See The Light escrita por Junebug


Capítulo 12
Capítulo 12




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Boy, you don’t know what you want

Garoto, você não sabe o que quer

It isn't what you think it is

Não é o que você pensa que é

All the dreams, and guilt and loneliness, loneliness

Todos os sonhos, e culpa e solidão, solidão

(Enter Sylvia Plath – Belle & Sebastian)

~

A casa de Piper pareceu a Nico uma versão aumentada de casa da árvore. Não que Nico já tivesse tido uma casa na árvore e não que casas na árvore normalmente contassem com uma pista de pouso de helicóptero e garagem com carros de luxo.

— Pipes, esse lugar é incrível! – disse Annabeth. - Você disse que era uma casa abandonada. – Ela deu um soquinho no ombro da amiga.

— A casa esteve mesmo abandonada por um tempo – Piper parecia meio sem jeito. - Somos os primeiros moradores em vários anos. Ela é isolada, mas a vista é bem legal. É divertido ter a impressão de que ninguém nunca poderia nos encontrar aqui.

Basicamente o lugar era rodeado por colinas com floresta e pela água calma de uma baía, com a frente da casa voltada para o caminho que saía da estranha principal.

— Todo mundo já chegou? – perguntou Percy.

— Vocês são os últimos.

— A culpa foi do Percy – declarou Annabeth. – Eu tive que esperar por meia hora na frente da casa dele até ele aparecer.

— A Sra.O’Leary não queria cooperar e eu não consigo carregá-la! – defendeu-se Percy.

— Leo está meio estranho... – Piper mudou de assunto.

Nesse momento, Nico avistou Will acenando para ele da varanda acima da garagem de portas suspensas.

— Olha só, parece que você tem um novo amigo – ele comentou.

— Essa é a Sra. O’Leary.

— Ah, uma amiga então – Will esfregou atrás das orelhas da cachorra, sorrindo, depois levantou os olhos para Nico, dizendo: – Venha ver. Nós ficamos com o quarto mais legal.

Nico o seguiu casa adentro. A luz do sol que batia nos vitrais coloridos nas paredes e abajures provocava um contraste bonito com a madeira envernizada que estava por toda parte.

Eles subiram sem encontrar ninguém, embora um burburinho indistinto indicasse a presença dos outros. Nico chegou a identificar o som do que parecia luta livre vindo de alguma televisão.

Will abriu uma porta que dava para um aposento pequeno que possuía uma espécie interessante de beliche. Uma das camas era suspensa formando um L com a cama de baixo.

— Eu quero a cama com a escada – Nico disse, jogando sua mochila no colchão suspenso.

A posição dela fazia com que se localizasse num ponto abençoadamente escuro em meio a todos os truques com cores que faziam o interior da casa brilhar. Parecia ter sido colocada ali só para Nico.

— Eu achei que você fosse querer – disse Will, sentando na outra cama que ficava bem debaixo da única grande janela no quarto, que tinha vista para a baía. – Está tudo bem, não está? – ele perguntou, assumindo um tom mais sério.

— Como assim?

— A casa. Piper disse que ela é meio antiga e eu pensei que...

— Você pensou que ela era assombrada?

Will sacudiu os ombros indicando que sim.

— Não se preocupe...

Ele foi interrompido pela porta entreaberta sendo escancarada.

— Mais cupcakes! Eles estão por toda parte – alguém resmungou com uma voz azeda.

Nico se virou e deu de cara com um homem baixinho cuja expressão combinava com a voz. Seus olhos miúdos e brilhantes o encararam de volta como se Nico o tivesse chamado para uma briga.

— Quero todos os cupcakes lá embaixo – ele disse, antes de sumir de vista do mesmo jeito que surgira.

— Quem é esse? – perguntou Nico.

— Sei lá – retrucou Will, - mas acho que ele estava se referindo a nós.

Todo mundo se reuniu na sala, olhando confusos um para a cara do outro, enquanto o homem baixinho, que vestia camisa polo e calças e tênis brancos, andava de um lado para o outro com um bastão de beisebol nas mãos.

Ele estava falando algo sobre regras básicas de disciplina que ele esperava de jovens bem educados. Parece que Leo e Jason tinham estado conversando muito alto no quarto ao lado de onde ele assistia televisão. A atenção de Nico ficava se voltando para o modo estranho como ele andava, com as pernas meio arqueadas, como se houvesse algo entre elas o atrapalhando. Quer dizer, algo mais.

Piper estava logo atrás dele gesticulando um “me desculpem” com os lábios. Depois ela ficou olhando para as costas do homem aparentemente esperando o momento certo para interrompê-lo.

— Err... Eu posso fazer uma pergunta? – Percy tinha levantado a mão. Ele tentava manter uma expressão séria, mas seu rosto estava meio vermelho com o esforço para não rir. – Por que é que você está segurando esse bastão?

O homem parou de frente para ele e perguntou:

— Qual é o seu nome?

— Percy Jackson.

— Percy... – o homem arregalou os olhinhos para ele, mas logo se recuperou: - Bom, Sr. Jackson, este bastão aqui – Ele deu umas batidinhas com o objeto na outra mão – é para cuidar daqueles que...

— Gleeson – Piper colocou uma mão no ombro dele. – Já acabou o torneio? – Ela mantinha um sorriso calmo e compreensivo no rosto.

— Está nos comerciais – ele respondeu. – Eu precisava cuidar do barulho...

— Entendi – disse Piper. - Pessoal, este é Gleeson Hedge. A esposa dele é agente do meu pai... Eles são como... – Ela deu um olhada no homem que ainda lançava um olhar emburrado para os presentes, embora estivesse mais calmo agora com a atitude de Piper. – Como se fossem da família...

— O pai desta jovem a deixou sob minha guarda e proteção – acrescentou Gleeson Hedge, estufando o peito. – Assim como esta casa.

— Mas você estava muito entretido com o canal de esportes para perceber nossa chegada... – quem disse isso foi Leo, ostentando seu sorrisinho de duende. O garoto, por algum motivo, tinha duas caixas grandes e quadradas no colo.

Antes que Gleeson respondesse a isso, Piper anunciou:

— Acho que nós devemos começar logo o ensaio, pessoal. Depois podemos almoçar lá fora...

— Na verdade, eu estava pensando que poderíamos deixar o ensaio para mais tarde. – Leo colocou as duas caixas misteriosas na mesinha de centro, uma do lado da outra, e as abriu. – Percy, Annabeth, o que vocês acham de dar uma mergulho?

Todos se esticaram para ver do que se tratava. De cada caixa foi tirada uma peça de roupa envolta em plástico transparente. Uma delas era um casado de frio que poderia ser usado por alguém tentando se manter aquecido na Sibéria, ou melhor... na Antártida. A outra, que chamou mais atenção, era feita de um material cintilante azul esverdeado que Nico desconhecia, mas que causava um efeito de encher os olhos. À medida que ia afinando, surgia um tecido mais fino armado de modo a lembrar a forma de um rabo de peixe.

— Essa é a minha cauda de sereia!?

— Leo, onde arranjou isso?

— Eles trouxeram fantasias da Barbie. Vou voltar para o meu MMA.

— Deve ter dado um belo trabalho...

— É linda!

Leo ergueu as mãos para fazer parar a torrente de reações.

— Eu disse que ia cuidar disso, não disse? Vocês não tinham fé em mim?

— Ah, qual é! Você não vai contar mesmo? – disse Jason - Para nós... Seus amigos...

— Que aceitamos fazer parte dessa loucura toda por você – completou Annabeth.

— Enquanto poderíamos estar realmente curtindo o último ano do colegial. Tipo...indo para a festa de halloween de Drew Tanaka... – acrescentou Piper, fingindo que ia vomitar na última frase.

— Tá bom, ta bom. Podem parar – retrucou Leo. Ele suspirou, e por um breve momento pareceu realmente triste observando as peças de figurino, mas logo em seguida abriu de novo seu grande sorriso, dizendo: - Basta que vocês saibam que foi uma negociação super difícil! Eu quase tive que vender minha alma para uma pessoa de nome estranho, de música caribenha... Salsa?... Reggae? Ou será que era...

— Mambo? – arriscou Will.

— Hmm, não tenho certeza...

— Tudo bem – cortou Annabeth, assumindo sua postura prática diante da impossibilidade de saber se alguma coisa do que Leo estava dizendo devia ser levada a sério. – Você quer que a gente mergulhe com essas roupas?

— Não tenho certeza se posso nadar usando isso – comentou Percy.

— Você não precisa exatamente nadar – disse Leo. – Basta que vocês dois fiquem um pouco debaixo d’água, o suficiente para eu tirar umas fotos. Essa é uma idéia excelente que eu tive para a divulgação da peça – gabou-se ele.

Depois que Percy Jackson conseguiu se tornar metade peixe com sua cauda de tecido cintilante foi que pararam para pensar em como ele chegaria até a água da baía. Ele teria que ir rastejando, ou rolando ou ser carregado. Para não correr o risco de danificar o figurino, a última opção foi a escolhida.

Foi assim que Nico, lutando contra uma sensação estúpida de que seu rosto ia pegar fogo, teve que ajudar Will e Jason na tarefa. Eles tiveram que carregar Percy até uma elevação perto de onde a água era mais funda. Dali eles iam arremessá-lo.

— Percy, você tem certeza disso? – perguntou Jason, segurando um dos braços do garoto, enquanto Nico segurava o outro e Will as pernas envoltas na cauda falsa.

— Rápido! A água está um pouco fria! – Annabeth e Leo já estavam lá embaixo esperando.

— Vocês estão reclamando da água fria? E eu que estou seminu!?

Will e Jason caíram na gargalhada. Nico não estava achando muito engraçado.

— Certo. Vamos lá... Um... Dois... Três...

— Ah!... AAAAAHHHHH!

Percy caiu alguns metros à frente na água com um SPLASH!

— É. Tudo certo. Ele ainda está vivo. – Leo fez sinal de positivo para os meninos em terra, olhando Annabeth ajudar Percy que se debatia um pouco na água, sem poder usar as pernas.

Não dá para dizer que os três não se divertiram com a sessão de fotos, embora tenham saído da água com as peles meio azuladas, embrulhados em cobertores e correndo para se aquecer mais na casa.

No meio da tarde, o tempo começou a fechar. Nico estava encostado no parapeito da janela do quarto, observando o aguaceiro que caía e mal reparou quando Will entrou e sentou-se ao seu lado na cama.

— O dia estava tão bonito, não é? – ele comentou, como se achasse que Nico estava triste porque o sol se fora.

— Provavelmente foi o último dia bonito do ano – retrucou Nico, com certa satisfação.

Depois eles ficaram em silêncio por um tempo. Em certo momento, Nico resolveu virar de lado e viu que Will estava sentado sobre as pernas, ouvindo música em seu ipod.

Quando viu que Nico o observava, ele sorriu e lhe estendeu um lado do fone, dizendo:

— Você pode me dizer se essa música é italiana?

Will ouvia músicas até de países que Nico nem sabia que existiam. Ele colocou o fone no ouvido e disse, depois de alguns segundos:

— Tenho quase certeza de que isso é português.

— Ah.

— Fala de felicidade – Nico devolveu o fone com um gesto rápido e uma expressão de desagrado pelo tema. Em seguida, ficou de pé, dando uns passos inquietos de um lado para outro do quarto como se fosse uma pantera em cativeiro.

— Qual o problema? – perguntou Will

Nico deu mais alguns passos até voltar para a cama, onde voltou a se sentar, encolhendo-se com os joelhos dobrados diante do queixo.

— Eu queria ir embora. Vir para cá foi um erro... Tudo isso foi um erro...

— Nico...

Nico se virou para encará-lo. Os olhos azuis de Will o encaravam de volta, preocupados. Não era fácil decidir falar sobre aquilo, mas ele sabia que Will poderia entendê-lo, talvez até ajudá-lo de algum jeito. Apesar disso, ele precisou desviar os olhos para confessar:

— Acho que... Acho que estou gostando de Percy Jackson.

Alguém admitindo que tinha cometido um crime terrível poderia usar o mesmo tom. Nico apertou as pernas, encolhendo-se ainda mais. Ao falar aquilo em voz alta, ele, de certa forma, estava finalmente assumindo esse segredo até para si mesmo.

Não era que aquela tivesse sido a primeira vez que ele sentia como se seu coração tivesse sido espremido depois de algumas horas de ensaio daquela peça idiota. Era só que aquela casa estava fazendo com que se sentisse pior. Era uma sensação horrível de que não havia para onde fugir. Ele sentia que se não fizesse algo a respeito, ia morrer sufocado.

 Will ficou em silêncio até que Nico o ouviu soltar um som que parecia uma mistura de fungada com inicio de riso.

Nico perguntou, um tanto alarmado:

— Você já tinha percebido?

— Bom... O jeito como você ficou nervoso quando tivemos que pedir ajuda dele com Amanda... Mas depois me convenci de que estava imaginando coisas...

— Você acha que mais alguém percebeu?

— Acho que não... Todos ficamos vermelhos por causa do esforço hoje de manhã...

Nico enterrou o rosto sobre os joelhos.

— Olha, você não precisa ficar assim – disse Will calmamente. - Está tudo bem.

Nada está bem – Nico levantou o rosto, zangado. - Eu não precisava de mais um motivo para odiar a mim mesmo.

— Por que você odeia a si mesmo? – Parecia que aquela era a coisa mais absurda que Will já tinha ouvido na vida.

Nico afastou-se, indo para a beirada da cama.Ele suspirou e fechou os olhos com força. Já se arrependia totalmente por ter aberto a boca. Era inconveniente a maneira como ele às vezes se sentia tão disposto a contar coisas para Will.

— Nico.

Will foi para perto dele e segurou seu braço.

— Você quer ouvir uma história engraçada? – Nico perguntou depois de uns segundos, com um sorriso sem humor. – Lembra daquele professor que eu esfaqueei quando tinha nove anos?... Sr. Miles era o nome dele. Ele tinha um sorriso bonito e contava histórias legais sobre a época em que tinha servido na marinha... Havia a Srta. Davis, a diretora. Ela era jovem, bonita e alegre. Um dia, dois garotos tiveram uma briguinha porque os dois queriam se casar com ela quando crescessem. Eu pensei que eu tinha sorte porque nenhum outro garoto queria se casar com o Sr. Miles.

Ele virou os olhos para Will, como se esperasse que ele risse de sua história engraçada.

— Hum, o primeiro amor a gente nunca esquece, não é? – comentou Will.

— Eu contei isso para minha irmã, Bianca – Nico continuou. - Na época eu não entendia que tinha um problema. Ela soube antes de eu mesmo saber. Talvez esse tenha sido um dos motivos para ela ir embora...

— Tenho certeza que não. E você não tem nenhum problema. Quer dizer, pelo menos entre os vários problemas que você tem, esse não é um deles. Pare de falar merda.

— Você sabe que costumavam tratar pessoas assim com choques elétricos e lobotomia há um tempo atrás, não é?

— Pense só em como temos sorte de não ter nascido nessa época. Você devia tentar, sabia? Viver no século XXI.

— Mas... E se eles estavam certos?

— Quê?

— E se houver realmente algo de errado conosco?

— Eles não estavam certos!

— Como você pode ter certeza?

— Simplesmente porque não pode haver nada de errado em gostar de alguém! – Will respondeu exasperado.

Nico baixou os olhos por uns segundos, quando os levantou de novo, Will levou uma mão a um lado do seu pescoço com um polegar tocando a bochecha, e, antes que Nico pudesse reclamar, o rosto dele estava muito perto e seus lábios pressionaram os de Nico. Por uns segundos, tudo que os olhos muito arregalados de Nico enxergaram foram os cílios fechados de Will, até que se recuperou da surpresa e o empurrou pelo ombro, levantando num movimento muito rápido.

— O que você está fazendo? – Nico perguntou.

— Desculpe, eu só fiquei com medo que fosse abrir a boca de novo e precisava impedir isso.

Vendo o jeito como Nico o olhava, Will logo decidiu assumir um tom apaziguador. Também ficando de pé, ele disse:

— Me desculpe... Foi seu primeiro beijo, não foi? Foi muito ruim?... Assim, você achou muito repulsivo e agora está com vontade de correr para fazer uma lobotomia?

Nico voltou a empurrar o ombro dele.

— Isso não é engraçado!

Ele cruzou os braços e virou o rosto de lado. Nico teria preferido a morte a deixar que Will soubesse como seu coração estava acelerado naquele momento, e seu cérebro preenchido por um monte de novas confusões, mas nada relacionado a lobotomia. Ele se decidiu por esclarecer algo:

— Olha, você não tem o direito de... Só porque eu...

— Eu não quis ofende-lo. Já pedi desculpas! Eu só queria fazê-lo se sentir melhor. De verdade.

— Típico de você, não é? Com sua super aura de benfeitor da humanidade, fazendo sacrifícios pelos outros...

— Ah, não foi um sacrifício tão grande...

Ele estava sorrindo de novo, encarando o olhar gélido que Nico lhe lançava.

— Você quer ouvir uma história engraçada? Quer dizer... Não é bem uma história, é mais uma coisa que eu tive vontade de lhe contar desde que nos conhecemos, mas tive medo que você achasse que eu era algum tipo de pervertido juvenil ou algo assim... É só que... Acho que você fica muito bonitinho com essa sua cara emburrada.

Nico não esperava por isso. Ele sentiu as bochechas esquentando, mas conseguiu se recuperar a tempo de retrucar:

— O que é? Isso é mais um teste para saber se quero ser lobotomizado?

— Eu estou falando sério!

— Se estiver, você deve ser mesmo algum tipo de pervertido juvenil. E eu não sou “bonitinho”!

— Você prefere fofo?

— Você ouviu quando eu disse para calar a boca?

Will acabou rindo. Nico agora se sentia desconfortável com seu próprio olhar que devia deixar os outros desconfortáveis. Será que Will estava dizendo aquilo só por brincadeira ou realmente toda vez que Nico tinha tentado intimidá-lo, ele estivera com aquela idéia ridícula na cabeça? Nico teve vontade de atirar alguma coisa nele.

Mas tudo que ele disse foi:

— Eu não aguento mais olhar para a sua cara – Enquanto se afastava para sair do quarto.

Do lado de fora, claro que ele precisava dar de cara com Percy, que veio passando e comentou:

— Espero que tenha alguma coisa para jantar. Estou faminto!

Enquanto Nico o observava descer as escadas, uma voz falou perto do seu ouvido, num quase sussurro:

— Tudo bem. Ele é bonito. Mas, mesmo que houvesse alguma chance... Não acho que ele seja muito o seu tipo, sinceramente...

Nico tacou o cotovelo na barriga de Will antes de também descer.

Depois do jantar, todos se reuniram em frente à grande lareira da sala de estar para comer s’mores. Nico tinha decidido que ia comer só um, mas já estava no terceiro.

Ele tinha se sentado o mais distante possível de Will. O problema é que este lugar o deixava com uma boa vista dele, do outro lado do aposento.

Leo disse que eles precisavam animar um pouco mais as coisas.

— É noite de dia das bruxas! Devíamos estar fazendo alguma coisa assustadora! Se não estivesse chovendo, podíamos sair para caçar fantasmas...

— Eu vou contar uma história de terror – declarou Gleesson Hedge, montando um s’more duplo, que ele de alguma forma conseguiu abocanhar, continuando a falar, com a boca cheia, o que inviabilizava totalmente o tom de suspense que ele tentou usar: - Tinha um cara que estava atravessando o país de carro...

— Hum, ele estava vindo para a costa leste? – brincou Piper.

— Shh... Era de noite e estava chovendo... – Ele fez uma pausa, deixando que ouvissem só o barulho da chuva que ainda caia lá fora por um tempo. Seus olhos estavam esbugalhados de um jeito que não dava para não ser cômico. Parte do motivo era que ele tinha dado mais uma super mordida no seu s’more.

— Ahh, espera aí! – disse Leo, se levantando e atravessado a sala para desligar o interruptor de luz deixando o lugar iluminado só pela lareira.

— Leo!

— É para completar o clima! Continue! – disse ele, exagerando em seu entusiasmo irônico.

— De repente ele enxergou um vulto humano na beira da estrada...

— Um vulto humano? Ah, isso não tem muita graça – comentou Percy.

— Shhh! – fez Leo.

— Obrigado – continuou o Sr. Hedge. – O vulto na estrada aconteceu de ser um homem pedindo carona. Um homem já meio idoso e ensopado pela chuva que disse que ficaria na próxima cidade, poucas milhas à frente. Enquanto o homem se acomodava, o motorista viu que ele não tinha um lado das mãos! – Pausa dramática com uma mão levantada. Nico viu Jason cobrir disfarçadamente a boca para não rir alto. – Eles chegaram à cidade e o homem desceu em frente a uma casa que disse pertencer a conhecidos. O motorista se afastou só um quarteirão, parando o carro numa rua qualquer para dormir porque não queria continuar a viagem na chuva e não tinha dinheiro para ficar num motel. Quando ele abriu o porta-luvas para guardar os óculos, uma coisa pulou de lá direto na cara dele! Sua vista estava embaçada pela falta dos óculos, mas ele sabia que a coisa que o estava sufocando até a morte Era. Uma. Mão!

Ele levantou a mão de novo, dessa vez imitando garras, para enfatizar ainda mais a última frase. Um olhar alucinado no rosto.

Houve algumas risadinhas.

— Você não tinha dito que o cara usava óculos... – disse Percy.

Gleeson Hedge grunhiu.

— Vocês, cupcakes, não sabem aproveitar as clássicas.

— Por favor, alguém conte uma história melhor – falou Leo. Do jeito que estava, esparramado de barriga para baixo no chão, ele pegou mais um espetinho com marshmallow e o estendeu para o fogo da lareira.

— Você, garoto.

Nico demorou um pouco para perceber que Gleeson se dirigia a ele.

— Qual é mesmo seu nome?

— Nico di Angelo – ele respondeu, desconfiado.

— Você tem cara de quem sabe contar uma história de terror.

Meio que por impulso, Nico olhou na direção de Will, que observava meio divertido e meio preocupado (que Nico fosse surtar, provavelmente).

Nico baixou os olhos e sacudiu de leve os ombros, sem gostar de ter a atenção de todos voltada para ele.

— Bom... Err... – Ele decidiu contar a primeira coisa que lhe veio à cabeça, só para acabar logo com aquilo. - Um menino foi passar as férias com a família no campo... – Ele manteve os olhos no marshmallow que tinha acabado de tirar do fogo. - Era uma vila bonita com muitas casas bem antigas... Logo que chegou, o menino fez um amigo, um garoto da mesma idade que ele, que morava perto de onde a família estava hospedada. Todos os dias, os dois passavam muito tempo juntos. O menino contou para a mãe dele que na casa do novo amigo havia um sótão repleto de coisas velhas e fascinantes que os dois estavam explorando. Esperavam encontrar um tesouro. Um dia, o menino não voltou para casa para o jantar, como a mãe exigia. Já estava bem tarde e ele não voltava. Então a mãe decidiu ir até a casa do amigo verificar. Chegando lá, uma mulher já bastante idosa atendeu a porta e disse que não havia qualquer criança morando na casa. A polícia acabou sendo chamada. Sem ter outra pista do garoto, eles voltaram à casa da velha senhora, onde fizeram uma busca. O menino foi encontrado inconsciente num baú no sótão ao lado da ossada de outro menino de sua idade. Mais tarde, quando ele acordou e viu a mãe sentada ao lado dele, ele sorriu e disse que tinham encontrado o tesouro do sótão da casa do amigo.

Nico levantou o olhar e notou que todos estavam com o rosto meio tenso. Percy chegou a esfregar os braços, como se tivesse sentido um arrepio. Nico percebeu que devia ter assumido uma expressão muito sombria lembrando-se daquele ocorrido de tanto tempo atrás. Procurou abrir um sorriso para amenizar as coisas.

— Tudo bem, gente. É só uma história – ele disse, quebrando o silêncio que se instalara.

Os outros riram sem jeito para logo em seguida se sobressaltarem com o forte e repentino som de um trovão. Depois todos riram com mais vontade por terem se assustado e as coisas assim voltaram ao normal.

É isso, pensou Nico, ouvindo-os discutirem animadamente quem seria o próximo, é assim que é não precisar levar a sério esse tipo de história.

O marshmallow tinha esfriado. Nico o jogou na lareira antes de levantar, murmurando um “com licença” que talvez ninguém tenha ouvido. Não que fosse exatamente sua intenção que o percebessem saindo. No entanto, não teve sucesso.

— Boa noite, Nico – Não precisava se virar para saber que era Jason quem tinha falado.

Nico parou , mas antes que pudesse responder, os outros imitaram Jason e ficaram repetindo “Boa noite, Nico”, como papagaios loucos com o único objetivo de testar a paciência de Nico, aparentemente.

— Boa noite – ele respondeu secamente e subiu, em busca de um pouco de paz.


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