Get Back escrita por Mags


Capítulo 5
Pure electricity


Notas iniciais do capítulo

você aí que começou a ler esse negócio por causa das road trip:
california is coming
TAN
DAN
DAN



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A música estava tão alta que o garoto com as mariposas no chão e pôsteres de lugares distantes pendurados na parede não conseguia ouvir os próprios pensamentos. Talvez fosse melhor assim.

Os cortes em suas mãos começavam a arder e o sangue nelas ainda não estava completamente seco - o que fazia com que suas mãos escorregassem ocasionalmente pelo volante. Restavam alguns fragmentos de vidro em seus cortes superficiais que cintilavam toda vez que o corvette azul de sua mãe passava por debaixo de um poste de luz.

Um envelope pardo e um exemplar de O Apanhador no Campo de Centeio (recém surrupiado da livraria da cidade) repousavam no banco traseiro. As folhas amareladas de seu livro predileto, agora irreversivelmente maculadas com o carmim de seu sangue.

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— Jojo? O que você está fazendo aqui? – Perguntou ela emergindo da piscina. Alguns instantes se passaram até a garota notar a trilha de líquido vermelho e viscoso que o rapaz havia deixado até a piscina – Meu Deus, o que aconteceu com você? – ela demonstrava genuína preocupação.

Ele baixou os olhos desconcertado para as próprias mãos repletas de cortes superficiais.

— Ah, eu... Eu vim lhe trazer um presente.

— Seu presente por acaso é algum tipo de animal morto? - ela disse horrorizada e Jojo teve de morder a língua para não rir de sua expressão preocupada. Saturn suspirou longamente enquanto impulsionava seus braços para sair na piscina – Vem, vamos lavar isso.

O efeito dos alucinógenos em seu sangue ainda não havia passado completamente. Jojo ficou parado por alguns instantes encarando a água tremeluzindo até que as mãos frias de Saturn encostaram suavemente em seu ombro. Ela o guiou até o banheiro no andar de cima e não lhe pediu para que não fizesse barulho nem uma só vez.

— Tira sua camiseta – ela sussurrou enquanto fechava a porta.

— O quê?

— Ela ta toda suja de vômito, otário – Saturn sorriu e Jojo pôde vê-la corar mesmo na luz fraca do banheiro. Isso, aquele específico sorriso, daquela específica garota, naquela específica luz, seria algo que ele guardaria para o resto de sua vida. Ele sorriu também. Não podia evitar. Ela parecia um anjo com sua pele transparente ainda molhada irradiando um brilho quase celestial e o vestido de estrelas perfeitamente ajustado em seu corpo esguio.

Abriu a torneira e observou seu sangue diluído ser sugado pelo ralo, quase como num transe enquanto Saturn esfregava sua camiseta sentada na banheira vazia.

— Isso me lembra um dia, no começo do meu namoro com o Steph. Eu quase entrei em coma alcoólico em uma festinha e eu tava toda vomitada, toda nojenta e o Stephen me carregou até o banheiro e segurou meu cabelo enquanto eu vomitava mais. Eu tava tão bêbada e não conseguia parar de chorar pedindo pra ele não terminar comigo e ele só... ficou lá, segurando o meu cabelo pelo resto da noite – ela riu consigo mesma – Cara, como eu era idiota. Eu sei que você não gosta dele e ele pode ser um babaca ás vezes, mas ele é um cara legal.

Ele engoliu em seco antes de a encarar com os olhos inchados por alguns instantes:

— Você o ama, certo? – Apesar do ponto de interrogação, tudo aquilo havia soado mais como uma acusatória afirmação.

Ela não teve tempo de responder.

— O Stephen. Você o ama, não consegue evitar – a última sentença foi tão dolorida de sair das cordas vocais de Jojo que ele se sentiu como se estivesse bebendo água sanitária - É como ser a porra da mariposa indo em direção a lâmpada. Porque ele tipo... sei lá, ele é como pura eletricidade e está em todo maldito lugar. Em cada porra de música, cada canto da sua maldita casa. E você sabe, bem lá no fundo você sabe o quanto isso vai dar errado e você se odeia tanto por não conseguir ter controle sobre nada...mas você não consegue evitar - era um frenesi desgraçado e Jojo não conseguia mais parar. – Eu sei disso. Merda, eu sei disso mais do que qualquer um. Você sempre foi a porra da minha lâmpada, Saturn. E eu tô tão cansado.

Um nó impossível de ser desfeito se formou na garganta de Saturn. Com certa dificuldade, ela saiu da banheira vazia e caminhou até o garoto esguio, envolvendo-o com seu corpo pequeno e ainda úmido. Saturn fechou os olhos por um instante e ambos ficaram naquele silêncio quase fúnebre e perturbadoramente barulhento. Compaixão não era um sentimento muito familiar para libélulas majestosas.

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Ela o acompanhou até o carro. Uma toalha cobria seus ombros e Jojo vestia uma camiseta amarelo-desbotada do pai de Saturn.

Ele apanhou o livro e o pacote de papel pardo no banco de trás do carro e os entregou para Saturn. Ela sorriu um pouco confusa:

— O que é isso? – perguntou analisando a capa respingada de sangue seco. Seus dedos deslizaram sobre a lombada do livro e depois para parte de cima do envelope.

— Esse é meu livro predileto e bem... no envelope estão todos os desenhos que eu fiz de você e alguns inspirados por algo que você disse e alguns que eu até planejei te dar, mas nunca cheguei a te dar.

(Uma nota sobre o conteúdo do envelope: praticamente todos os desenhos de Jojo Harris estavam naquele envelope simplesmente porque todos os desenhos assim como todas as coisas que Jojo Harris faziam eram de/para/por causa de Saturn.)

— Puxa Jojo... você não tem ideia do quanto isso significa para mim – ela apertou os presentes contra o peito e fechou os olhos bem apertado.

— Fico feliz, porque eu fiz um estrago considerável na vitrine deles para conseguir isso - ele disse exibindo orgulhosamente os mini cortes de vidro em suas mãos.

Ele soltou um sorriso fraco. Ela ficou na ponta dos pés e se aproximou de seu ouvido:

— As aulas começam amanhã. Te vejo na escola? - sussurrou.

E Jojo respondeu que sim, ela iria vê-lo amanhã na escola.

Mas a abraçou como se não fosse.


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