tremia. Fechou os olhos e respirou fundo, tentando se controlar. Voltou a abri-los momentos depois, ao não receber qualquer resposta.

Não havia ninguém lá. Eles a abandonaram ao descobrir que ela era amiga da cria do demônio.

***

Chegar até a caverna foi instintivo. Seus pés conheciam o caminho melhor do que seu cérebro, levando-a direto a entrada. Mesmo com a cabeça nas nuvens e a visão embaçada, Aurora chegou lá sem problemas.

Na escuridão da noite não era possível enxergar nada além de dois passos da entrada. Mas a adolescente já estava acostumada com isso, tantas foram as vezes que escapou sob a proteção do céu aveludado para encontrar o amigo.

Continuou em frente sem se importar com o negrume, os braços estendidos adiante apenas para evitar que trombasse com alguma parede ou caísse de cara no chão. Quando achou que já tinha adentrado fundo o suficiente, parou de andar e levou as mãos aos dois lados da boca.

Kirakin! — Gritou, usando as palmas para ampliar o som. — Kirakin!

Depois de chamar pela segunda vez, ela se calou e esperou. E esperou.

E esperou.

Preocupações mil preencheram sua mente enquanto seu coração disparava numa batida descompassada.

Um brilho suave surgiu adiante quando ergueu as mãos para chamá-lo novamente.

Aurora imediatamente reconheceu aquela luz e sorriu. Não era de uma tocha. Era azul e verde, tingindo as paredes da gruta com sua cor familiar. Aquele era o brilho da magia de Kirakin; o mesmo brilho que a fascinara quando o viu pela primeira vez e que ainda a deixava encantada.

Ela avançou, ansiosa por revê-lo depois de longos seis meses.

Kirakin, o jovem de mesma idade que ela com cabelos brancos e olhos dourados únicos, estava sentado contra a parede ao lado de onde a corrente que prendia seu pulso esquerdo se conectava com a pedra. Estava mais magro e pálido do que Aurora se lembrava. Ele abraçava as pernas contra o peito, deixando apenas a palma de uma das mãos virada para cima para sustentar um orbe brilhante de onde os fechos de luz, que dançavam pelo espaço como fitas de cetim levadas por uma leve brisa, saiam.

Aurora imediatamente caiu de joelhos diante dele, preocupada. O garoto tinha um olhar assustado e perdido, parecendo não ver realmente o que estava ao seu redor. Teria feito o feitiço por reflexo ao ouvir seu nome.

— Kirakin...? — Chamou a adolescente, gentilmente. Tentou encontrar o olhar dele, mas mesmo que ficasse diretamente à sua frente não o conseguia.

Com cuidado para não assustá-lo, ela ergueu as duas mãos e colocou sobre os ombros dele. Esperou tudo, menos isso.

Ele não reagiu.

— Kirakin, sou eu, Aurora — informou, desesperada por qualquer reação. Falou seu nome, mesmo que ele já saberia que era ela – não só a reconheceria pela voz, mas ela era a única que o chamava pelo nome. Era a única que sabia seu nome.

Afinal, foi ela quem o nomeou quando descobriu que ele não tinha um.

O que fizeram com ele?

O garoto parecia bem. Tirando a palidez e a magreza, não havia um único hematoma em seu corpo, um corte que seja. Mas Aurora nunca o vira naquele estado. Nem mesmo quando se conheceram ele estava com uma aparência tão desamparada, tão perdida.

O que fizeram com o meu melhor amigo?

Os olhos da adolescente arderam como nunca antes. Não conseguiu conter o choro que escapou por seus lábios. Fazia tempo que não chorava em voz alta. Nem mesmo na prisão chorara em voz alta.

Soluçando e tremendo, ela se inclinou para frente, facilmente envolvendo o corpo magro e fragilizado com seus braços e o apertando contra si, com delicadeza e ao mesmo tempo intensidade.

Seu peito nunca doeu tanto, nem mesmo quando a própria mãe a desprezara ao saber da sua relação com Kirakin.

Então, sentiu o garoto enrijecer. Mordeu o lábio para se calar, atenta a qualquer outra reação.

Quando braços ossudos a envolveram e um rosto gelado foi pressionado contra sua clavícula, Aurora chorou ainda mais desesperadamente do que antes. Aliviada.

Quando as lágrimas secaram e o corpo se acalmou, ela afastou o garoto para poder fitar seus olhos dourados como o nascer do sol.

Eles a fitaram de volta, húmidos, tristes, ansiosos, desesperados, felizes.

— Não... — a voz baixa e rouca pelo desuso ocupou toda a mente de Aurora. Como ela ansiou por ouvir aquele som novamente. — Você não é uma ilusão?

Kirakin parecia assustado. E esperançoso.

Aurora sorriu e negou com a cabeça, incapaz de falar. Passou o braço pelo rosto para enxugar as lágrimas antes de sorrir mais uma vez. Ela se colocou de pé e ofereceu uma mão para o garoto.

— Vamos fugir juntos — disse ela.

Como se não acreditasse nas palavras dela, na mão estendida; como se ainda achasse que era uma ilusão; Kirakin ergueu uma mão, a sem corrente. Aproximou-a lentamente da de Aurora, até seus dedos se tocarem. Então, num ímpeto, a agarrou com firmeza.

Juntos, eles se levantaram. Aurora pegou a espada que roubou de um dos guardas desacordados e atacou a corrente até um elo se despedaçar.

Kirakin estava livre. Tudo que precisava fazer era andar até a gruta acabar, cedendo lugar para a floresta, e continuar andando.

Estou livre.

Sou livre.


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Notas finais do capítulo

Apenas um "breve" esclarecimento:
No mundo onde essa história se passa, dragões são uma espécie escravizada pelos humanos. Isso porque eles não podem usar seus próprios poderes, que são baseados nos elementos, e fazem um "contrato" (se "ligam") com uma pessoa (ou algum outro ser humanóide, como elfos e kirins) que dura toda a vida. Uma pessoa pode ter mais de um contrato ao mesmo tempo, apesar de isso ser /muito/ difícil, mas um dragão só pode ter um. Possuem a aparência humana, que usam com mais frequência, e a de dragão.
Normalmente, sua forma humana é igual a de uma pessoa qualquer, e não como Kirakin, que possui cabelos e olhos de cores exóticas e as marcas no rosto.
Ah, eles só reencarnam se forem abençoados ou amaldiçoados. Kirakin foi amaldiçoado porque seu antepassado, há seis trilhões de anos atrás, cometeu um crime contra os dragões e ainda é castigado até a atualidade.
.
Opiniões, por favor, por review ou mp. Adoraria, não, amaria ouvir o que acharam.
Até a próxima, amigos!



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