Your Hunger Games III - Fanfic Interativa escrita por Soo Na Rae


Capítulo 3
Fera


Notas iniciais do capítulo

Mais um capítulo! Boa leitura.



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Fera

“A mentira, senhora do mundo, é hábil, astuta e refolhada; rebuça-se com o dolo, veste-se de mil disfarces, marcara-se com a hipocrisia, enfeita-se todas de ilusões e vence” – Coelho Neto

Arctic Monkeys – Knee Socks

Balançou as pernas, sentindo-as batendo contra o muro de tijolos. Olhou para o além colina e suspirou. Manto e mais manto apenas de trigo, deixando tudo amarelo feito os campos de milho. Linx preferia observar o café, encontrar os grãos nos galhos, em meio às folhas verde-intensas. Suspirou, corcunda, sentindo as costelas apertando o quadril. Ela era assim, toda encolhida, flexível de uma forma estranha. O vento do final da tarde levava os cabelos extremamente finos para o rosto, por isso puxou o capuz para cima da cabeça. Normalmente ia para lá pensar. O muro era a única coisa que restava em pé de uma antiga fazenda. A família falira há séculos e o celeiro pegara fogo. Entretanto o muro permanecia em pé. As pessoas diziam que era a divisa entre o Distrito Nove e o resto do mundo, que não poderiam atravessar aquela delimitação ou a Capital os mataria. Linx achava ridículo. Já fora diversas vezes até os campos de trigo sem problemas com os Pacificadores.

Sentiu Pyxis remexendo-se dentro de seu agasalho. O gato negro lambeu seus dedos quando o acariciou, fazendo Linx sorrir levemente. Ele era o único que ainda conseguia isso. O felino ronronou e voltou a esconder a cabeça dentro da roupa de sua dona. Linx normalmente trazia Pyxis ali, pois o gato era um ótimo ouvinte (quando não dormia aconchegado dentro de seus bolsos).

– A Colheita será amanhã. – Linx comentou com o gato, enquanto balançava novamente as pernas. O horizonte tingia-se de negro, conforme o Sol enfim desaparecia pelos campos. Era impossível ver onde o mundo acabava, mas Linx gostava de imaginar que ele terminaria em um grande vácuo no espaço, onde quem saltasse, poderia flutuar eternamente. – Você ficará bem se eu for sorteada? – ela perguntou, esperando que a resposta viesse, porém Pyxis continuou quieto e por isso olhou para ele dentro do agasalho e encontrou-o dormindo. – Gato, você é realmente um preguiçoso.

Mas sorriu.

Todos no Distrito Nove acreditavam que ela era protegida contra a Colheita, afinal sua mãe era a famosa cartomante, vidente, bruxa e entre outras categorias não muito amigáveis. É claro, Linx crescera vendo a mãe prever traições ou assassinatos. As pessoas temiam Madame Aquila. Porém sua filha não acreditava muito neste “poder” estranho que apenas ela tem. Linx sabe que tudo se trata de uma farsa, pois quem investiga e descobre tudo o que acontece no Distrito Nove é ela mesma. Desde os ovos podres que Audrey guardou para jogar em Rodric na escola secundária, até o caso entre o Senhor Coffie e a viúva Fay, na periferia do Distrito.

O Nove era um grande buraco escavado. Como uma cratera. Linx olhava lá de cima para ele, podia ver todos. As casas sem a menor estrutura, feitas de tábuas velhas, pano e barro. Os banheiros comunitários que os vizinhos construíam juntos para que assim não precisassem gastar dinheiro com um banheiro para cada. Viu também o local reservado para os Vitoriosos, o local era chamado de Aldeia. O Distrito Nove não possuía vitoriosos. Linx nascera antes dos Jogos, no final da rebelião. Seu pai apoiava os rebeldes, sua mãe previa que eles perderiam e por isso não se envolvia com a ‘guerra’. Linx acreditava que ela fora mais astuta neste quesito, sendo que agora quem estava viva era ela e seu pai dormia há sete palmos abaixo do solo.

– É uma boa noite para fugir, não acha, Pyxie? – perguntou, mesmo sabendo que o gato não responderia. Deu-lhe o nome de Pyxie, pensando ser uma fêmea, porém após três anos descobriu tratar-se de um macho. E não foi da forma mais fácil.

Linx gostaria de fugir, correndo pelos campos, até encontrar o fim do mundo. E saltar.

Mas tinha de voltar e passar o relatório para sua mãe. A idosa Fellan havia construído um canteiro de rosas perto dos pés de lírio do Senhor Ben para sufocar as flores delicadas, e Gabriel Kove estava saindo com a prima Victoria Kove. Jenna Jirada fora estuprada novamente por seu irmão mais velho Estevan e Hubert, o prefeito, pagou um alto preço para que seu filho caçula fosse retirado da Colheita. Era um bom dia. Era uma boa noite. Aquila ficaria feliz com o relatório, Linx ficaria feliz caso voltasse para casa e encontrasse uma grande panela com sopa de pato e legumes. Ouviu o estômago roncar, o que assustou e acordou Pyxie. Soltou uma risada fraca.

– Vamos voltar, Pyx. Hoje não é o dia. – e então saltou do muro com graciosidade.

A casa de Linx ficava na parte mais pobre do Distrito Nove, junto com as outras casas feitas de tábuas velhas, tecido e barro. Haviam letras escritas na porta com vermelho escuro, que os outros pensavam ser sangue, mas era apenas uma tinta velha que ela mesma encontrara. Dizia “Bem-Vindo e Boa Sorte”. Abriu a porta, deixando Pyxie saltar para dentro da casa. O gato saiu correndo em direção a seu prato com comida, enquanto Linx colocava a mochila sobre uma poltrona e percorria os móveis com os olhos. Tudo parecia muito pequeno para ela, como em uma casa de bonecas. Ela puxou ao pai, um soldado, forte e alto. Sua mãe era pequena e frágil, uma bonequinha, realmente.

Viu as sombras dela vindas da cozinha e parou em frente a porta. A mãe estava preparando pamonha. Afastou-se de lá antes que ela a visse. Entrou no banheiro, retirando a blusa e abaixando a saia do colégio. Engoliu em seco, olhando o corpo. Desatou o pano que usava como sutiã e jogou as meias para o lado. Abriu o chuveiro e molhou a cabeça.

Pyxie apareceu debaixo da toalha e saltou para a água. Linx passou sabão no gato e deixou-o se enxaguar sozinho. Não tinham dinheiro para sabonete ou cremes para o cabelo, tinha de lavar com o mesmo sabão que utilizavam para lavar as roupas e a louça. Secou-se com a tolha cheia de pelos de Pyxie e penteou os cabelos que alcançavam a metade das costas.

– Esse sim é o meu garoto – Linx secou Pyxie com a mesma toalha e lhe sorriu, o gato mordiscou a ponta de seu dedo. – Você vai ganhar o coração de qualquer uma deste jeito.

Vestiu-se com uma camiseta simples e puída, uma bermuda caindo aos pedaços e meias esburacadas. Sentou-se a mesa e olhou para o prato de pamonha a sua frente. Não era fã daquilo, mas sua mãe adorava, então não podia reclamar.

– Como foram as aulas? – Aquila perguntou, sorrindo.

– Ah, por favor, vamos cortar essa. – a menina revirou os olhos, remexendo o folhado de um lado para o outro no prato. – Não é mais fácil perguntar o que houve no bairro de uma vez?

– Certo, então diga o que houve. – ela fechou o sorriso seriamente.

Linx contou sobre todos os fatos picantes ou toscos que realmente aconteceram. Enquanto isso, alternava entre morder um pedaço de pamonha e jogar outro para Pyxie, debaixo da mesa. O Distrito Nove tinha safras de milho, café e trigo, arroz e feijão. Porém parecia que a Capital só queria que eles comessem o maldito milho. Quando terminou de contar, Aquila já havia terminado sua refeição e pensava calmamente. Talvez maquinando como contar a seus clientes sobre as “previsões”. Linx suspirou, deixando no prato metade do jantar. Pyxie saltou para a cadeira ao lado e então para a mesa, abocanhou o lanche e saiu correndo. Linx agradeceu.

– Bom trabalho – foi tudo o que Madame Aquila disse, e então levantou-se, recolhendo a mesa.

Linx não se importava com esta frieza. Era mais fácil conviver assim. Por isso apenas se levantou, agradeceu pela comida e foi para seu quarto, dormi. O dia seguinte não teria aula, também não precisaria vigiar a vida dos outros. Iria para a Colheita, como todos do Distrito Nove. Isso não a incomodava.

º º º

Puxou o vestido para a cintura, sentindo-o esticar-se até que as pregas se amaciassem contra seu corpo. Era apertado. Muito apertado. Sua mãe lhe dera aquele traje para a Colheita há dois anos, era o mesmo que ela usava na juventude, porém ela era pequena e todos os anos Linx sentia como se crescesse ainda mais e aquele vestido encolhesse ainda mais. Ele alcançava dois dedos acima dos joelhos, as mangas foram cortadas para facilitar, porém ainda sentia as alças muito próximas da axila. Sua cintura e peito estavam comprimidos e ela sentia-se uma garota dentro do vestido de uma de suas bonecas. Embora ela nunca tenha tido uma boneca de verdade.

– Você poderia render ótimos clientes apenas se sorrir. – a mãe incentivou, novamente tentando empurrar a herança de cartomante para Linx. Porém a menina não queria aquilo. Não podia se imaginar espiando a vida das outras pessoas pelo resto de sua vida. Então apenas suspirou e passou a mão novamente sobre o tecido, tentando arrumá-lo.

O rabo de cavalo baixo estava sobre o ombro esquerdo e Pyxie lambeu-lhe os calcanhares antes de saltar sobre a janela e ir a caçada de algum rato indefeso. Linx xingou-o mentalmente, afinal adoraria a companhia do felino neste dia em especial, mas não podia questionar os instintos dele. Sua mãe terminou de arrumar os sapatos e abriu a porta, respirando fundo e sorrindo.

– Vamos, Linx, não queremos que pensem que eu fiz algum feitiço em você logo pela manhã... – ela brincou, porém a filha não retribuiu a brincadeira, apenas deu de ombros e deixou a casa.

Caminhavam lado a lado, sem se tocarem. As pessoas ao redor cochichavam sobre mãe e filha, como elas eram bonitas e diferentes. Aquila era esquelética e velha, Linx robusta e jovem. Porém elas tinham algo em comum: o mistério. Todos sabiam que Linx não era uma garota muito comum ou fácil de lidar, diziam as más línguas que ela era a cria de um demônio que Aquila aceitara criar, outros diziam que ela era a própria Aquila em outro corpo, como se a mulher sugasse sua juventude para continuar a viver. Mas todos concordavam que não era aconselhável criar vínculos com Linx. Por isso não tinha amigos. Tinha Pyxie, era tudo o que precisava.

A fila estava pequena, afinal já era tarde para chegar a Colheita. Despediu-se da mãe e inscreveu-se. Seu nome estava lá ao menos doze vezes. Tivera de comprar tésseras nos momentos de maior aperto em casa, porém não se importava com isso. Era tudo sorte. E todos sabiam que a Família Morgant tinha sorte.

Encaminhou-se para o final da fileira de meninas entre dezessete e dezoito anos. Todas eram mais baixas, entretanto, o que a fazia se sentir desconfortável. Ela não era exatamente alta. Tinha um metro e setenta, porém para a média das mulheres do Distrito Nove, aquilo era bem acima do normal. Ignorou a todas, sabendo que estavam falando sobre sua mãe e sobre o que acontecera com seu pai. Todos achavam que a morte dele fora causada intencionalmente por Aquila afinal ele morrera poucos dias após separar-se dela. Mas Aquila estivera ocupada demais com o viúvo Adam para se importar com seu ex-esposo.

O palco estava montado como você já deve saber: bandeiras, microfone, cadeiras. Isso aconteceu em todos os Distritos, então não vou descrever novamente. Isso cansa qualquer narrador. A questão é, a cabeça de Linx estava distante. Estava entre os campos de trigo. Ela imaginava como seria caso fosse sorteada. Poderia sobreviver por quanto tempo? Quais armas usaria? Ela era alta, era bonita e poderia ser mais forte que muitas garotas, porém não tinha treinamento como os Carreiristas. Não sabia utilizar o arco e flecha, nem manejar uma espada. De repente a ideia de um chicote pareceu realmente divertida. Então notou que estava tentando escolher qual arma mataria as pessoas que disputavam a sobrevivência com ela. Era doentio, sim. Mas pensar nisso era comum agora que os Jogos estavam definitivamente empregados. Os que se recusassem a pensar sobre eles, poderiam se ver de repente lá dentro, sem saber o que fazer.

Como sua mãe dizia, era melhor prevenir que...

– Boa tarde, Distrito Nove. – a acompanhante da Capital sorriu ao microfone. Linx nem mesmo notara quando ela chegara até lá, na verdade não notara o hino e o discurso do prefeito. A mulher era mais uma cria excêntrica da Capital, com roupas escandalosas e cabelo monstruosamente tingido. – O cheiro das safras da café é tão convidativo, eu adoro isso. – ela riu fininho e prosseguiu – Vou sortear representante do Distrito Nove, agora. – colocou a mão dentro da urna e retirou de lá o papel dobrado. Linx olhou para ele e sentiu uma leve pontada gélida no pé da espinha. A mulher o abriu com calma, criando suspense. –Jenna Jirada. – e então voltou a sorrir. – Por favor, senhorita Jirada, suba ao palco.

Linx ouviu os murmúrios ao seu redor. Jenna Jirada era a garota estuprada pelo irmão mais velho. Ela tinha treze anos, pais que sempre brigavam e um avô alcoólatra. Jenna tinha feios dentes tortos e o corpo de uma moça. Alguns suspeitavam de que estivesse grávida, outros de que ela já havia abortado algumas vezes, obrigada pelo irmão que não queria ser descoberto. Linx olhou-a subir os degraus. Jenna era pequena como as demais, era rechonchuda e tinha vários bichos em sua barriga, alguns chamavam de “lombriga”, outros de “come-estômago”. Jenna soluçava, vermelha.

– Não há o que fazer, certo? – colocou a mão na própria testa, como se falasse e gesticulasse consigo mesma. Então ergueu o braço – Eu posso ir no lugar da Jenna?

Uma garota ao seu lado fechou o rosto e empurrou-a com o ombro em direção ao corredor que levava ao Edifício da Justiça.

– Vá logo – ela disse, duramente. Outras também a empurraram, dizendo para se voluntariar logo no lugar de Jenna, antes que a pobre menina fosse aos Jogos e morresse, em sua vida trágica. Linx olhou-as. “Elas só querem se livrar de mim, a amaldiçoada Morgant”. Mas deu de ombros.

– Jenna, desça daí. – gritou, caminhando para as escadas. Alguns Pacificadores a detiveram no meio do caminho, porém a mulher da Capital fez um sinal para que a deixassem passar. Seus olhos brilhavam de forma estranha, o que fez Linx ponderar se ela estava feliz em vê-la como voluntária, também. – Obrigada. – disse a ela, porém a mulher apenas segurou seus ombros, enxotando Jenna para longe dali. A garota feiosa e gorducha acenou para Linx, sendo arrastada pelos Pacificadores. Linx retribuiu o aceno, mas não sorriu.

– Uma voluntária para o Distrito Nove! Diga-me seu nome.

– Linx Morgant. Dezessete anos.

– Você tem alguma ligação com a senhorita Jirada?

– Não. – olhou para a multidão de pais que suspiravam e sorriam um para o outro. Suas filhas estavam salvas e quem morreria este ano era a filha de Madame Aquila, a cartomante. Não havia notícia melhor que aquela. – Apenas senti que deveria fazer isto.

– Um grande coração de ouro, senhorita Morgant. Por favor, espere aqui, enquanto sorteio o rapaz que representará o Distrito Nove na décima primeira edição dos Jogos Vorazes. – e então caminhou até a urna dos rapazes. Era pouco maior que a das meninas, afinal eram mais homens que mulheres no Distrito. Ela retirou um nome e voltou ao microfone com a mesma graça. Linx admirou-a por conseguir caminhar daquele modo sobre saltos tão altos. – Alexander Jones.

Linx o conhecia, é claro. Ela conhecia todos do Distrito. Alexander era um rapaz de dezoito anos, por algum motivo também alto e forte. No colégio, eles se destacavam por serem a dupla gigante. Alexander tinha cabelos louros, olhos afiados e um sorriso de tigre. Alexander fora sua paixão de infância. Infelizmente ele nunca parecera ligar para ela. Hoje, Linx o achava um pirralho metido a besta.

Alexander subiu os degraus com confiança, digno de um Carreirista. Ele era assim, cheio de si. Cheio de poder, força, de... pose. Linx o achava entediante. A representante soltou um gritinho animado e segurou-o com força pelos ombros. Ele era muito mais alto que ela, mais alto que Linx e mais alto que todos os caras que ela já havia visto. Alexander parecia alguém vindo do Distrito Dois. Porém com certeza não tão bom em brigas.

– Quem diria, que casal, Distrito Nove? Que casal! – a mulher respirou fundo e disse com euforia – Apertem as mãos, queridos, vamos, apertem!

Linx esticou o braço e Alexander apertou-a com força. Em seguida a ergueu até os lábios e beijou sua mão, galanteador. A representante prendeu o ar, excitada e suspirou algumas vezes antes de conseguir dizer:

– Estes são os tributos do Distrito Nove para a décima primeira edição anual de Jogos Vorazes. Bom Jogos Vorazes e que a sorte esteja sempre a seu favor.


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Notas finais do capítulo

Linx: http://36.media.tumblr.com/e21e5fb814db15dc8be89d0624a15e8d/tumblr_nb0ec2L8tR1sw2suno1_500.jpg
Créditos da criação do personagem à leitora Maju.
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Por favor, convidem seus amigos e peçam para eles enviarem fichas masculinas! T-T Estamos cheios de mulheres mas quase nenhum rapaz. E aos que reservaram as vagas, fazer o favor de preenchê-las. Obrigada.
Beijos da Meell.