Além do Caos escrita por Um Alguém


Capítulo 3
Capítulo 3




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Quando fui passar pela cozinha para ir embora encontrei Sally e Luke remexendo em bolsas e mochilas. Disse-lhes que não poderia mais ficar. Luke pareceu tomar um tapa na cara. Seus olhos amendoados transpareciam a tristeza que sua expressão controlada tentava esconder. Já Sally parecia mais desapontada do que triste. Afinal, por que eles pareciam gostar tanto de mim se nem me conheciam?

– Você precisa mesmo ir? - perguntou Luke tristonho. - Deve haver alguma coisa que possamos fazer para você ficar. - cogitou ele pensativo passando a mão pelo cabelo escuro e desgrenhado.

– Não, Luke. Deixa para lá. Se ela precisa ir, então o melhor que podemos fazer é ajuda-la. - disse Sally ficando séria pela primeira vez desde que a conhecera.

Ela se prontificou para cuidar do pequeno machucado na minha testa enquanto um Luke cabisbaixo separava algumas comidas e água para eu levar na minha viagem. Tentei convencê-los de que não precisava de nada, mas fui gentilmente ignorada.

Quando por fim acabaram, dei-lhes a mochila que eu havia pego no estúdio de tatuagem e que supus ser do Dexter. Arrumei minhas coisas e com um aceno e alguns agradecimentos, fui embora sob o olhar tristonho do Luke e o olhar analítico da Sally.

Caminhei apressadamente, tentando me afastar o mais rápido possível daquelas pessoas. Eu não devia ter passado a noite com eles. Não devia ter me preocupado tanto com o Dexter. Tinha que ter deixado ele lá e pronto, ir embora.

O céu continuava a escurecer, como se fosse desabar sobre mim a qualquer momento. Tento em vista tudo que acontecera nos últimos tempos eu não duvidava que ele fosse cair de verdade. A única coisa que quebrava a escuridão que se instalava eram os trovões.

Eu estava literalmente no meio do nada. Havia saído dos bairros residenciais e seguido para o litoral, beirando a serra. Agora estava atravessando uma pequena floresta. Os primeiros pingos de chuva começaram a cair pesadamente.

– Merda. - xinguei correndo pela floresta desviando das árvores caídas.

A floresta se abriu em uma estradinha de cascalho que levava a algumas casa, ou o que um dia foram casa. Corri por alguns metros até encontrar um galpão. Suas paredes de madeira estavam com grandes buracos, mas o galpão seria o suficiente para me proteger da chuva, que já era uma tempestade. Fechei o grande portão de ferro e agradeci mentalmente pelo teto estar firme o bastante.

O galpão era na verdade uma oficina. em um dos cantos havia um carro coberto com um grande lençol branco, e ao redor do galpão havia ferramentas de todos os tipos. Resolvi pegar o lençol que cobria o carro para me aquecer. O carro em questão era um Porsche 911 Cabriolet 1987 preto. Eu estava encharcada por causa da tempestade e morrendo de frio. Me enrolei no lençol e deitei no banco de trás do carro.

O vento estava terrivelmente frio, mas dentro do carro estava quentinho. Uma grande quantidade de água entrava pelo buracos nas paredes. A chuva e o vento estavam tão fortes que parecia que iam arrancar o telhado. Apesar de todo o barulho causado pela tempestade acabei pegando no sono.

Acordei sobressaltada com o estrondo de um trovão que pareceu soar dentro do galpão. Estava absurdamente escuro. Remexi na mochila até encontrar uma pequena lanterna que havia encontrado a poucos dias. Acendi a lanterna e peguei um pacote de macarrão desidratado que Luke havia me dado. Não havia me dado conta de que estava com tanta fome até aquele momento. Quando terminei o macarrão tomei uma latinha de refrigerante. Agradeci ao Luke mentalmente.
Como estariam Luke, Sally e Dexter? Será que eles ainda estavam no casarão ou estavam enfrentando essa tempestade? E o ombro do Dexter, haveria melhorado? Pare, ordenei-me. Não pense neles. Você não os conhece, não tem por que se importar.

Enrolei-me mais no lençol e voltei a me deitar. Involuntariamente continuei pensando. Minha cabeça estava cheia de preocupações e especulações. Depois de muito esforço consegui aquietar os pensamentos e dormir.



Quando acordei na manhã seguinte fiquei feliz por enfim a tempestade ter acabado. Guardei o lençol com o qual havia me coberto e tomei um pouco de água antes de sair do galpão para dar uma olhada no estrago que a tempestade havia feito. Literalmente um grande estrago.

Quase perdi o fôlego quando sai do galpão. Haviam enormes rochas e árvores destroçadas por todos os lados. As casa que eu vira no dia anterior e pareciam péssimas, agora nem sequer existiam, eram só poeira ao vento.

Deprimida com a paisagem voltei para dentro do galpão dando alguns espirros. Só então reparei que o galpão também sofrera com a tempestade. Uma parte do telhado havia se desprendido e sido levada pelo vento, e alguns dos buracos nas paredes aumentaram consideravelmente. Como eu não havia reparado naquilo?

Meu corpo estava dolorido mais associei isso ao fato de ter dormido no carro. Pensei por alguns minutos no que faria. Acabei decidindo pegar o Porsche para sair dali. Seria meio difícil devido aos imensos buracos e obstáculos no chão, mas eu realmente não estava com disposição para uma longa caminhada.

Fiquei grata pelo dono do Porsche ter deixado a chave no quebra sol. Arrumei minha mochila e liguei o carro. Como eu previ, sair de carro dali era uma tarefa árdua. Tive que manobrar várias vezes e passar lentamente por entre os destroços, desviando. Por fim achei uma estradinha estreita que no final se abria em dois caminhos. O caminho da esquerda levava para fora da cidade (aonde eu queria ir) e o da direita estava intransitável. Uma enorme árvore ( a maior que eu já vira na vida) bloqueava a estrada. Peguei então o caminho da esquerda.

Para um carro antigo que ficara parado por tantos meses o Porsche estava realmente em perfeito estado. Dirigi tranquilamente, absorvendo o silêncio da solidão. Não demorou muito para eu estar de volta à cidade. Acabei entrando em um bairro onde antes era o reduto de várias empresas. As ruas eram compostas de prédios altíssimos, grandes condomínios luxuosos, arranha céus. Quando eu era mais nova adorava passar por ali e vê o sol refletido nas superfícies espelhadas de alguns prédios. Mas ali, naquele momento, uma tristeza súbita me atingiu. Nenhum daqueles edifícios estava igual.Nenhum deles tocava o céu como antes ou refletia o sol. Havia pedaços deles por todos os lados, em cima de carros estacionados, na rua. Alguns haviam tombado uns sobre os outros.

Estava prestes a desacelerar e contemplar a tristeza de tudo aquilo quando ouvi barulho de pneus cantando. Um motor rugia não muito longe dali. A primeira coisa que pensei foi que se eu podia ouvi-lo, ele também podia me ouvir e logo viria atrás de mim. Dito e certo. Menos de um minuto depois um carro azul escuro surgiu atrás de mim velozmente. Um Jeep Wragle Rubicon.

– Mas que inferno. - resmunguei pisando fundo no acelerador.

Meu Porsche era sem dúvida muito mais rápido do que aquele Jeep, mas essa velocidade só era aplicável em situações normais. Infelizmente as ruas estavam em estado deplorável, o que dificultava o Porsche a ganhar velocidade. Já o Jeep fora projetado para terrenos difíceis, então se saía muito bem.

Ele estava colado em mim, enquanto eu dirigia loucamente tentando a todo custo despista-lo. Uma missão quase impossível. Lembrei que no quarteirão seguinte havia uma saída para a rua principal. Se eu estivesse com sorte e a pista razoavelmente boa talvez conseguisse me livrar dele.

Assim que virei a esquerda pronta para acelerar na rua principal tive que frear bruscamente. Definitivamente estava sem sorte. Um ônibus pegando fogo estava atravessado no meio da rua ladeado por dois carros também em chamas. Olhei pelo retrovisor e vi o Jeep parando a alguns metros de mim.

As opções não eram nada boas. Não podia deixar que eles me pegassem, mas não tinha para onde fugir. Ainda olhando pelo retrovisor vi o motorista sair do Jeep. "Tinha que ser ele", pensei amargamente ao ver quem era o motorista.

– Ei, Rachel, por que não vem aqui me dar um abraço? - gritou ele vindo a passos tranquilos na minha direção. - Estava ansioso para te encontrar.

– Merda. Pensa, Rachel. - resmunguei para mim mesma com raiva olhando ao redor, procurando uma saída. O garoto ruivo e barbudo estava cada vez mais perto. Mesmo de longe podia ver a satisfação perversa nos seus olhos cor de âmbar.

– Ah, o que é isso, Rachel? - Não precisa ficar tímida em assumir que estava com saudade. - continuou ele com uma voz seca.

Ignorando a idiotice daquela ideia saltei do Porsche e saí correndo em direção aos carros em chamas. Ouvi um grito de insatisfação e olhei para trás rapidamente. Zeke corria atrás de mim. Levando em consideração sua altura e como suas pernas eram compridas não demoraria para ele me alcançar. Corri com mais afinco sentindo minha respiração falhar em meio a uma tosse. Meu corpo estava cansado antes mesmo de eu começar a correr, agora então parecia uma máquina prestes a explodir. Mas eu não podia parar. Conseguia ouvir os passos firmes do Zeke atrás de mim.

Quando me aproximei de um dos carros pegando fogo senti imediatamente o calor fustigando-me. Me encolhi e passei entre o ônibus e o carro. As chamas roçaram na minha pele levemente, provocando um ardor terrível. Deixei escapar um grito de dor.

Olhei para trás ainda correndo e a única coisa que vi foram as chamas. Zeke não conseguira passar, era grande demais. Mesmo com o corpo tórrido e lânguido continuei correndo em meio a crises de tosse.

Eu não estava aguentando mais. Não conseguia mais correr. Não conseguia nem sequer andar. Mesmo sabendo do risco resolvi parar pelo menos por alguns minutos. Apoiei na fachada suja e quebrada de uma cafeteria. De repente parar pareceu uma má ideia. Conforme a adrenalina diminuía a dor aumentava. O mundo começou a oscilar diante dos meus olhos e por fim desmaiei.


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Notas finais do capítulo

Queridos Sobreviventes, espero que estejam gostando. Sejam bonzinhos e comentem :)



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