Além do Caos escrita por Um Alguém


Capítulo 2
Capítulo 2




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King's Avenue antes fazia parte de um bairro nobre, agora era um dos lugares com a pior qualidade do ar. Já tinha ouvido algumas pessoas falando em como todos tinham surtado lá e começado a se matar. Não entendia por que aquele garoto queira ir justo para aquela área.

Ele dormiu durante os vinte minutos de viagem. Sua respiração estava pesada, mas ele parecia estar bem apesar da sua camisa de manga comprida cinza estar toda manchada de sangue e sem uma das mangas. Quando passamos pela placa que indicava o nome da rua, acordei-o.

– É ali. - ele indicou, apontado para um casarão com aparência antiga.

As casas por ali estavam péssimas. Poucas continuavam de pé e as que não tinham ruído estavam destroçadas. A tal casa que ele me indicou também estava aos pedaços. Pelo menos metade estava destruída.

– Por ali. - disse ele se referindo a antiga entrada da garagem. Agora a garagem era uma espécie de passagem para o jardim nos fundos da casa.

Segui pelo caminho indicado e parei o carro perto do que um dia fora uma piscina. Imediatamente três garotos saíram correndo de dentro da casa. Dois deles apontavam armas para nós. Mas assim que viram o garoto ao meu lado, baixaram as armas. Eles correram até o carro, parando ao lado da janela do garoto.

– Dexter! - um deles exclamou parecendo apavorado.

– Merda. - xingou o outro. - Kristin, é o Dexter! Ele está mal! - ele gritou em direção a casa.

Os garotos abriram a porta, tiraram o garoto baleado, Dexter, e o carregaram para dentro de casa. Saltei do carro tranquilamente. Não sabia se devia ir embora ou ficar para saber se o Dexter ficaria bem. Olhei displicente ao redor. A aparência do local era exatamente o que eu esperava: uma casa grande e bonita, mas totalmente prejudicada pelo Caos. Como todo o resto. Surpreendentemente o ar não estava tão ruim quanto eu imaginava.

– Ei! - ouvi alguém chamar. Virei e vi um dos garotos à porta. Ele parecia ser o mais novo, talvez com quinze ou dezesseis anos. Grandes olhos cor de amêndoa e um sorriso simpático. Seu cabelo castanho escuro parecia grande e sem corte, por isso apontava em todas as direções. - Qual é o seu nome?

– Rachel.

– Eu sou o Luke. - apresentou-se ele alargando seu sorriso. - Vem, não é bom ficar aqui fora.

–Tudo bem. - concordei meio hesitante.

Segui-o para dentro da casa. Ele guiou-me por entre uma luxuosa e vazia cozinha, até um pequeno quarto que parecia ter pertencido a algum empregado. Talvez aquele quarto fosse o cômodo mais simples da casa. O quartinho parecia ainda menor tendo tantas pessoas dentro.

Deitado na cama estava o Dexter sob os cuidados de uma mulher com a expressão tensa. Ao lado dela, ajudando-lhe, estava outra mulher, mais nova e menos carrancuda. Em um canto, tentando não ficar no caminho, estavam os outros dois garotos.

– Como ele está? - perguntou Luke parado ao meu lado à porta.

– Perdeu muito sangue, mas vai ficar bem. - respondeu a mulher mais nova calmamente.

– O que aconteceu? - perguntou-me um dos garotos. Ele parecia um pouco mais velho que Luke, tinha os olhos castanho e o cabelo loiro parecia ter sido cortado a pouco tempo por alguém que não sabia o que estava fazendo.

– Este é Jeremy. - sussurrou-me Luke.

– Obrigada. - sussurrei-lhe de volta, depois voltei-me para o tal Jeremy. - Ele me defendeu. Eu estava sendo atacada e ele apareceu bem na hora.

– Aonde foi isso? - quis saber Jeremy.

– No centro.

Nesse momento Dexter deixou escapar um grito de dor. A mulher que cuidava dele havia retirado a bala. Ela agora limpava o ferimento com cuidado enquanto a outra tentava fazer Dexter tomar um remédio.

– Não se preocupe, ela sabe o que está fazendo. - tranquilizou-me Luke vendo minha cara de espanto. - Kristin era médica antes de tudo isso.

Fiquei um pouco mais despreocupada ao saber que a tal Kristin era médica. Dexter provavelmente ficaria bem.

– Qual o seu nome? - perguntou-me a mulher mais nova.

– Rachel.

– Eu sou Sally. Estes são Kristin, Jeremy, Brandon e Luke. - apresentou ela apontando para a médica, o menino loiro, o outro garoto e Luke ao meu lado.

Brandon me olhava fixamente de um jeito circunspecto. Seus olhos eram tão escuros quanto o cabelo cacheado. E apesar da aparência inócua ele mantinha uma postura arrogante. Por um momento fiquei olhando aquele pequeno grupo pensando em como pessoas aparentemente tão diferentes estavam juntas.

– Rachel. - chamou-me Dexter. Todos os outros olharam do Dexter para mim confusos e surpresos.

– Oi. - disse ajoelhando ao lado da cama dele.

– Não vá... embora. - ele pediu.

– Por quê? - agora eu também estava confusa.

– Não... vá embora. - ele repetiu. Seus olhos azuis me encaravam fulgurantes. - Prometa.

– Tudo bem. - concordei com um sorriso vaporoso. - Eu prometo.

Satisfeito com a minha resposta, ele fechou os olhos pronto para dormir. Assim que levantei encontrei o olhar altivo de Kristin. Definitivamente ela não gostava de mim.

– Você não vai ficar aqui. - disse ela impassível. - Se for mesmo cumprir essa promessa maluca, vai ter que ficar lá fora.

– Kristin... - protestou Sally.

– Lá fora. - vociferou Kristin.

– Mas o ar a noite fica ainda pior e ... - disse Luke.

– Não me importo. - interrompeu Kristin. - Se for ficar, é lá fora. Ponto final.

– Tudo bem, não tem importância. - declarei tranquilamente.

Abandonando o grupo, saí da casa. Mesmo com as janelas quebradas o carro ainda oferecia alguma proteção. Entrei no carro e fiz uma refeição rápida: algumas barrinhas de cereal, que provavelmente estavam fora da validade mas achei melhor não conferir, e um pouco de água. Fiquei olhando soturnamente para a garrafa de água vazia.

Uma rajada forte de ar fez eu inalar uma quantidade imensa de cinzas. Cobri o nariz e a boca com um pano e me ajeitei no banco, procurando uma posição confortável para passar a noite. Eu com certeza já tinha dormido em lugares piores, mas isso não tornava aquilo menos incômodo. Mesmo assim não demorou muito para o cansaço me dominar e eu cair no sono.

Quando acordei o céu estava tão escuro que cheguei a pensar que ainda estava de noite. Mas na verdade eram só imensas nuvens que recobriam todo o céu. Não sabia dizer se eram nuvens de poeira ou de chuva, mas de qualquer jeito o ar estava mais fresco, ainda pesado mas mais fresco um pouco. Tirei o pano do rosto e saí do carro.

Parei de frente para a grande cratera no chão que um dia fora uma piscina. Agora não passava de um buraco repleto de pedras e destroços do muro que cercava a casa, além de uma enorme árvore que caíra por cima das pedras. Ao redor o chão estava todo destruído.

– É estranho como tudo sucumbiu tão rápido, não é? - perguntou Luke parando ao meu lado.

– É, rápido demais. - comentei perdida em lembranças.

– Você perdeu alguém?

– Acho que todos perdemos alguém. - disse-lhe com tristeza.

– É, acho que sim. - ele concordou, e pela primeira vez o vi sem o entusiasmo de sempre. Ficamos alguns segundos em silêncio, afundados em nossas memórias. - Vem, o Dexter acordou agora a pouco e pediu para te chamar. - disse ele de repente.

Concordei e segui-o até o pequeno quarto onde Dexter estava. Ele estava sentado na cama, com as costas apoiadas na cabeceira. Sally estava ao lado dele. Assim que me viu ela parou de falar e abriu um sorriso animado. Do alto dos seus trinta e poucos anos Sally era uma mulher bonita, com a pele bem morena e belos olhos verdes, além do rebelde cabelo castanho claro.

– Olá. - cumprimentou-me ela.

– Oi. - retribui o sorriso.

– Espero que sua noite não tenha sido muito ruim. Tentei fazer a Kristin deixar você dormir aqui dentro, mas... - disse ela em tom de desculpa.

– Tudo bem, não tem problema. - assegurei.

– Bom, eu vou deixar vocês conversarem. - ela levantou e quando estava passando por mim para sair do quarto, parou. - Quando vocês acabarem, me procure. Vou cuidar desse machucado.

– Hum... - levei um minuto para saber do que ela estava falando. Lembrei do machucado na minha testa, resultado da coronhada que levara. - Não precisa se preocupar, eu estou bem.

– Não é incômodo nenhum. - insistiu. - Faço questão.

– Obrigada.

O costumeiro sorriso voltou ao seu rosto enquanto ela saía do quarto levando Luke consigo. Era engraçado que ela conseguisse se manter efusiva e alegre mesmo com toda essa história de quase fim do mundo.

– Que bom que você ficou. - comentou Dexter tirando-me dos meus pensamentos. - Por um momento pensei que a Kristin tinha feito você ir embora.

– Prometi que ficaria. - lembrei-o. Sentei-me na beirada da cama, mantendo certa distância dele.

– Eu sei, mas hoje em dia as pessoas não cumprem muito as promessas que fazem. Mas enfim, você deve estar curiosa para saber por que te pedi para não ir embora, não é?

– Bastante. - confessei-lhe.

– Na verdade, não é nada importante. Eu só queria ter certeza que você estava bem.

– Acho que você não devia se preocupar comigo, afinal foi você quem tomou um tiro. - comentei indicando seu ombro. Ele ainda estava com a mesma camisa rasgada, manchada de sangue e furada no lugar onde ele havia tomado o tiro.

– Talvez. - ele concordou esboçando um pequeno sorriso. - Mas o que eu queria mesmo era te agradecer.

– Pelo quê? - perguntei confusa.

– Por ter me salvado, ué. Você podia ter me deixado lá, mas não fez isso. Me ajudou sem nem pensar duas vezes.

– Eu não fiz nada demais. - desdenhei. - Até porque você tinha me ajudado, então eu precisava retribuir. Era minha obrigação.

– Não era não. - ele discordou veemente. Seus olhos azuis, de um tom celeste pareciam ainda mais claros em contraste com sua pele levemente bronzeada, me fitavam intensamente. - Você não me devia nada. Não deve.

– Mesmo assim. Eu teria ajudado de qualquer jeito. - dei de ombros.

– Eu sei que sim, por isso quero que se junte a nós.

– Me... juntar a vocês? - questionei-o tensa.

– É. Você podia fazer parte do grupo, ficar conosco. - ele explicou se animando.

– Eu não posso. Sinto muito. - informei-lhe levantando-me.

– Mas por quê? É por causa da Kristin? Eu sei que ela não é muito simpática mas...

– Não, não tem nada a ver com ela. - disse apressada. - Olha, eu fico muito grata pelo que você lá no estúdio. Mas eu realmente não posso ficar.

– Ei, Rachel! - chamou-me ele enquanto eu saía do quarto.

Definitivamente eu não esperava por aquilo. Ele parecia ser uma boa pessoa. A Sally e o Luke também. Mas era justamente isso que dificultava as coisas. Toda essa confiança e aceitação pareciam errados nesse novo mundo em que estávamos. Eles não deviam ser assim, pelo menos não comigo. Eu não era a pessoa certa para eles depositarem toda essa confiança cega.

– Rachel! - gritou Dexter de dentro do quarto.

– Você ainda vai me agradecer por isso. - sussurrei para o nada antes de ir embora.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por lerem! Não esqueçam os comentários :)



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