Eu estava cansada do Hades. Aquele infeliz só sabia mandar em mim, como se eu fosse a empregada dele. Eu não contei nada pra minha mãe, é claro, se não ela ia surtar e eu não queria ser responsável pelas catástrofes naturais do mundo. Eu estava no quarto de Macária, minha filha, observando-a dormir quando resolvi que iria falar esta noite mesmo com Hades. Ou ele mudava, ou eu iria abandoná-lo. Levantei-me com cuidado da cama de Macária e fui para o meu quarto falar com ele. Antes mesmo de eu abrir a porta, eu comecei a ouvir o barulho de alguns gemidos e respirações ofegantes. Eu não acreditava no que eu estava ouvindo. Quando eu abri a porta eu peguei o Hades no flagra com a vaca da Nix. Aquele vagabundo estava me traindo com aquela velha! Tá bom que ela não era velha na aparência, mas ela tinha mais de 60 bilhões de anos então chamá-la de velha é até elogio.

- HADES SEU CRETINO!

- Amor! Não é o que você está pensando...

- SEU CARA DE PAU!

- Perséfone, eu posso explicar...

- CALA A BOCA SUA VACA QUE A CONVERSA NÃO CHEGOU NO ESTÁBULO!

- HEY!

- Hey nada Nix, fica quieta que eu vou falar com a Perséfone.

Não acredito. Ele ainda acha que tem o que falar comigo? É muita cara de pau mesmo! Ele se levantou e vestiu o seu robe vermelho de seda. Eu não perdi tempo e sai de lá o mais de pressa possível. Eu não estava com cabeça pra falar com ele.

- Perséfone espera!

- Não Hades! Nós não temos nada para conversar.

Eu fui até o sótão e peguei duas malas grandes para por minhas roupas e quando eu estava saindo, eu me deparei com Hades na porta me impedindo de passar.

- Sai da minha frente!

- Aonde você vai com essas malas?

- Eu vou embora!

- Por quê? Só por cauda desse incidente?

- Não Hades, esse foi o estopim! Você tem me tratado como uma empregada nos últimos séculos e eu estou cansada disso! Você nem dá atenção à sua filha e sinceramente eu não sei se te amo mais! Eu estava disposta a ir conversar com você hoje para ver se encontrávamos alguma solução, mas depois disso eu percebi que nem confiar em você eu posso. Mamãe tinha razão, você não presta! Eu não devia ter me envolvido com você!

Eu já estava de saída quando eu senti a mão de Hades se fechando em meu braço com força. Eu olhei para ele e encontrei o olhar hostil que ele apresentava a todas as almas pecadoras que vinham para o inferno. Os seus olhos estavam vermelhos e ardiam de tanto ódio.

- Solta meu braço, você está me machucando!

- Eu não fui bom o bastante para você todos esses anos? Eu não fui bondoso o bastante para te dividir com a chata da sua mãe? Eu não te dei tudo o que queria? Você é uma ingrata! Você tem tudo o que quer e é assim que me retribui? Estou cansado da sua insatisfação, você faz um escândalo por nada. Se você não reparou, eu tenho um reino para cuidar! Eu não posso perder meu tempo com a Macária por que se eu perdesse, eu não teria tempo para cumprir o meu papel de marido. Você não faz mais do que sua obrigação cuidando desta casa! De hoje em diante, como punição por seu mau comportamento, você não irá sair daqui! Será minha prisioneira e também será tratada como tal! Você achava que eu sou mal? Eu vou te dar um motivo para me achar mal. Você ficará trancada no quarto até segunda ordem!

- Você não pode fazer isso comigo, seu miserável!

- Sim, eu posso e eu vou! Nunca mais você irá compartilhar a sua beleza com o mundo!

Mesmo com os meus protestos, Hades me trancou em nosso quarto. Ele expulsou Nix do quarto e me trancafiou. Eu batia como uma louca na porta tentando sair dali ou que ao menos alguém escutasse os meus gritos. Ninguém veio ao meu encontro, nem mesmo Macária. Dias se passaram e eu já estava ficando louca naquele local. Eu tinha tudo ao meu dispor no quarto, mas nada era o bastante. Eu queria minha liberdade, minha filha, alguém para conversar. Tentei escapar de várias maneiras, mas nada funcionava. Não sei quanto tempo se passou, talvez anos, mas um dia as minhas preces foram ouvidas. Olhei para a minha janela e pude ver que as criaturas do Vale das Lamentações estavam agitadas, apesar de estarem razoavelmente longe. Escutei o ranger da porta e me virei para ver o que ou quem era. Era Macária, ela tinha vindo ao meu resgate.

- Macária! Filha, eu estava com tanta saudade!

Nos abraçamos, mas logo Macária se separou de mim e falou com urgência.

- Mãe, não temos muito tempo. Você precisa sair daqui! Cérbero e todas as outras criaturas estão ocupadas tentando deter as almas que estão tentando escapar.

- O que? Mas...

- Não temos tempo! Pegue essa bolsa e vá embora depressa! Artêmis a está esperando na saída. Ela irá te ajudar a se esconder no mundo dos vivos. Vá mamãe! Não perca tempo! Papai já está voltando do rio Cócito para ver que confusão é essa!

Macária não me deixou falar mais nada. Ela me empurrou até a porta do castelo e mandou eu correr até o portão.

- Mas enquanto a você?

- Eu vou ficar bem! Vamos mamãe, corra! Quando eu puder, eu vou escapar e vou ao seu encontro.

Eu corri o máximo que minhas pernas deixavam. Se Macária tinha tanta urgência em minha fuga, quer dizer que algo sério iria acontecer. Eu confiava em minha filha, então fiz o que ela pediu. Meu coração ia apertando cada vez mais à medida que eu me distanciava do castelo. Eu não olhei para trás. Tinha medo de não ter forças o suficiente e acabar voltando só para não abandonar minha filha. Eu pude ver à poucos metros Cérbero, as Górgonas, as Harpias, as Erínias e as Queres impedindo a passagem das milhares de almas que tentavam escapar. Estavam tão distraídos tentando controlá-las que não perceberam quando eu me aproximei do portão e passei para o outro lado. Subi as escadas de mármore correndo e pude ver a luz que vinha da saída de Tártaro. Era tão lindo! Ha quanto tempo eu não via a luz do dia? Quando finalmente cheguei ao topo eu encontrei Artêmis, linda como sempre, sorrindo para mim. Ela me fitou com aqueles belíssimos olhos azuis e me abraçou.

- Quanto tempo minha amiga!

- Senti tanto a sua falta Artêmis.

- Venha, eu preciso te esconder antes que o Hades resolva sair à sua procura.

Ela me segurou e levantou vôo. Depois de duas horas voando, ela parou em frente a uma caverna e me colocou no chão.

- Nós vamos ficar aqui?

- Só por um tempo. Eu preciso pegar algumas roupas para você poder se misturar e preciso comprar algumas passagens para você.

- Passagens, para que?

- Você não vai ficar aqui na Grécia, Perséfone, você vai embora para outro país. Quanto mais longe de Hades melhor.

- E para onde eu vou?

- Estou pensando nos Estados Unidos, o que acha? Você fala inglês, não é?

- Sim eu falo.

- Então está tudo bem. Volto em algumas horas, tome cuidado Perséfone. Não deixe que ninguém te veja.

- Espera, Artêmis, o que está acontecendo?

- Quando eu voltar eu te conto, ok?

Eu assenti e Artêmis levantou vôo mais uma vez. Eu olhei para a bolsa que Macária havia me entregado e me deparei com várias notas de dinheiro, em dólares e em euros. Como ela conseguiu todo esse dinheiro? Já era noite quando Artêmis voltou. Ela me entregou uma blusa branca, uma calça jeans e um tênis. Eu fiz uma careta quando vi isso.

- Fala sério né Perséfone? Estamos no séc. XXI, você não pode sair por aí com esse vestido grego fora de moda.

- Eu sinto saudade da época em que éramos adoradas e as nossas roupas imitadas pelas jovens. Isso era tão divertido. Agora ninguém acredita mais em nós, culpa daqueles cristãos idiotas. Isso é um saco!

- Também acho amiga, mas já que não tem outro jeito veste essa roupa logo que o seu vôo é em uma hora.

- Tudo bem, mas enquanto eu me arrumo, por que você não me conta o que está havendo?

- Tudo bem então.

Artêmis me falou que Hades estava planejando me matar por não querer ficar me sustentando mais. Vê se pode? Eu estava trancada sem poder fazer nada e ele ainda dizia que eu dava trabalho. Aff. Ela disse que Macária falou com ela e elas tramaram um plano. Macária espalhou o boato que se todas as almas se rebelassem elas conseguiriam escapar de Tártaro. Lógico que isso era mentira, mas todos acreditaram e a rebelião não demorou a ocorrer. Artêmis disse que Macária iria se encontrar comigo em breve, ela não queria levantar suspeitas para o seu pai. Ela me disse também que eu fiquei trancada a mais de oito anos e por isso eu podia estranhar algumas mudanças na sociedade, mas que eu não precisava me preocupar que ela estaria o tempo todo comigo me orientando e protegendo. Perguntei sobre a minha mãe e ela disse que minha mãe anda tão estressada e deprimida que em 2004 aconteceu um Tsunami no Oceano Índico que matou muita gente. Descobri também que de agora em diante meu nome seria Melanie Gray e que o dela seria Diana Dash, e o nosso novo lar seria em Makah nos Estados Unidos da América.