Histórias do Desapego escrita por Tia Anette Atlas


Capítulo 5
4.




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Estavam de novo no bar no alto da colina. Valquíria fora convidada por sua amiga de longos cabelos ruivos novamente. Ela chegara algumas horas depois do combinado, mas pensou que encontraria sua amiga ainda. Um pequeno grupo de conhecidos estava conversando próximos ao balcão. Ela se aproximou, reconhecendo duas pessoas que estavam de costas pra ela e Demas, que ria de algo. Valquíria não teve tempo nem de cumprimentar a todos, pois escondida atrás das silhuetas mais altas, estava a garota de cabelos castanhos e grandes lábios. A mesma deu uma desculpa e se afastou, levando com ela o casal que ali também estava.

“Parece que o clima não está muito bom” Demas comentou quando se percebeu sozinho com Valquíria.

“É, não será uma noite muito boa.” Valquíria disse, se virando para o balcão e pedindo uma cerveja.

“Sabe por que estão assim?”

“Parti o coração de alguém, eu acho.” Valquíria tentava não se importar.

“Parece bem grave.”

“Podia ser pior.” Ela pegou a cerveja e abriu, dando um grande gole. “Vai ficar quanto tempo na cidade?”

“Uma semana, vou aproveitar o recesso.”

“Escolheu um péssimo lugar.” Ela esboçou um sorriso torto.

“Venho mais pelas pessoas.” Ele também sorriu “Mas não pense que vai fugir do assunto, como partiu um coração?”

Valquíria suspirou, olhou Demas nos olhos, encontrando confiança. Não havia por que não contar, se qualquer forma.

“Ela queria um compromisso com alguém que a amasse e eu não soube oferecer nada disso. Então, depois de algumas semanas, mas antes que virasse algo com o que eu não conseguiria lidar, eu terminei o que nem tínhamos começado. É isso.”

“Parece que foi o certo a fazer.” Demas constatou, tentando confortá‐la.

“Sim. Eu não estava apaixonada, não sei lidar com compromissos nem quando penso que estou, imagine sem...”

“Já se apaixonou alguma vez?” A pergunta dele a surpreendera.

“Não me lembro” ela respondeu, ainda tentando buscar na memória.

“Devia se permitir. É fascinante.” Houve um silêncio entre eles, de onde estavam, podiam encontrar os olhos da garota chorosa que fitava Valquíria do outro lado do bar. “Quer ir lá fora?”

“Sim, obrigada.” Valquíria se sentiu aliviada.

Demas comprara mais duas latas de cerveja e acompanhou Valquíria até o lado de fora. Sentaram no mesmo gramado em que conversaram na ultima vez que se encontraram.

“Mas e você? Se permite apaixonar o tempo todo?” Ela demonstrou interesse.

“Não o tempo todo, mas o suficiente pra me ligar em algumas pessoas.”

“Não consigo te imaginar preso a ninguém.”

“Já aconteceu. Estive preso em alguém por alguns anos.” Ele abriu uma cerveja “Tive alguns bons relacionamentos também, que acabaram por acabar. Mas é de se prender que você tem medo, não é?”

“E se parássemos de falar de mim por algum tempo?” Ela sorriu, se mostrando um tanto tímida.

Ele riu. Demas observou que o lugar onde estavam era bom para observar as estrelas. Colocou-se deitado na grama, as observando. Valquíria o acompanhou. Ele se revelou astrônomo, contou que observava o céu desde sempre.

“Ali é Orion, tá vendo?” ele apontava.

“Onde? Perto das Três Marias?”

“As Três Marias são o Cinturão de Orion. Viu agora?”

Valquíria fez silêncio ao observar a constelação. Fechou os olhos por alguns segundos, com um pequeno sorriso nos lábios.

“Estou gostando, vou te chamar pra fazer isso mais vezes.” Ela disse ao abrir os olhos e perceber que Demas estava um pouco mais próximo.

“Sempre às ordens.”

“Ou deve ser chato trabalhar com isso sempre e depois ter que ficar explicando pra uma leiga.” Ela sorriu, sem graça.

“Eu trabalho com o que gosto, felizmente. Não será incomodo algum.” Ele também sorriu, era sincero.

O silêncio que se estabelecia entre eles era confortável, mas não durava muito.

“Não vi sua prima até agora, onde ela está?”

“Com um cara do escritório onde ela trabalha, saíram pouco antes de você chegar.”

“É verdade dessa vez?” Valquíria riu.

“Parece que já me desmascararam. Mas sim, dessa vez é verdade.”

“Vou conferir com ela depois.” Valquíria disse com um ar desconfiado.

“Se quiser ir lá dentro, a gente vê se ela está lá.” Demas parecia se sentir um intruso.

“Não. Está bom aqui, com você.” Ela o reconfortou. Ele sorriu, estendeu seu braço e acariciou os cabelos dela. Ela corou levemente, desviou seu olhar do dele. “E aquela estrela?” Valquíria apontava.

“A grande? É Sirius.” Ele respondeu sem parar de brincar com os cabelos dela.

“Tem uns nomes antigos que as pessoas pararam de usar, mas são legais.”

“Acredite, não são.”

Valquíria ria, só percebera a ironia de sua fala com o comentário de Demas.

“Mas seu nome é bom!” Ela falou, tentando parar de rir.

“Você tá de brincadeira comigo.” Ele continha uma risada.

“Não, é sério! Seu nome é diferente, mas não é tão ruim.”

“Tão ruim?” Ele soltou a risada contida.

“Pare, eu falo sério. Demas é um bom nome, é melhor que Dimas. Significa o que?”

“Eu sei lá.”

“Demas soa bem. Demas...”

Ele ficou sério, se virou pra ela. Ergueu o tronco sobre o braço que acariciava os cabelos dela, os colocando bem próximos. Valquíria estranhou os olhos dele sobre ela, mas o encarou também.

“Diga de novo.”

“Demas.” Ela disse, segurando uma risadinha tímida.

“Com você falando, até não soa tão mal.” Ela sorriu.

Lentamente, ele se aproximou mais. Apoiou sua outra mão do outro lado dela, colocando seu tronco acima do de Valquíria. Não dizia mais nada, nem ela. Já muito próximos, ele se afastou poucos centímetros, para observar os olhos dela.

“Acho que você poderia me avisar se achar que eu não devo me permitir hoje.”

“Você quem entende disso. E é também você que já sabe no que está se metendo.”

Ela observou o sorriso dele, os olhos dele mirando os seus. Sentia a respiração dele e um estranho calor que subia do seu peito para sua cabeça. Ele se aproximou mais, o que a levou a fechar os olhos e sentir os lábios dele pousando nos seus.

***

Já era terça-feira, Valquíria concordara em ir com sua amiga de cabelos ruivos a uma loja.

“Me diz, o que aconteceu no sábado?” A ruiva perguntava, ostentando um sorriso malicioso.

“Tenho até medo quando você sorri assim.”

“Não me enrole!”

“Você quer saber se eu fiquei com seu primo, é isso?” Valquíria a encarava, recebeu como resposta um manear de cabeça. “Sim.”

“Eu sabia que ele tinha gostado de você!” A amiga comemorava.

“Não foi nada demais, foi só uns beijos.” Ela corava.

***

No dia seguinte, Valquíria encontrou Demas em um café. Conversaram, mas passaram muito tempo se observando em silêncio. Saíram do café já de noite, caminharam sorridentes até o carro popular que Demas possuía. Beijavam-se o tempo todo. Ele levou Valquíria até o prédio em que ela alugava um pequeno apartamento.

“O que você vai fazer sexta?” Valquíria perguntou.

“Pelo que me parece, vou sair com você.” Ele sorriu.

Na quinta-feira que se seguiu, conversaram por mensagens o dia todo. Na sexta-feira, antes de se encontrarem, foi a mesma coisa. Valquíria sorria para a tela do celular todo o caminho para casa no ônibus.

Encontraram-se em outro bar, que Valquíria também costumava frequentar. Tomaram uma mesa, conversavam sobre seus relacionamentos passados.

“Você sempre atrai idiota? Começo a achar que sou um.” Comentava Demas.

“Não, você é bem diferente deles. Em um monte de coisas.” Valquíria estava sorridente, mas se constrangeu com o que acabara de dizer.

“Gostei de ouvir isso.” Ele sorriu vitorioso.

“Não precisa ficar convencido.” Ela riu.

Mudaram de assunto, algum outro que rendeu também. Ele, que antes estava sentado a frente dela, mudou sua cadeira de lugar pra que ficassem um ao lado do outro. As pernas dela encontraram as dele, Valquíria as deixou daquela maneira, encostadas.

Beberam bastante, até começarem a sorrir a toa. Quando não estavam rindo, estavam se beijando. As mãos começavam a oferecer carícias por debaixo da mesa. Algumas pessoas ao redor se sentiram incomodadas. Os dois conseguiram ouvir de outra mesa:

“Por que não arrumam um quarto?”

Riram. Cessaram os beijos, mas continuavam bem próximos.

“Quer ir lá em casa?” Valquíria ofereceu. O viu sorrindo e inspirando profundamente.

“Vou pagar a conta.” Ele se levantou e a deixou ali por alguns minutos.

Foram embora de táxi, Valquíria pagou a corrida.

***

Quando Valquíria abriu os olhos, o sol estava nascendo e a luz já entrava por uma fresta na janela. Ela se virou, encontrando Demas, que ainda dormia. Não pôde evitar um sorriso. Sua movimentação fizera com que ele se movesse também, ficando de frente para Valquíria. Por impulso, ela beijou sua face, fazendo com que ele acordasse. Ele soltou um gemido por causa do sono e passou um braço por cima das costelas de Valquíria, fazendo com que ela se aproximasse ainda mais. Adormeceram mais uma vez.

***

Valquíria tomava banho. Diferente do de costume, ela não se permitiu demorar. Saiu do banheiro enrolada na toalha, encontrando Demas acordado e vestindo suas calças. Ela não disse nada, caminhou até seu armário e, enquanto escolhia suas roupas, ele a surpreendeu com um abraço pelas costas e um beijo em sua bochecha. Ela sorriu, mas ele logo se afastou.

“Você viu minha camiseta?” ele disse

“Está no banheiro.” Ela o observou entrar no banheiro e sair de lá com sua camiseta em mãos, a colocando. “Você parece com pressa.”

“Tenho que viajar ainda hoje, se lembra?”

“Fica pra tomar café, pelo menos.”

Ele pareceu surpreso com o convite, mas aceitou com um sorriso. Ela pareceu ficar tímida. Franzia o cenho, talvez se perguntando por que queria prolongar a estadia dele.

Ela vestiu sua roupa íntima, encontrando um hematoma na parte interna sua coxa, presente dos lábios de Demas. Enquanto ela observava, passou seus dedos sobre a marca. Ouviu Demas abafar um riso.

Tomaram o café juntos, falaram pouco sobre a noite anterior. A baixo da mesa, suas pernas se apertavam. Parecia um movimento inconsciente, mas às vezes queria dizer alguma coisa.


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Notas finais do capítulo

Sei que era isso que vocês estavam esperando. Mas não cantem vitória ainda.