Conto das Xícaras escrita por eDuka


Capítulo 1
Capítulo 1




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É difícil expressar em palavras o que não tenho conhecimento absoluto, mas vou tentar ser sincero e específico nas ideias propostas ao longo da narrativa. Terá fatos. Sim. Mas basta que imaginemos algo que este passa a existir. Um conto, acho eu, é bom de escrever porque não há muita preocupação estética. É começo, meio e fim. Então este não será diferente. Vamos ao começo, do começo, agora.

Eu pensara em um longo pretexto sobre xícaras antes de começar, mas meu tempo é curto e garanto que o seu também, então vamos direto ao nosso personagem principal.

Juliano possuía um inestimável conjunto de xícaras de porcelana finíssimas que ele comprara uma vez em um leilão. As doze xícaras do conjunto formavam um total de vinte e cinco peças se acompanhadas do bule e dos respectivos pires. As xícaras, juntamente com os pires, tinham a borda folheada a ouro e mosaicos azuis que formavam imagens distintas para cada xícara. Juliano, pouco estudado, não sabia o que as imagens significavam, mas gostava de olhar para as xícaras em sua cristaleira. De tanto gosto em tê-las, ele comprara uma cristaleira especialmente para o conjunto que ele exibia com esmero na cozinha. Juliano passava admirando às xícaras, reservava sempre algum minutinho do dia para olha-las.

As xícaras eram o que havia de mais valioso na casa de Juliano, era o que ele pensava. Nem o carro, nem a luxuosa cozinha, nem mesmo o valor da casa poderia substituir o preço das xícaras. No divórcio, abrira mão de muita coisa para ficar com o conjunto de porcelana.

Juliano uma vez usou o conjunto em uma festa que fizera em sua casa, querendo logo exibir a porcelana para os convidados, mas ninguém pareceu impressionado ao ponto de comentar ou apresentar algum interesse sobre as porcelanas. Então decidiu que não usaria o conjunto assim, com muita gente, faria logo uma janta com apenas algumas pessoas. Teve a ideia de reunir onze amigos, somando doze com ele, para que cada um ficasse com uma xícara.

Deste desejo de juntar onze amigos, sempre convidava essas pessoas para uma janta aqui, um encontro dali, mas sempre falta alguém e Juliano não conseguia colocar seu plano em ação. Era normal dois ou três amigos não comparecerem, mas depois de um tempo, mais amigos começaram a não ir ou desmarcar na hora. As desculpas eram as mais variadas, entrava no repertório funerais, dores, gripes e reumatismos.

Depois de um tempo Juliano não olhava mais as xícaras. Não lustrava mais, encheram-se de pó e teias de aranha. Se ele não podia mostrar as xícaras de que adiantava mantê-las lustradas. Não convidava mais seus amigos, parou de fazer jantas.

Um dia recebera um amigo de tempos antigos, ofereceu-lhe um chá e ele aceitou contente. Juliano pegou duas xícaras do conjunto de porcelana, sem pensar, e serviu o chá nelas. O amigo parecia interessado pelas xícaras, comentou como eram bonitas. O ego de Juliano foi às estrelas, encheu-se de orgulho por ter aquelas xícaras.

— Sabe amigo, há tempos eu tenho estas belas xícaras, embora quase nunca tenha as usado.

— São tão bonitas! Adorei os mosaicos. Foram os símbolos dos signos. Essa aqui é Sagitário, meu signo.

Então Juliano descobriu o que significa aqueles mosaicos. Mas não quis comentar, não queria se passar de desentendido.

— Que coincidência! — disse apenas.

— Qual é seu signo mesmo?

— O meu é Áries.

— A sua xícara é de Áries também. São doze xícaras para os doze signos!

Juliano achou estranho ter pegado justamente os signos de cada um, mesmo não sabendo nada sobre, mas não comentou.

Duas semanas depois recebera outra visita, quando foi buscar as xícaras já não lembrava mais qual era seu signo e qual era Sagitário, então pegou duas sem pensar e serviu o café a visita. Esta ficou tão impressionada quanto o outro amigo quando percebeu que sua xícara e a de Juliano eram de seus respectivos signos.

— São belas xícaras! Belas xícaras! Que coincidência, Libra!

Em três meses recebera onze visitas de onze amigos distintos. Juliano não errou nenhum signo, mesmo não sabendo qual xícara era qual. Ele já estava ficando paranoico em pensar como sempre pegava o signo da pessoa sem saber. Ele lembrava apenas da sua que sempre pegava, mas das outras nada. Esperava a décima segunda visita quando, lavando uma das xícaras, deixou esta cair e acabou espatifando-se inteira no chão. Não há como expressar aqui com palavras a raiva que Juliano sentiu, raiva não, o pesar. Sentiu-se como se tivesse perdido a própria mãe em um acidente de carro.

Naquele dia Juliano não recebeu a visita, ela não apareceu. Também não soube que signo era aquele. No outro dia ficou sabendo que a visita não pode comparecer porque morrera de um ataque do coração. Durante aquela semana Juliano conseguiu quebrar mais quatro xícaras. Uma a cada dia. Uma coisa estranha acontecia, cada vez que ele quebrava uma das xícaras, Juliano lembrava o signo que representava. E sempre alguém morria logo depois. Alguém que tomara chá ou café com ele naquela xícara.

Juliano começou a pensar e a pensar, coisa que fazia raramente, e chegou à conclusão de que cada xícara era uma pessoa. Isso o deixou aterrorizado. Decidiu então guardar todas as xícaras antes que mais alguém morresse, ou pior: quebrasse a xícara de Áries. Teve a ideia de guarda-las em uma caixa que, ao colocar dentro de um armário, deixou cair no chão quebrando o resto das xícaras. Apenas a xícara de Áries permaneceu inteira. Não sabia se chorava pelas mortes ou se comemorava a xícara de Áries inteira.

Então Juliano lembrou de que ele não tinha descoberto o signo da décima segunda visita e que tudo podia ser apenas uma coincidência e que ele não causara aquelas mortes e nem morreria caso quebrasse a xícara de Áries. Então entrou em contato com um dos parentes da vítima e perguntou o signo. Libra. Lembrou de que já havia servido chá para Libra. O alívio que sentiu foi maior que todos os pesares que sentiu a cada xícara quebrada. Pegou a xícara de Áries e levou-a para colocar na cristaleira como recordação. No caminho tropeçou e caiu com a xícara que se espatifou no chão. Juliano viu a xícara quebrada e sentiu uma raiva sem tamanho.

No outro dia Juliano morrera de um ataque fulminante no coração.


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