Além do Caos escrita por Um Alguém


Capítulo 4
Capítulo 4


Notas iniciais do capítulo

Olá Sobreviventes! Mais um capítulo para vocês, aproveitem ;)



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A primeira coisa que senti quando acordei foram mãos frias na minha pele quente. Abri os olhos assustada e encontrei o olhar tranquilo da Sally. Seus olhos verdes me fizeram lembrar da minha mãe por um instante. Ela abriu um pequeno sorriso ao me ver acordada.

– Olá, querida. Como se sente? - perguntou ela me observando atentamente.

Parei para pensar na pergunta dela. Meu pulmão ardia, minha pele queimava, meu corpo doía e minha cabeça latejava.

– Nada bem. - respondi-lhe por fim. Minha voz saiu tão abafada que quase não a reconheci.

– Não se preocupe, cuidaremos de você. - assegurou-me ainda sorridente.

– Onde estamos? - olhei ao redor rapidamente mas tudo que vi foram caixas e mais caixas empilhadas ao nosso redor.

– No porão de uma loja de sapatos.

– E o que houve? Como vim parar aqui?

– Dexter e Jeremy te acharam caída aqui perto. - disse ela simplesmente. Provavelmente eu fiz uma cara de quem ainda estava confusa, porque ela logo continuou. - Nós havíamos saído do casarão e estávamos indo para o litoral quando ouvimos barulho de explosão. Vimos alguns garotos incendiando carros, ônibus e caminhões pelas ruas aqui perto, então nos escondemos. Dexter, Jeremy e Brandon saíram para ver o que estava acontecendo. Brandon foi para um lado e Jeremy acompanhou Dexter por outro lado. Eles ouviram alguns gritos ou algo do tipo e foram ver o que era, aí encontraram você.

Dexter. Era a segunda vez que ele me ajudava. Quantas vezes mais isso iria acontecer? Fiquei imaginando o teria acontecido se ele não tivesse me encontrado. Zeke teria me pego? Quase fiquei sem ar ao pensar nessa hipótese.

– Aonde eles estão? - perguntei percebendo que só havia eu e Sally ali.

– Lá em cima, na loja. - explicou. - Estão tomando conta para ver se algum daqueles malucos está por perto.

Queria dizer para ela se "aqueles malucos" estivessem por perto todos nós estaríamos ferrados, mas achei melhor ficar quieta. Sally estava passando algum tipo de creme ou pomada nos meus braços que provocava um alívio imenso. Depois de passar o tal creme, Sally me fez tomar um remédio e me cobriu com um cobertor um pouco pequeno para mim.

– Rachel, você conhece essas pessoas, não é? - questionou-me Sally com firmeza. - Foi por isso que você foi embora ontem, não foi?

Pronto. Chegamos aonde não deveríamos chegar. Sally me analisava, absorvendo minhas reações. Mantive minha expressão neutra enquanto pensava na melhor resposta.

– Tive meus motivos para ir embora. - respondi-lhe escolhendo bem as palavras.

– Claro que sim. - concordou ela austera.

Ficamos em silêncio por um longo tempo enquanto ela arrumava seu pequeno kit de primeiros socorros. Ela me olhava de soslaio de tempos em tempos. Eu me sentia sonolenta, talvez por conta do remédio que a Sally me fizera tomar. Assim que ela acabou de arrumar tudo se levantou.

– Vou chamar o Dexter. - anunciou ela naquele tom sério tão incomum a ela. - Ele pediu para ser avisado quando você acordasse. - sem dizer mais nada se encaminhou para uma escada estreita.

Ótimo. Dexter provavelmente iria me fazer um interrogatório querendo saber por que fui embora e o que havia acontecido antes de eu desmaiar. Por um momento cogitei fingir que estava dormindo. Mas antes que eu pudesse pensar melhor sobre isso ouvi passos descendo a escada.

Dexter parecia bem melhor do que no ida anterior. Apesar da barba rala e do cabelo preto bagunçado sua aparência era ótima se comparada de quando eu o ajudei no estúdio de tatuagem. Fiquei feliz em ver que ele havia trocado a camisa cinza rasgada por uma em um estado um pouco melhor. Mesmo visivelmente velha a camisa social de manga curta azul escura cai-lhe muito bem.

– Como você está? - perguntou ele sentando ao meu lado.

– Bem, bem. E você Como está o ombro? - perguntei indicando seu braço direito apoiado em uma tipoia improvisada feita com um pano velho.

– Está melhorando.

Um silêncio desconfortável caiu sobre nós. Seu rosto exibia uma serenidade inesperada. Ele me fitava fixamente. Seus olhos azuis pareciam iluminar-lhe.

– Achei que fosse estar chateado comigo. - comentei finalmente quebrando aquele silêncio incômodo. - Por eu ter ido embora daquele jeito.

– Eu estava. - confessou. - Mas aí vi você caída lá fora, desacordada e machucada. Fiquei preocupado demais para continuar chateado. - seus olhos faiscaram e por um momento achei que fosse derreter sob a intensidade dele.

– Obrigada por ter me ajudado, de novo. - agradeci com um pequeno sorriso.

– Se você tivesse ficado com a gente nós não precisaríamos estar tendo essa conversa. - pontificou ele com um ar soturno.

– É, talvez. Mas eu não podia ficar. Não posso.

– Eu não entendo. Por que ficar lá fora sozinha, correndo riscos desnecessários ao invés de ficar conosco? - perguntou ele subitamente circunspecto. - Tem medo de nós? Acha que te faremos algum mal? Acha que eu te farei algum mal? Será que não está claro que se eu quisesse te fazer mal já teria feito?

– O problema não são vocês! - exaltei-me também. - Pelo contrário, vocês são ótimos. Você, Sally, Luke. Até o Jeremy me ajudou. E é exatamente por isso que tenho que ficar longe de vocês.

– Tem que ficar longe da gente porque não somos como aqueles malucos lá fora? - questionou ele austero.

– Exato! Tenho que ficar longe porque todos que ficam perto de mim morrem! - deixei escapar.

Imediatamente me arrependi. Um misto de emoções passou pelo rosto do Dexter. O azul do seus olhos pareceu cintilar enquanto ele parecia tentar ver através da minha alma.

– Agora eu entendi. - disse ele quase em um sussurro. - Não está fugindo de nós nem de ninguém. Está fugindo de si mesma.

– Você não sabe o que está falando. - contrapus impassível.

– Sei sim. Sei que está deixando seus medos te sufocarem.

– Dexter...

– Não, Rachel, você não consegue ver o que está acontecendo. Não está enxergando a realidade.

– Você não sabe de nada, Dexter. Nada. Não faz ideia das besteiras que está falando. - acusei impetuosa.

– Nosso erro é querer ver nossas fraquezas nas outras pessoas. Suas fraquezas são só suas, seus medos são só seus. Aceite isso e tudo ficará mais fácil. - disse ele de modo grácil. Depois se levantou e subiu a escada, me deixando sozinha.

Senti um turbilhão de emoções se revirarem dentro de mim ameaçando explodir. Milhares de lembranças permeavam minha mente enquanto as palavras do Dexter se repetiam ininterruptamente. Eu não devia ter dito nada, não devia ter ouvido ele. Não devia estar ali.

Havia mergulhado tão fundo nas minhas inquietações que nem reparei quando Sally voltou para o porão até ela se ajoelhar ao meu lado tocando de leve meu ombro.

– Você precisa descansar. - disse ela com aquele tom sereno de volta. - Ainda está com um pouco de febre.

Como não respondi ela me deu outro remédio e me cobriu com outro cobertor, tão pequeno quanto o primeiro. Mas eu realmente não estava prestando atenção. Meu corpo estava ali, mas os pensamentos estavam longe, perdidos algures. Por fim o remédio fez efeito e eu apaguei, sendo jogada em um mundo familiar e pérfido. Estava presa em mais um pesadelo.


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