Capítulo 13

Virtudes de uma rainha

Selecionada Skyler Angel Grace

Skyler bebeu ansiosamente um gole de seu suco, a tensão praticamente palpável no ar conforme os membros da família real evitavam deliberadamente uns aos outros. Nicholas não havia trocado nenhuma palavra com a mãe desde que chegara a Sala de Jantar, e sua relação com o pai parecia tão abalado quanto. Robert estava visivelmente irritado e reclamava de dor de cabeça e de estômago, sintomas clássicos de ressaca. A rainha olhava para o marido com desaprovação, e murmurou algo em uma língua que Skyler não conhecia. Alemão, provavelmente. Alice se mantinha calada, os olhos concentrados em sua comida, assim como aparentemente os da maioria das selecionadas, que tentavam evitar ao máximo chamarem atenção. A pequena princesa Mia era a única que parecia não notar a atmosfera ruim. Estava animada e serelepe, e ria alto de alguma piada que só ela parecia conhecer.

— Qual é a graça? – perguntou Katrina, num tom tão baixo que se Skyler não estivesse sentada a apenas três cadeiras de distância dela, não conseguiria escutar.

Mia fixou seus grandes olhos azuis nos da mãe e sorriu.

— Nada. Só estou impressionada em como quase trinta pessoas conseguem fazer tanto silêncio.

— “É melhor ser rei do teu silêncio do que escravo das tuas palavras” – Nicholas disse, um em tom taciturno - William Shakespeare.

Skyler relanceou o olhar em direção a ele, mas rapidamente voltou sua atenção para outro ponto ao notar que ele virava a cabeça em direção a ela, percebendo estar sendo observado. “Onde está minha coragem? ”, Skyler repreendeu a si mesma. Devia estar passando uma péssima impressão, mas não conseguia evitar. Tinha certo temor de rapazes, já que praticamente os únicos com quem convivia eram seus irmãos e devido ao fato de que quase fora estuprada por um, enquanto trabalhava na casa da família dele. E como se isso já não fosse o suficiente para dificultar sua aproximação do príncipe, ainda havia Lysander Blake.

Skyler não o via a meses, desde que ele fora recrutado como soldado e mandado para a província Denbeigh, a quilômetros de distância de Dakota. Mas independente de quanto tempo houvesse se passado, o rosto de Lyh estava gravado nos mínimos detalhes na mente da selecionada, e nem um século sem se verem conseguiria faze-la esquecer de suas feições. O nariz fino, os cabelos escuros, os braços musculosos. Lysander era seu melhor amigo e o garoto pelo qual ela era apaixonada, ou pelo menos costumava ser. Mas seria um amor platônico? Sky não sabia, já que nunca encontrou coragem suficiente para se declarar. Porém isso talvez tenha sido para o melhor. Caso os dois estivessem namorando, ela certamente não teria se inscrito para a seleção e não estaria naquele momento em meio a família real desfrutando de um almoço delicioso. E como estava delicioso!

Skyler não estava acostumada com tanta fartura. O dinheiro sempre fora apertado para ela, já que se considerava um membro da casta seis até o dia que seu nome foi sorteado pelo príncipe. A vida que levava no palácio era surreal, e apostava que até o fim daquele mês já teria engordado pelo menos dois quilos. Havia prometido a sua irmã Arielle que quando as duas se vissem de novo a ensinaria algumas receitas de coisas que comera no palácio. O problema era que era tudo tão delicioso que Sky nunca aguentava parar para examinar a composição de uma comida antes de enfia-la na boca. Teria que se infiltrar na cozinha alguma hora se não quisesse decepcionar a irmã, e ela certamente não queria.

A hora da sobremesa chegou e passou, os membros da família real se retiraram todos da Sala de Jantar, mas Skyler e as outras selecionadas permaneceram sentadas. Elas foram avisadas que fariam um tour pelo palácio com a princesa Kate após o almoço, e instruídas a espera-la ali. Porém, quinze minutos se passaram e nada da princesa. Depois vinte. Depois trinta. Skyler começava a ficar impaciente, mas tentou se distrair para fazer o tempo passar mais rápido, e acabou se servindo de uma fatia de bolo de nozes, agradecendo mentalmente pelos empregados não terem retirado a mesa ainda. Enquanto comia, notou que a menina a sua frente tinha seu prato praticamente intocado. Hesitou em falar algo devido a timidez que sentia em relação à primeiros contatos, porém depois de alguns segundos acabou perguntando:

— Está tudo bem? Você não comeu quase nada...

A garota levantou os olhos e deu um sorrisinho.

— Está sim. Só não estou com muita fome.

Skyler franziu a testa. Não achava que fosse só isso, mas não pressionaria a garota. Caso ela quisesse falar, ótimo, se não, respeitaria sua privacidade.

— Entendi. Sou Skyler. Ou simplesmente Sky.

— Sou Samantha. Ou simplesmente Sam.

Sky se lembrava de Samantha do sorteio das selecionadas pois seu nome viera pouco antes do seu. Ela era bonita, com cabelos loiros e vibrantes olhos azuis, como os de seu pai costumavam ser, antes dos rebeldes o matarem. Já os de Sky eram verdes, como os da sua mãe.

— Prazer em conhece-la – levou a boca mais uma garfada de bolo de nozes, e sorriu diante do maravilhoso sabor que invadiu sua boca – Acho que nem se eu não estivesse com fome deixaria de comer. Tudo aqui é tão delicioso.

Sam riu.

— A comida está mesmo muito boa. Principalmente a Panacotta. Mas no fundo admito que estava esperando que tivesse algodão doce.

Isso surpreendeu Skyler. Pelo que se lembrava, Samantha era da casta dois. A maioria das pessoas dessa casta que conhecia só comiam produtos caros, sobremesas refinadas e pratos franceses minúsculos cujo nome Sky nem sabia pronunciar. Algodão doce normalmente era comida de gente de castas mais baixas, pois levava pouquíssimos ingredientes e era fácil de preparar. A simplicidade de Sam era novidade. Mas uma boa novidade.

— Você gosta de algodão doce? Eu tenho certeza que já gostei também, mas hoje em dia não sou muito fã. Gosto é de torta de maça com canela. E de pipoca.

Os olhos se Sam brilharam diante dessa última palavra e ela curvou os lábios em um grande sorriso.

— Eu sou apaixonada por pipoca! De que tipo você gosta? Doce, salgada...?

— De qualquer tipo! Desde que seja pipoca, está bom para mim!

As duas gargalharam, como duas amigas que já se conheciam a anos, e não a minutos, mas foram interrompidas por uma voz feminina.

— Vocês estão falando de comida? Existe coisa mais de gente gorda do que isso?

Skyler virou a cabeça e se deparou com uma garota alta, trajando um vestido rendado preto. Ela estava em pé, com a expressão lotada de impaciência.

— Virginia, certo? – perguntou Skyler e a garota assentiu - Você está insinuando que nunca falou de comida? Isso é impossível. Ou quando vai a um restaurante fica fazendo linguagem de sinais para o garçom?

Algumas selecionadas riram, e o rosto de Virginia ficou levemente vermelho.

— Que seja. A única coisa que me interessa nesse momento é a princesa Kate e quando ela vai chegar. Faz quanto tempo que estamos esperando? Quase uma hora, provavelmente. Não sei vocês, mas eu cansei.

Virginia andou até um dos guardas postados ao lado das portas duplas da Sala de Jantar e disse em um tom autoritário:

— Exijo a presença da princesa Kate. Não sei quem ela pensa que é, mas somos as selecionadas do herdeiro do trono. Uma de nós, provavelmente eu, será a próxima rainha. Estamos esperando a séculos e cheguei ao meu limite.

O guarda lhe lançou um olhar enigmático e fez silêncio por um longo minuto antes de dizer:

— Vou buscar a princesa Kate.

Ele saiu do ambiente, e assim que as portas se fecharam, Virginia se virou para as outras selecionadas com um sorriso vitorioso no rosto.

— Viram só? Algumas palavras decididas, uma família de renome e um rosto bonito me conseguem tudo o que eu quero.

Skyler revirou os olhos e trocou um olhar de desaprovação com Samantha. Esse era o tipo de membro da casta dois com o qual estava habituada.

Kate entrou na sala menos de dois minutos depois, e todas as selecionadas se levantaram e lhe fizeram uma leve reverência.

— Não é necessária tanta formalidade diante de mim, garotas. Não sou o rei, nem a rainha. Não pertenço ao ramo principal dos Schreave, sou só um membro menor da nobreza.

Fez um sinal para a garotas voltarem a sentar, e somente depois de estarem todas acomodadas é que voltou a falar.

— Porém não é de relações familiares que vim tratar com vocês. Lhes prometi um tour pelo palácio, e é o que lhes vou dar. Mas antes tem um tópico mais importante que necessita da nossa atenção. Paciência. Como futura rainha de Illéa, vocês devem entender que ter paciência é essencial. Nobres, oficiais, políticos, muitos vão te fazer esperar. É uma forma de demonstrar poder, por mais patético que isso possa ser. Demorei para chegar aqui porque queria observar se seriam capazes de ter paciência. E muitas foram, então parabéns. Mas uma de vocês não.

Kate fixou seus olhos cinzentos nos verdes de Virginia, cujo rosto estava branco como leite.

— Você falhou, senhorita Virginia. Perdeu pontos por causa disso, pode ter certeza. E o pior é que se estivesse esperado só mais alguns minutos, até chegar à marca de uma hora, eu teria declarado que todas vocês passaram.

Virginia parecia prestes a chorar, o que fez Skyler quase sentir pena dela. Quase. A garota era esnobe demais para isso realmente chegar a acontecer.

Kate as levou por uma série de corredores até os ambientes mais importantes do palácio. A sala de cinema, a biblioteca, os estábulos, a sala de música, a piscina, essa última liberada para utilização das selecionadas, e muitos outros. Skyler esquecia onde eles ficavam no momento em que saia pela porta. Aquele lugar era enorme, um verdadeiro labirinto. Os únicos lugares cuja localização ela sabia de cor sua eram seu quarto e o Salão das Mulheres. De resto, quando precisava ir para algum lugar, seguia as outras garotas.

O resto do dia passou bem rápido. O jantar foi servido no quarto das selecionadas, já que aparentemente a família real queria um momento de privacidade. Skyler não se importou, já que assim poderia passar algum tempo conversando com suas criadas. Foi dormir cedo, pois queria acordar cedo no dia seguinte e assim aproveitar mais sua estadia no palácio enquanto ela durasse. Sinceramente não conservava muitas esperanças de realmente chegar a vencer.

Sonhava com sua casa, com seus irmãos, quando acordou de súbito. Um alto alarme ressoava pelo palácio, mas o que mais a assustou não foi isso. Foram os gritos.