Antes Que Eu Esqueça escrita por Mayor Hundred


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Para alguém especial.



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Fez quinze anos ontem.

E quantos anos você tinha? Dezoito ou dezenove? Talvez dezessete. É, você tinha dezessete. Não podia nem beber, mas já bebia. Escondido, e quase sempre comigo. O gosto ardente do álcool descia pela garganta como saliva de um dragão. Eu não gostava, e provavelmente você também não. Mas era tão descolado beber, naquela época, com aquela idade.

E às vezes fumávamos também. Quer dizer, eu fumava. Você só gostava do cheiro. Coisa estranha. Eu sempre gostei de tudo, menos do cheiro que ficava. E até hoje fumo, aqui e ali, de vez em quando. Escondido da esposa, do chefe, da família. Até escondido de mim mesmo, às vezes. O cigarro é muito mais do que alimento de vício, mas uma parte material de ti que não quero perder.

Não posso.

As memórias vão embora devagar. Já não consigo lembrar da cor dos teus olhos, se você tinha as sobrancelhas finas ou grossas, se tua boca era pequena ou grande. Tua pele, em minha cabeça, é feita em dimensões de azul. Seu cabelo eu nunca esqueço. Cor de fogo. Mas também talvez seja só uma memória mal interpretada.

Lembro de andarmos sob o calor da cidade, nadarmos numa piscina tão meia boca e que a minha primeira viagem de avião foi contigo. E você pegava a minha mão, para me guiar, ou só para estarmos juntos mesmo. Agora não te encontro mais. Nem debaixo do Sol, ou sob as mais profundas águas, tampouco no alto do céu. Ou eu só não enxergue bem o suficiente?

E apesar dos comentários e risinhos, nada disso importava. Eu podia passar semanas, meses, sem te ver e, quando via, parecia nunca ter nos separado. Podíamos segredar os mais profundos e profanos mistérios da alma e saber que estavam seguros.

E então você se foi. Sem dizer adeus, sem dar uma ligação, sem deixar uma nota. Foi para sempre. Deixou a corda abraçar o teu pescoço e saltou para a escuridão. E se foi.

Se foi. Se foi. Se foi. Se foi.

E se foi. Estou repetindo porque, ainda hoje, não acredito. E lembro de pensar que a qualquer momento você abriria os olhos. Olhos que já não têm mais cor. Mas não abriu. Um buraco apareceu e ia de um extremo ao outro. Não só no meu coração e na minha alma, mas também no mundo. O que você era, aqui dentro. O que poderia ser, lá fora.

E o que você ainda é.

Eu tenho trinta e três anos agora. E já não sou mais o mesmo, em nenhum aspecto. As células do meu corpo morreram e foram substituídas, o meu rosto mudou, ganhou rugas, ganhei marcas, cicatrizes, dores e alegrias. Falhei em provas, fui demitido, tive o coração partido. Mas também realizei sonhos, conheci lugares e tive meus amores. Ninguém segura a minha mão.

E ao mesmo tempo que não sou mais o mesmo, ainda sou. Ainda sou o carinha com cheiro de cigarros. Ainda sou o que não sabe a cor dos teus olhos. Que fez a primeira viagem de avião contigo. Ainda tenho o mesmo nome.

E você?

Ainda tem dezessete anos. E ficou com as tuas lembranças. Ainda carrega a inocência e a energia jovial que já me fora há muito tempo. Tem o corpo de dezessete, a mente de dezessete, as certezas de dezessete. E eu já tenho trinta e três.

Um dia eu terei mais. Muito mais. E você vai continuar ali.

Às vezes caminho pelas antigas ruas da cidade em que crescemos. E a cada esquina que viro, penso que vou te encontrar. Às vezes passo pelo bairro da tua casa, e fico esperando te ver, assim, sem querer. A casa é de outra pessoa agora. Ou talvez nem tenha mais casa. Mas você ainda mora ali. E eu sempre me esqueço que se foi. Porque, no final, você se foi? De alguma forma, eu sei, você está ali. Só por estar aqui. Comigo.

E talvez um dia, eu vou te encontrar. Do lado de lá. Com outra roupa. Sem o cheiro de cigarro. E talvez finalmente descobrir qual a cor do teu olhar. Qual é o sorriso que tu veste. Qual é a voz que me chamava.

E se um dia eu te achar debaixo do Sol? Ou no fundo de um oceano secreto? Ou no céu além dos céus?

Você seguraria a minha mão?


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