Mascarade escrita por Last Mafagafo


Capítulo 15
Capítulo 15 - No terraço




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Ninguém se surpreendeu com o desaparecimento de Jared. Muitos outros bailarinos acabaram se afastando da ópera de vez e um boato começou a se espalhar de que ele estava trabalhando para uma mulher rica ou que havia ido dançar em Londres. Colette ficou irritadíssima com o sumiço dele. Ela o amaldiçoou por ter sumido sem dar explicação. Blanche nada disse e aguentou a culpa pelo tempo que os boatos duraram. Ela também não voltou a ver o Fantasma depois daquilo, apesar dele estar sempre por perto, a vigiando. O Persa cruzava seu caminho vez ou outra e sorria discretamente, reconhecendo sua presença. Ainda assim, Blanche passava as noites em claro, pensando que era culpada pelo assassinato de Jared.

Erik a acompanhava desde o episódio com o bailarino. No começo ele prometera a si mesmo que seria só por alguns dias, um desencargo de consciência. Com os outros ela parecia a mesma dançarina alegre e irritante de sempre, rindo com as amigas e bebendo escondido de Mme Giry, mas quando estava sozinha ele a observava chorar baixinho ou simplesmente olhar para o nada pensativa. Havia algo naquilo que o entristeceu.

Ele sempre vira Blanche e as outras bailarinas como coisinhas irritantes e estúpidas. Jamais pensou que ela teria um passado tão triste, talvez tanto quanto o seu. A pobre moça era objeto da ira de seu pai constantemente. Ao menos a mãe parecia lhe amar, algo que ele mesmo nunca conheceu. Independentemente daquilo, ele sentia alguma afinidade com ela.

Uma noite, depois de ensaiar exaustivamente, Blanche decidiu caminhar pelo teatro.  Subindo para o terraço, ela deixou o ar gelado da noite de Paris refrescar seu rosto. Se sentou sob uma estátua, o mesmo local em que Christine havia contado sobre o Fantasma para Raoul antes de desaparecerem como um casal apaixonado. Olhando para o céu começou a ter pensamentos mais tranquilos e se distraiu com as estrelas. Por algum motivo, ela se sentiu menos sozinha e mais tranquila e, aninhando-se junto à estatua, se deixou adormecer.

Entre a inconsciência do sonho e a realidade sentiu um braço forte e quente passar sobre ela e lhe cobrir. Como o presente de um anjo, ela agarrou a capa e abriu os olhos devagar. Ela se sentia protegida.

— Erik, é você? - ela perguntou, mas não houve resposta - Se for você, apareça, por favor. Está começando a me assustar - ela disse, abrindo os olhos.

— Sou eu - ele apareceu, ficando ao lado dela. Ele estava de pé, olhando para baixo.

— Não queria te incomodar - ela se sentou novamente. Percebendo que a capa do Fantasma estava sobre ela, ela estendeu para ele..

— Fique - ele disse, empurrando sua capa sobre ela, e ela não quis discutir.

— Está tudo bem? - ela perguntou. O que o Fantasma fazia ali no terraço?

Ele nada disse, apenas permaneceu lá. Blanche se sentiu desconfortável com a presença dele. Porque se mantinha ao seu lado se tinha pedido para que ela ficasse? Ele não gostava muito dela, então provavelmente preferiria sair.

— Você não vai sair?

— Não, estou bem aqui - ele respondeu, aumentando o desconforto da moça.

— Podemos conversar, então? Me sinto estranha com você aqui.

— Conversar comigo? - ele gargalhou. Ninguém jamais quis conversar com o Fantasma - O que quer falar? - havia ironia em sua voz.

— Como chegou aqui, na ópera?

— Eu moro aqui desde que construímos este lugar.

— Você construiu a ópera?

— Sim.

— Como é possível?

Ele deu de ombros. Ela estava perguntando demais.

— Você é de Paris? - ela perguntou.

— Por que quer tanto saber da minha vida?

— Sei lá. Eu te contei da minha.

— Eu não pedi - ele respondeu.

— Eu sei… - ela se recolheu na capa.

O Fantasma soltou um longo suspiro. Percebeu que ela estava desconfortável com suas respostas curtas e pensou que o pedido da moça era razoável. Ela havia lhe contado sobre seu pai, afinal.

— Eu não sei bem onde eu nasci. Cresci em um circo itinerante, como uma das…atrações.

— Seus pais eram artistas? - ela perguntou.

— Não. Na verdade, eu não me lembro deles. Eles me largaram no circo quando eu era criança.

— Que triste… - disse Blanche, se reclinando para ele e ficando desconfortavelmente próxima. Erik se incomodou, pela proximidade física e pelo fato de estar se abrindo tão facilmente para Blanche. Aquela era uma história que o magoava.

— Acho que já basta de história.

— Me conte, por favor - Blanche se aproximou dele, puxando-o pela mão e ele se assustou. Era a primeira vez que alguém lhe tocava espontaneamente. Ele puxou a mão de volta e se sentou ao lado da moça, guardada uma certa distância, enquanto seu toque formigava, mesmo que usasse luvas.

— Uma sultana me viu um dia e resolveu me levar com seu séquito. Eu passei a desenhar palácios e construir mecanismos de execução para ela.

— Execução? Quer dizer… morte? - ela perguntou e ele assentiu.

Blanche tremeu. Erik não soube dizer se de frio ou medo, mas decidiu continuar com a história. Ela havia insistido, afinal. E ele gostava da ideia de chocá-la. No fundo, provavelmente, esperava que ela fugisse dele aterrorizada, como todos os outros faziam.

— Um dia eu ouvi algo que não deveria e a sultana mandou me capturarem. O Daroga foi quem me perseguiu na época.

— Por isso que o Persa está aqui? - perguntou Blanche.

— Não! O Daroga me encontrou lá na Persia. Mas ele gostava de mim, então entregou um cadáver no meu lugar. O problema é que descobriram e o Daroga foi exilado. Nos encontramos aqui, há uns dois anos.

Blanche sorriu, o que não passou despercebido por Erik.

— Sabia que o Persa era bom.

— Não diga isso! Ele é uma pedra no meu sapato, isso sim! - Erik respondeu, incomodado pelo elogio de Blanche a Nadir.

— Deve fazer mais de dez anos que está aqui, não é? - ele assentiu - Por que só apareceu há três? - perguntou a moça

— Estava cansado de ficar sozinho nos subterrâneos, ouvindo as apresentações de ópera e ballet escondido lá em baixo como um rato ou um criminoso.

— Entendo - ela disse, um sorriso acolhedor.

— Não, você não entende. Nenhum de vocês sabe o que é viver escondido e escorraçado por causa de um crime que não cometeu. Por causa de um rosto que não pôde escolher - Erik se irritou com a proximidade que estava estabelecendo com a moça. Depois de tudo e ela continuava ao seu lado, sorrindo. Ele queria que ela se afastasse, o irritava que Blanche continuasse aos seu lado, fingindo que entendia, fingindo que se importava com sua história.

— Já entendi - ela se levantou irritada. Blanche estava cansada da postura derrotista do Fantasma. Ele estava sempre se menosprezando, sempre se posicionando como vítima e maldizendo o mundo - Você acha que é a única pessoa que sofreu na vida. Você realmente não conhece este mundo. Você não conhece nem as pessoas dessa ópera! Carlota, por exemplo. É uma mulher horrível e arrogante, uma diva! Mas já ouvi que ela foi uma prostituta que cantava em bordéis em troca de um pedaço de pão. Quer outro exemplo? Colette  morava nas ruas quando criança e roubava para se alimentar. Já foi presa uma porção de vezes.

— Nenhum deles tem o rosto amaldiçoado como o meu!  Nenhum deles foi desprezado pelo pai e pela mãe como eu fui! Nenhum foi tratado como lixo sem nem mesmo saber o que fez de errado - ele se exaltou, se levantando de modo ameaçador.

— Você é um idiota! Sim, seu rosto é horrível!  Mas você não é só seu rosto, por Deus! - Qual era o problema daquele homem? Ficava resmungando pelos cantos, mas nem percebia. Blanche lembrou de ouvi-lo tocar nos subterrâneos, lembrou de sua voz quando tentava acalmá-la, pensou no calor dos seus braços havia poucos minutos quando ele tentou cobri-la e nos olhos brilhantes que via refletir a lua naquele momento - Você é talentoso! Canta como um anjo, toca divinamente, construiu essa ópera! E quer saber? Você é … - ela parou no meu da frase. O que diabos ela estava falando?

— Vamos, termine! - ele disse, irritado.

— Não… Eu já acabei - ela ficou distante e pensativa. O que estava pensando? De onde tirara tantos predicados sobre o Fantasma? Blanche corou.

— Você é louca! - ele se virou para o outro lado, irritado. Como ela tinha a audácia de lhe dizer aquilo tudo? Em outros tempos a teria matado por bem menos.

— O que tem feito nestes últimos dias? - ela disse, um tom bem mais baixo do que vinha utilizando.

— Estou compondo - ele respondeu, voltando ao seu jeito seco de sempre.

— Então aquelas partituras são todas originais?

Ele assentiu e ela riu.

— Vê? Quantas pessoas neste mundo compõe?

Ele nada disse, mas Blanche imaginou que havia visto um traço de sorriso em seu rosto. Se sentindo satisfeita e cansada, ela se virou para o outro lado, se aninhando novamente na estátua. Segurou a capa que a cobria e, discretamente sentiu seu cheiro. Era algo forte, amadeirado. Ela sorriu e se deixou adormecer. Estranhamente, estava se sentindo segura.

Erik observou Blanche adormecer ao seu lado, aninhada aos pés da estátua e enrolada em sua capa. Aquela garota era irritante, o enfrentando daquele jeito sempre que se encontravam. Mas ali, dormindo tranquilamente ela parecia menos desagradável. Ela agarrava sua capa e dormia com um singelo sorriso nos lábios e, de certa forma, aquilo trouxe paz para o Fantasma. Erik se deixou ficar ao lado dela, vigiando seu sono. Ele não se sentia cansado, já se acostumara a passar as noites em claro, o único momento em que conseguia sair de sua prisão subterrânea sem ser visto. Só saiu do terraço quando percebeu que Blanche estava prestes a acordar. Pegou sua capa e esperou que a moça saísse, só então retornou aos subterrâneos, seu lugar devido.


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