Get Back escrita por Mags


Capítulo 4
Tragedy Instead of Blood


Notas iniciais do capítulo

tem trechos do meu poema predileto no Pov da Saturn. Pra quem quiser procurar, chama Mad Girl's Love Song e é da Sylvia Plath
INCLUSIVE OEEE, TEM POV DA GATA MISTÉRIO PRA QUEBRAR PARADIGMAS yaayayayayay



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Tinham buracos de cigarro no lençol de Jojo Harris. Tinham buracos de cigarro no peito de Jojo Harris.

Ele podia jurar ouvir o barulho de um silêncio quase sólido se fragmentando conforme os saltos estupidamente caros e barulhentos de Olivia se chocavam no assoalho até alcançar a maçaneta de seu quarto. A hesitação dela era incontestável mesmo por trás dos três dedos de madeira maciça da porta.

— Joffrey? Você quer sair para almoçar? – ela perguntou do lado de fora do quarto – Joffrey? Se preferir, podemos pedir comida também, você decide.

— Não estou com fome – murmurou mais para si mesmo – Eu não estou com fome – repetiu elevando o tom.

— Certo... – ela disse forçando um tom imparcial - Caso mude de ideia, me avise.

Ele sentiu um pouco de pena dela. Olivia devia ter a consciência de ser um fracasso completo como mãe.

— Mãe – chamou um pouco hesitante – Podemos pedir pizza?

— Claro – Olivia respondeu e Jojo pôde visualiza-la sorrindo sozinha no corredor.

13 hours later

Tudo ia e vinha em ondas e Jojo podia sentir o universo se expandindo embaixo de si. As cores sussurravam o nome dela repetidas vezes e as horas passavam borboleteando diante de suas pupilas, rápidas demais para ele conseguir agarrá-las.

E claro: tudo estava engraçado pra cacete.

Ao seu redor as pessoas bebiam e dançavam e comiam bolinhos suspeitos e as luzes coloridas o desconcertavam um pouco.

“Você não pode ter uma overdose de LSD, otário” alguém lhe dissera mais cedo. 

Havia uma garota de cabelos desgrenhados meio acinzentados e seios fartos deitada em seu colo. Ele não fazia a menor ideia de há quanto tempo ela estava lá. Ela ria de forma estridente e ás vezes deixava escapar algumas gotas de saliva.

Ela falava alguma coisa sobre decepcionar e ser decepcionado. E depois sobre como o Arizona ficava especialmente quente naquela época do ano. Eventualmente alguma coisa sobre seus pais. E reclamações ásperas sobre todas essas coisas.

Os cachos acinzentados dela grudavam com o suor em sua coxa, mas ás vezes ela dizia algo verdadeiramente engraçado e ele não teria energia para mandá-la embora de qualquer jeito.

Jojo se esforçava para lembrar como tinha ido parar ali.

Em algum ponto a garota de cabelos desgrenhados e seios fartos se sentou ao seu lado e entrelaçou seus dedos aos dele.

Saturn.

E a sombra em formato de genitália que o lustre projetava no chão não era mais tão engraçada.

Saturn.

E o sofá se mexendo sozinho começara a lhe assustar.

Saturn.

E a mão dela pesava na sua.

— Por que você fez isso? – Jojo ouviu a si mesmo dizer, mas não teve certeza de ter sido ouvido por ela. Por isso repetiu elevando a voz: - Por que você fez isso?

— Sei lá... – a garota de cabelos desgrenhados sorriu de forma afetada e havia restos de comida em seus dentes – Você tem uma energia boa.

Energia boa? É bem provável que você tenha, sei lá, pegado câncer depois dessa.

— E-eu preciso ir – ele disse e de fato precisava. (Porque Saturn era a veia pulsante em sua têmpora. Saturn era seu suor frio e suas pupilas dilatadas e suas córneas com vasos sanguíneos expandidos. Saturn era seu universo inteiro se expandindo) – Eu realmente preciso ir – ele repetiu e se levantou com dificuldade.

— Ei! – ela protestou – Você é muito gay, cara...

Os corredores pareciam se estender a cada passo.

Não ia fazer a menor diferença.

Não ia fazer a menor diferença.

Não ia fazer a menor diferença.

A sentença martelava seu crânio num frenesi desgraçado. Onde diabos ele tinha ouvido essa frase?

 

— Jojo? Jojo Harris? Você ta bem? – foi tirado de seu transe por uma voz conhecida atrás de si. Ele se virou e demorou algum tempo para ele conseguir associar o rosto com o nome. E mesmo assim não tinha certeza de nada. Jerry talvez. Eles deviam ter estudado juntos ou sido vizinhos um dia – Ta chapadão, né? – disse de forma afetada e gargalhou gotas de saliva no rosto de Jojo.

— Você viu a Saturn? – ele ignorou o comentário de Jerry.

— Acho que ela está lá em cima no quarto, mas eu acho melhor você não...

— Valeu, Jerry – Jojo o interrompeu e virou-se para as escadas.

— Meu nome é Larry... – o garoto sardento com problemas notáveis de acne suspirou.

Ao longo do tempo, sua tolerância com usuários assíduos de maconha havia crescido. Larry Pines era um bom garoto no fim das contas.

Ele seguiu Jojo escada acima, perguntando a si mesmo se deveria ou não impedi-lo de continuar. Algo dentro de seu peito dizia que sim. Jojo Harris sempre amara Saturn Wroblewski e Saturn Wroblewski nunca amara Jojo Harris e o céu era azul e os Beatles eram melhores do que os Stones. Mas ao mesmo tempo, poupá-lo da tragédia do coração partido significaria também privá-lo de ter a certeza definitiva. E isto seria no mínimo egoísta. Mas ao mesmo tempo...

Larry Pines ouviu a dobradiça rangendo e soube que era tarde demais para qualquer interferência.

E Jojo Harris pôde sentir seus músculos ficando tensos e sua respiração ofegante. 

As familiares galochas amarelas estavam jogadas pelo assoalho.

— Jo? O que você está fazendo aqui? – Saturn disse fechando o zíper recém-aberto de seu vestido preto com pequenas estrelas brancas. Ele a ajudara a furtar aquele mesmo vestido há alguns verões. A memória fez com que sua têmpora esquerda latejasse.

Tinha um pouco de batom roxo-ameixa borrado no queixo de Stephen Gilner e alguns arranhões em seu peito descoberto.

— A gente ta no meio de algo, idiota – Stephen respondeu agressivamente.

— Estávamos só procurando o banheiro, Steph, relaxa – mentiu Larry colocando-se na frente de Jojo (incapaz de pronunciar qualquer coisa além de vogais).

Stephen os olhou desconfiadamente por alguns segundos antes de soltar um risinho malicioso:

— Tente não engolir muitos pentelhos, Harris.

Larry se apressou em bater a porta, esperando alguma reação violenta da parte de Jojo, mas este continuava imóvel.

 

... 

 

3 a.m.

Ele estava quase certo que sua pele fosse de gelatina. Metade de seu rosto estava mergulhado em uma substância viscosa e malcheirosa. Ele abriu os olhos e luz do poste o cegou momentaneamente.

(Não se sentia de forma alguma como Jojo, Joffrey, ou coisa parecida. Não que ele de fato estivesse sentindo alguma coisa deitado numa poça de seu próprio vômito)

Levantou os olhos. Ele estava na rua de casa, jogado no tapete de entrada de sua casa especificamente. Com alguma dificuldade, se colocou de pé. Suas pernas formigavam.

...

Around 4 a.m. (Point of view – Saturn Wroblewski)

I shut my eyes and all the world drops dead

 tudo fica subitamente silencioso.

Mas se você prestar bastante atenção, consegue sentir - correndo por suas veias - a superfície colapsando. Porque algumas pessoas nascem com a tragédia no sangue.

Abraço meus joelhos contra o peito e pressiono minhas costas nos azulejos. O oxigênio estufando meus pulmões e minha teimosia pueril em mantê-lo preso ali serviam como um protesto de fato infantil contra minha insignificância de proporções universais.

Prender a respiração nunca matou ninguém e os planetas nunca pararam de girar porque alguém morreu de qualquer forma. Mas ignorar este fato parece mais conveniente agora. Faz com que eu me sinta no controle de alguma coisa, mesmo que essa coisa seja tão insignificante como minha própria vida.

Você pode pintar sobre mim e eu ainda estarei aqui.

Eu lhe perguntei sobre o significado.

Ele disse que não sabia.

Eu não lhe disse porque achei que não fosse tão importante assim. E de fato não era.

E ele não tampouco me perguntou.

Acho que no fundo eu queria que ele tivesse perguntado, mas se quisesse tanto assim eu poderia ter simplesmente dito.

“É sobre cicatrizes”, eu diria. “E como elas sempre estarão ali, não importa o quanto você tente se livrar delas”, eu diria.

Mas de fato não disse.

I lift my lids and all is born again

Abro os olhos e tudo se resume a uma imensidão quadriculada (e limitada) e azul. Tento estimar o quanto da visão embaçada é de fato por eu estar de olhos abertos debaixo da água e o quanto é por causa do álcool e o quanto é por causa da minha miopia não adequadamente tratada.

Observo as bolhinhas de ar saindo de meu nariz e subindo. Os resquícios de minha inútil humanidade, vulnerabilidade. A limitação inegável da necessidade por algo tão idiota quanto oxigênio.  

Eu sempre gostei de piscinas, principalmente quando já está escuro, principalmente quando todos na casa já foram dormir. É como estar em outra dimensão, onde não existem ex-namorados que te traem com garotas três anos mais novas ou melhores amigos irremediavelmente apaixonados por você ou mães instáveis e pais com expectativas altas demais.

Tudo é silencioso.

E está tudo bem.

Está tudo bem.

Talvez eu consiga me convencer dessa também com um pouco mais de prática. Afinal eu já convenci meus pais. E Jojo. E Stephen.

I think I made you up inside my head

Meu vestido ondula pela água. Ele tem algumas estrelas bordadas em sua extensão, o que faz com que eu me lembre das histórias que minha mãe contava sobre o céu e o mar terem se apaixonado, sobre as estrelas-do-mar serem na verdade presentes que o céu enviava. Histórias de antes de todas as cicatrizes, é claro.

Depois de alguns segundos, permanecer na dimensão paralela se torna mais desgastante do que prazeroso. Então eu subo de volta para superfície.

O vestido encharcado se gruda em minha pele.

Sinto alguém me fitando do outro lado da piscina. Seus olhos queimam.

— Jojo?


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