Aos olhos de alguém escrita por Loressa G M


Capítulo 36
Mentes perturbadas




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  “Após o casamento de minha irmã, há dois meses, voltávamos todos para nossos lares, quando, ao desabotoar meu vestido cor-de-rosa de dama de honra, senti uma pontada em meu peito, algo de errado estava acontecendo com Sôfi, porém o sono se manifestou mais forte e acabei apagando, antes mesmo de pôr um pijama.

  Enquanto dormia, enxergava pelos olhos dela. Entretanto, eu não havia entrado em sua mente, outro kirian me mostrava aquilo. Até hoje não tenho certeza de que, talvez, fora Joseph.

  A Deverron estava em sua lua de mel, no quarto de núpcias do castelo Wolf. Leonardo empurrou-a para dentro do quarto rasgando seu véu, ela riu, parecia se divertindo tanto quanto ele. O lobo a agarrou por trás, rasgando o resto de seu vestido, ela se virou e mordeu sua gravata, enquanto o empurrava para a cama, se projetando acima dele. Ele a beijou, e mordendo a orelha da kirian, cometeu o último erro de sua vida: disse a mesma frase que o falecido marido dela dizia, “Eu te amo Sofi, e jamais a deixaria por motivo algum”

  Naquele momento, as pupilas de Sofi contraíram-se, seus olhos eram como de uma Índia que esperava ser chamada por sua deusa lua (Jaci) para virar uma estrela, assim como acreditava ter acontecido com uma de suas amigas, e acaba encontrando o corpo dessa, já em decomposição com marcas de mordidas, quando se vira e depara-se com a mesma onça; desolada.

  Ainda sem alma, minha irmã lembrava de seu último marido, lembrava-o primeiramente como cinzas, depois começou a voltar nas lembranças, as chamas tomando o corpo dele e de Marielle, o helicóptero caindo sem piloto, ela pagando o piloto ainda em terra firme... até relembrar dele na cama com a outra, da declaração de que ele amava àquela mais que a ela.

  Sofi não poderia tornar seus pensamentos realidade, não conseguiria rasgar a pele de Leonardo como queria no momento. Mas, minha irmã, sempre consegue o que deseja. Controlou a mente de Leo para que ele se calasse e não se movesse, em seguida, a mente de uma escrava para levar uma faca afiada e um garfo, e esperar do lado de dentro.

  Sofi rasgou o peito de Leonardo e saboreou pedaço por pedaço. Ao fim, seus olhos retomaram o brilho humano, e como se acordasse, desabou em choro. A Sofi dentro dela o amava. Vendo o que ela fez, um impulso interior colocou a faca na direção de seu pescoço. O sangue começava a escorrer devagar, quando um chute em sua barriga a fez parar. Poderia ser muito cedo para Joseph se demonstrar, mas ele é um kirian, foi seu modo de clamar pela vida.”

  – O que está escrevendo? – Tayler olha para uma pequena figura branca de olhos grandes avermelhados e cabelos feito palha, branca.

  – Minha professora da escola para sobrenaturais disse para descrevermos como foi nosso último sonho.

  Tayler se senta no vazio de sua mente, à minha frente de pernas cruzadas.

  – Você! Davina Deverron. Tem certeza que vai realmente contar à ela a última coisa que sonhara? – Ele faz meu sorriso preferido, virando rapidamente o papel que eu trouxera do mundo real para ler.

  – É... – Retiro rapidamente o papel de suas mãos, rasgo, e escrevo algo sobre unicórnios e fadas num campo de margaridas em outro.

  Ele sorri novamente.

  – Melhor. Uh... Enfim, o que mais aconteceu nesse último mês que estive fora? – O bruxo se recusa a pensar em um dos acontecimentos de quando ele estivera longe.

  – Ainda não acredito que foi acompanhar sua irmã com Daniel.

  – Não foi tão ruim, levei Vic na mala.

  Rio e balançando a cabeça, indicando que já havia percebido que minha mãe sumira por um mês. – Ainda mais com ela me acordando no meio da noite, com um sorriso de orelha à orelha, dizendo “Não conte a Ramon, mas volto em um mês criatura”.

  – Como Daniel convenceu sua irmã de que o amor existe? – Pergunto, mesmo já sabendo a resposta, só para encontrar assunto e distraí-lo.

  – Ele não convenceu, mas de acordo com ela – ele muda a entonação para uma voz de narrador – “A raça humana precisa de relacionamentos, e, no caso, um relacionamento amoroso faz bem uma hora ou outra” ... – Seu olhar se perde em meio ao vazio – Davina, o que aconteceu na “festa do reconhecimento oficial do bastardo Maikle”. Pelo que me disseram, Raiane está...

  – Gravida, é, na festa de reconhecimento de Lorenzo, ela passou mal e caiu do segundo andar, Ramon não deixou que chegasse ao chão. Mas ninguém sabia a razão pela qual ela estava desacordada até que Jacques se ofereceu para tocá-la, as visões dele estão bem mais fortes e frequentes.

  – Eu soube disso, quando meu pai... – Tayler passa a olhar fixamente o chão – Enfim, o que foi que ele disse?

  – Que “ela está gravida de três lobisomens, e o futuro lhe dispõe três alternativas de parto, em um deles, ela morre, nos outros, Anna ou Leandro Junior nascem mortos. Não existe a possibilidade de Isabel morrer.”

  – A maioria dos convidados não devem ter entendido – Com um sorriso aparentemente alegre, ele tenta mascarar a profunda tristeza que sente.

  – Tayler...sobre seu pai...

  – Eu poderia... poderia ao menos estar ao lado dele.

  Davina, Davina acorda, temos que ir.

 

    Sigo a voz de Ramon, como um animal enfeitiçado por uma flauta, sigo-a cegamente para o estado mais próximo, para meu quarto. Levanto, já com as roupas formais em cima de minha cama, escolhidas por Vic, temos que ir ao encontro com os outros governantes, a ilha toda corre perigo.

***

  Durante o caminho, as lembranças da morte do Mystic me assombram – enquanto olho pela janela, as ruas vazias deixadas para trás.

  Estávamos todos na mansão, Jacques previa as alternativas de destino de Raiane, todas as atenções estavam voltadas para o antigo rival do bruxo. Jackson tossiu a festa inteira, porém, foi após a última palavra de Jac, que Jackson Mystic começou a tossir sangue. Ninguém sabia o que ocorria, ninguém sabia o que fazer, não tínhamos como salvá-lo. Depois, já com o bruxo desmaiado, o laudo da visão de Jacques, o bruxo estava com tuberculose. “O que é isso?” “Como uma doença entrou na ilha agora?”, as mentes na sala gritavam todo o questionamento possível – Entretanto, eu era a única a ver o que realmente acontecera. Em meio ao sangue que escorria da boca do bruxo, uma carta, de papel sulfite manchado, escrita a caneta preta, lá estava, um bilhete para mim.

  “Não te conheço pequenina, não ainda. Mas já não espero sermos grandes amigas. Você nascera para matar meu pai, para seduzi-lo à morte, como uma viúva negra. Não preciso dizer que não quero isso. Sei que tivera aquela visão no lago com ele, ouvi da mente de Ernesto, e pude perceber em seus olhos. Resumindo pequenina, nunca mais faça nada de que aquele crápula de olhos verdes disser.

                                                                                  

       Abraços e beijos

                                                                                       Deverron”

  Para mim, o mundo parara de girar àquele momento, em nenhum momento pensei em entrar na mente de Jacques. Meus pensamentos rodavam, Ramon, Vic, Tayler, Benjamim, Sôfi... ela poderia matar qualquer um, assim como Natacha. Mais uma...

  Pensei que o mundo também parara, pelo contrário, ele continuava em seu mórbido percurso. O vidente fora frio, realmente não achei que ele esqueceria todo o mal que aquele bruxo o fizera, mas... aquilo... aquilo não foi humano. O jovem disse que seu padrasto estava morto, mesmo tocando-o, não conseguia ver futuro algum. Por precaução em relação ao contágio da doença, o enterro fora no mesmo dia, algumas horas depois. Jacques apoiara a ideia.

  Caroline e Sânia choravam muito. Tayler, que sempre foi o mais apegado ao pai, não estava presente, ninguém teve coragem o suficiente para informá-lo. Entretanto, mesmo após todos saírem do enterro, Wolfs, Maikles, Deathless, e os cidadãos Mystic e outros familiares que estavam presentes, continuei acompanhando pela visão de Jacques, ele confortava a mãe e a irmã, um mordomo se aproximou, dizendo a Caroline que era melhor ela e sua filha se alimentarem um pouco, fazia horas que estavam ali. As bruxas chamaram Jacques para ir junto com elas, o adolescente se recusou, olhando fixamente para o túmulo. Caroline achou que ele estava arrependido por nunca ter se dado bem com o Mystic. Porém, assim que as mulheres saíram de vista, Jacques passou a observar o relógio de pulso.

  Um sorriso aparecera em seus lábios quando o ponteiro dos segundos alcançara o doze. Uma respiração começou a ofegar embaixo da terra. Jacques já havia previsto que o padrasto desmaiaria naquela festa, assim que tocara no homem, passara uma toxina roubada da casa Mystic, por suas propriedades magicas, Jack pareceu morto pelo tempo necessário. 

  A mente de Jacques Mystic não era mais a de um garoto infantil, que brigava com outros pelo que sofria em sua casa. Era fria, Leticia ajudara muito ele, entretanto, desde que previu a morte dela, ele mudou. Como se a esperança tivesse se apagado de sua alma, sobrando apenas um vazio. Aberto a vingança, ou algo pior.

  Enquanto ouvia os pequenos ruídos vindos da terra, Jacques pegara um maço de cigarros e um isqueiro do bolso. Acendeu um, a fumaça que saía de sua boca subia de encontro aos seus louros cabelos, encobrindo seus olhos de um branco sem emoções. Ele se agachou e jogou o isqueiro, com um elástico que deixava-o pressionado, em uma fresta do granito preto.

  “Eu disse que te veria queimar Jack, em meus melhores sonhos, mas eu disse”

 

  – Chegamos – Ramon saí do carro primeiro, para abrir a porta para mim.

  Estamos no encontro dos muros, uma construção parecida com um ministério, feita com um minério branco, encontrado apenas na ilha – O qual, o nome, por ter sido descoberto após a “extinção dos kirian”, é apenas “Pedra Branca” –, cercada por um octógono de muros gigantes, que se difundem nos quatro muros.

  Uma enorme ave vermelha pousa no topo da construção, abrindo suas exuberantes asas escarlate. Por ter sido decretada uma área de todos, a fauna e flora desse pequeno pedaço de território são intocadas – tirando o caminho e o próprio monumento de reuniões alarmantes. Tudo em volta é muito grande, a natureza daqui, sem população, evoluiu de modo diferente, como na floresta.

  Todos os adultos e quase maiores de idade entram pelo portão de madeira-aço – feita de árvores da floresta, altamente resistente. Eu, acompanho Lorenzo para a caixa de areia do parquinho.

  Assim que a escrava Wolf deixa o pequeno garoto de três anos à minha frente, ordeno-a mentalmente que se retire. Ao virar de costas da garota, um garoto de treze anos começa a se diferenciar da árvore em que estava totalmente camuflado, seus cabelos caramelo começam a encobrir parcialmente seus olhos purpura.

  – Lorenzo! – Corro para abraça-lo, salto em sua direção e ele me segura em seus braços – Você tem que ir mais vezes à minha escola

  – Por que você não fica feliz assim ao ver o Lorenzo Original? – Ele aponta com a cabeça o garotinho brincando de esfregar areia em sua pele macia.

  – Ele mal fala, prefiro quando você se multiplica em idades maiores.

  Ele sorri e me coloca na grama, abre os braços e, fazendo uma pose exibida, se divide em dois, o de treze e um de...

  – Vinte e seis, é o máximo que eu posso ir – O terceiro Lorenzo presente no parquinho se dirige ao original, e entra dentro do corpo da criança.

  Descobriu o porquê de você poder se dividir em todas as idades possíveis de sua vida kirian? – pergunto mentalmente.

  Sim, descobri na biblioteca da mente do Tayler que, há cinco anos, um cientista da ilha percebeu uma modificação no gene do sangue Maikle que os impedia de aceitar a mudança genética que determina se a pessoa é humana ou kirian... ou qualquer outra espécie hereditária. Entretanto, só há um meio de quebrar essa modificação. – responde a mente do kirian, enquanto olha diretamente a meus olhos.

  – O que... – Tento falar, mas sou interrompida por um estranho movimento no topo da, relativamente pequena, árvore. Um garoto de pele acinzentada se pendura em um galho, com seu rabo de ponta em flecha. O filho de um bakhtak com uma succubus.

  – Mélio! Como veio parar aqui? Da onde você brotou? – Lorenzo se divide rapidamente em uma versão dele que alcance a árvore – Provavelmente dezesseis – e puxa o híbrido de oito anos pelo pescoço. Colocando-o no chão.

  – Ai! Eu posso invadir sonhos esqueceu? Leandro veio dormindo para cá. – Ele massageia o pescoço, até me ver – Por que vocês estavam se olhando sem falar nada?

  – Por que há coisas que só kirians conseguem entender.

  – Eu quero ser um kirian também! – Mélio cruza os braços, parecendo emburrado.

  “Aff”

  — Mélio, tenho uma missão especial para você – Seus pequenos olhos quase brilham ao ouvir minha voz – Está vendo aquele pássaro grandão ali? – aponto para o pássaro escarlate, o garoto faz que “sim” com a cabeça – é muito importante que você consiga tocá-lo.

  Sem me questionar o menino corre até as paredes do ministério e começa a tentar escalar.

  Fala logo Lorenzo, o que quebra a modificação do sangue Maikle?

  O DNA de um ser sobrenatural, que tenha duas aparências reais. Como um lobisomem, que tem a forma humana, mas também a forma lobo. Essa mudança total no organismo, acaba por quebrar a modificação Maikle, que não se desenvolveu para suportar tal.

  “Agora me fala Davina, quando você crescer, vai ficar com o anjinho sem graça, ou o mulato aqui? Ou o Mélio... Pense bem, olhos roxos junto a lindos olhos vermelhos, seria uma combinação e tanto.”

  — Agora me fala Davina, o que os adultos estão discutindo lá dentro?

  – Não era o que você ia perguntar...

  – Saí da minha mente! – A vergonha consome seu rosto

  Tento conter a risada, mas desisto. Já o kirian não sabe direito o que faz.

  – E você Lorenzo? Vai querer a versão mais velha de mim, ou da irmã do Mélio?

  – Você ou a Micca... Não entre na minha mente, por favor, não entre.

  Continuo rindo, enquanto entro na mente de Ramon.

Todos estão sentados em um grande círculo, discutindo os desaparecimentos cada vez mais frequentes da população e o surgimento de doenças que nunca existiram na ilha.

  – Talvez devêssemos... – Konor tenta falar, mas é interrompido

  – Quem é ele para dar outra opinião? – Pergunta Tayler – Se eu soubesse que qualquer um poderia participar, teria chamado o tio-avô do meu amigo, pelo menos ele é engraçado.

  – Devemos manter a calma – Propõe Ramon

  – Como vamos manter a calma se... – Leandro começa a falar, mas se paralisa ao notar que seu corpo está se desintegrando em meio ao ar.

  – Leandro! – Raiane corre até ele, assim como Hayley.

  Entro em sua mente.

  Caio em meio a tapetes e livros. O chão é um infinito deles, tento ver o fundo branco, impossível, à minha esquerda, lápis, canetas e tinteiros, à minha direita, todas as versões de Isabel. Essa definitivamente não é a mente de Leandro. Começo a correr debaixo do sol alaranjado a pino e céu totalmente azul, tenho a estranha sensação de não sair do lugar. O chão e céu não se movem, porém, consigo ver à minha frente um retângulo com divisórios de paredes brancas. Tropeço, e caio no gélido chão branco.

  Parece-se com um hospital, ou... um local de testes científicos delicados. Começo a ver pessoas, paradas como estátuas, cada uma tem uma pequena plataforma com uma data, nome e botão. Aperto o botão da plataforma de uma mulher agarrada à sua filha. Um vídeo se reproduz à frente de meus olhos.

  A mulher e sua filha corriam da destruição de Natacha, com ajuda do marido elas se esconderam, enquanto ele distraía a kirian. Até que um tempo depois, com tudo terminado, um homem de cabelos negros e olhos azuis esticou suas mãos a elas, ao toca-las, mãe e filha começaram a evaporar em quadradinhos brancos, como Leandro.

   Continuo a andar pelo local, agora mais rápido, passo por várias alas, cada uma com o nome escrito na língua morta. Em algumas repartições, estão todos simplesmente paralisados, outros em tubos flutuando sem roupa em um líquido, há também locais onde estão livres e respiram, mas inconscientes, com o olhar vago. Chego em uma ala onde vários cercadinhos quadrados guardam crianças e bebês, todos separados, brincando, totalmente vivos... como Alinpç contém pessoas vivas há mil anos dentro de sua mente?

  Em um dos cercadinhos, consigo identificar o que está escrito, “Gerado número 1456”. Ele tem um centro de reprodução da espécie kirian. Continuando a andar, percebo que não são apenas kirians, há outras espécies aqui, híbridos, como Lorenzo, outros ainda com mais de três espécies.

  “Falhas”, diz a única porta que encontrei. Abro-a, e consigo ver o mundo real, a floresta da ilha. Ele se livra dos corpos das “falhas” criadas em sua mente, jogando-os naquela floresta inabitável, onde ele está caminhando agora.

  Viro-me e me deparo com olhos de um azul turquesa misturado a safiras, os quais parecem a escuridão do céu noturno sobre as luzes esbranquiçadas da cidade.

  – Alinpç.  


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Notas finais do capítulo

Gente, esse é o último capítulo da minha Fic. Mas, provavelmente, farei uma continuação, com a Davina já aos seus dezesseis anos. O que acham? Deixem seus comentários sobre.



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