O Eremita escrita por Victor Doyle


Capítulo 2
Capítulo 2: Uma Nova Lua




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Grael empunhou sua espada e tentou um corte vertical, mas os instintos de Cernnunos eram afiados. Ele desviou por pouco, flutuou numa grande velocidade tentando fugir do agressor que não pensou duas vezes e correu atrás dele. Como Grael é um Dragonoide, ele possui o poder de se transformar num dragão, o que ele fez para abater o “inimigo”. Asas cresceram em suas costas, sua pele se tornou escamas, seus olhos amarelaram e sua espinha se estendeu formando uma longa cauda. Ele ainda mantinha certos traços humanos, por isso podia usar a armadura e empunhar a espada sem problemas. Grael voou alto e soprou chamas por entre suas presas, porém a transformação de Cernnunos não se chamava [O Devorador] por nada. Ele abriu sua boca e engoliu cada fagulha, isso porque [O Devorador] podia absorver ataques mágicos e criaturas de baixo nível para recuperar mana e vida, o que não era útil contra jogadores de níveis consideráveis.

— É doce, amargo e consistente— murmurou ele, feliz com o ótimo gosto daquelas chamas. Por não ter nenhum dano antes, aquilo serviu apenas para evitar danos agora, uma vez que Treants são fracos contra magias destrutivas.

Grael ficou nervoso, encheu sua espada de chamas brancas e desceu num rasante para golpear Cernnunos. Ele, numa reação rápida, deslizou pelas rochas até desaparecer em seu meio. Grael freou no ar e pousou pesadamente no chão em brasa, as chamas dançando a sua volta. Seus olhos amarelos e perspicazes analisaram cada rocha e quando não acharam seu adversário, voltaram ao normal, Grael, em forma humana, embainhou sua espada nas costas e se virou para retornar à Torre.

“Acha que sou idiota?” Cernnunos pensou “Eu me lembro perfeitamente de cada descrição dos NPC’s nesta guilda, até porque exploração e estudo são... eram meus passatempos preferidos em Yggdrasil. Você, Grael, é um trapaceiro-travesso. Adora armadilhas e nunca luta limpo.” Mas ele não planejava mais fugir, usou as poucas habilidades da classe monge que a Metamorfo permitia durante a transformação: [Aumentar velocidade], [Aumentar Evasão], [Aumentar percepção] e [Aumentar Força], lentamente se movendo até estar perto de Grael que, ao perceber o “inimigo”, golpeou com sua mão esquerda em chamas e com a outra empunhou sua espada, virou o corpo e tentou cortar Cernnunos ao meio. Cada um desses golpes falhou, pois ele deslizou e esquivou de todos. Sem se dar por vencido, Grael moveu sua espada continuamente, golpeando e cortando de forma rápida e mortal. Se fosse outro alvo, sobrar alguma coisa seria um sonho distante, mas Cernnunos conseguiu fugir de todos... menos de um. Grael aproveitou uma abertura acidental e bateu Cernnunos com a lateral da espada. Como uma bola de beisebol, ele voou por metros até bater numa pedra.

“Se isso continuar ele vai acabar me matando. Preciso voltar a minha verdadeira forma”. Grael correu, segurou sua espada no alto pronto para o último golpe até que a “criatura” foi envolvida por uma luz branca. Da luz surgiu um ser de três metros de altura, um humanoide arbóreo com braços compostos por galhos entrelaçados, o espaço entre eles preenchido por luzes verdes e azuis, grossas pernas de raízes, cabeça com feições serenas e gentis, o cabelo sendo pequenos ramos de longas e finas folhas que dançavam ao vento e um torço esguio agora coberto pela túnica. Uma bela túnica verde manchada, ao vento parecia folhas, com detalhes em prata e roxo. Grael ficou espantado ao ver seu mestre no lugar da criatura e apavorado ao perceber que não podia mais parar a espada. Num momento, ela decepou o braço esquerdo de Cernnunos.

Um grito raivoso ecoou no silêncio noturno. A dor não era tão insuportável, mas ainda terrível. Ele permanecia calmo, “Vantagens de ser um Treant” pensou. Mas então de quem era o grito? Um arrepio correu pela casca que era sua pele, pequenos galhos se ergueram como o pelo dos mamíferos frente ao perigo. Ele olhou para Grael e ficou horrorizado. Três lanças de luz lhe atravessavam o peito, a sua frente uma figura de pura beleza segurava a quarta lança entre os dedos. Era uma mulher de feições coradas como uma boneca, usava um longo vestido branco ornamentado com joias negras e luvas escarlate nas mãos, os cabelos rosa formosamente ondulados, asas de plumas translúcidas nas costas. Era A Dama, a Líder dos Guardiões de Andares e Coordenadora das Defesas Externas.

— Pare, Dama— ordenou Cernnunos. Ela obedeceu prontamente, fazendo as lanças minguarem.

— Ele deve ser punido, senhor.

Os olhos d’A Dama estavam gelados com o ódio, olhos que antes eram tão gentis quanto o jogo podia permitir. Cernnunos usou a [Benção do Orvalho], uma gota de água flutuou sobre sua mão, sua luz fez o braço decepado voltar ao seu lugar e os ferimentos de Grael se curarem. Os dois se colocaram de joelhos, A Dama impressionada por presenciar a habilidade de seu mestre e Grael honrado por ser curado por ela.

— Não mereço tamanha generosidade, senhor.

— Não negue minha boa vontade, Grael— disse Cernnunos. “Isso sim parece algo que um líder diria” ele pensou. Estava convencido da lealdade cega dos dois. Não é para menos, A Dama estava disposta a matar por Cernnunos e Grael a sacrificar sua vida por um erro. Ele devia agir como um líder agora, esse se tornou seu dever imediato.

— Eu cometi um erro imperdoável, senhor. Devo ser punido com a morte.

— Eu carrego uma parte da culpa por não voltar a minha forma antes. Mas você tem razão Dama, isso não pode sair impune. Você está proibido de sair da Torre até segunda ordem, Grael.

— Obrigado, senhor.

— Não me agradeçam, apenas olhem ao seu redor. Vocês possuem qualquer informação sobre a nossa atual situação?

— Não, senhor— responderam em uníssono.

— Entendo— Cernnunos pensou por um tempo, formulando um plano, enquanto fingia checar seu braço e suas roupas. Estavam intactos. Era uma habilidade muito boa— Dama, vá no Oitavo andar e chame os Corvos para o Grande Pinheiro. Depois vá em cada andar perguntando aos respectivos guardiões sobre nossa situação, colete o máximo de informações e então me relate. Acredito que esteja com o anel que pedi para Grael entregar.

— Sim, senhor.

— Ótimo, isso vai facilitar. Agora vão.

Os dois sumiram, graças as suas impressionantes velocidades. Cernnunos, agora sozinho no sereno, respirou profundamente uma vez, duas vezes e três vezes. Decidiu ser o governador de Babel enquanto não tivesse outra opção, embora achasse que cometeu um grave erro.

— Não é tempo para isso, como Sleeping Clown diria: “Existe o momento de agir e o momento de se arrepender, sob absolutamente nenhuma circunstância confunda os dois ou o primeiro se perderá, sobrando o segundo para a eternidade”— ele levantou o rosto para a lua estranha com convicção no olhar, e certa saudade ao lembrar de seu velho amigo— E agora devo agir. Para o bem de todos.

Cada andar na Torre de Babel tinha o seu tema e estilo de arquitetura própria. Tanto é que quando ela foi construída, a guilda foi dividida entre dez equipes de cinco jogadores, cada uma designada para um andar. A décima equipe só tinha quatro membros, então Cernnunos se ofereceu para participar da Primeira e Décima Equipe de Construção. O Grande Pinheiro ficava no segundo andar, cujo tema era inverno e o estilo arquitetônico japonês. Como o nome sugere, é um pinheiro gigante cercado por mesas de carvalho escuro, usadas somente durante as festividades da guilda. Natal, Ano Novo, Carnaval. Alguns queriam criar lugares específicos para cada festa, mas o trabalho excessivo que exigia e a falta de interesse comum fez essa ideia ser esquecida.

Encima de uma dessas mesas, duas figuras negras contestavam o mundo branco que os cercava. Era difícil diferenciar um do outro ou identificar algo debaixo daquelas vestes de ninjas, talvez as asas pretas e o bico a mostra den unciavam serem corvos. Hugin e Munin eram os líderes do Oitavo Andar e os encarregados da obtenção de toda e qualquer informação. Ao ver Cernnunos se aproximando, se ajoelharam numa reverência.

— É um grande prazer estar em vossa presença, mestre— disse Muninn.

— É uma grande honra sermos chamados por vós, mestre—disse Huginn.

Cernnunos tinha chagado até lá a pé, sem usar o anel ou qualquer habilidade. Nesse meio tempo havia amanhecido e A Dama dado seu relatório, ninguém sabia nada sobre o que estava acontecendo. Durante toda a longa e nem um pouco cansativa caminhada, todos os que ele encontrava se curvavam respeitosamente, de sapos que meditavam para dragões de pedra. Ele acabou se acostumando, o poder começando a subir na cabeça.

— Levantem-se, por favor.

Eles obedeceram, suas asas balançavam tirando a neve que caia. Cernnunos admirou as terras ao redor. Terras japonesas num eterno inverno, a neve caia lenta do céu (na verdade era um teto) esbranquiçado, o templo xintoísta no exato centro do andar era a parte mais bela, e Cernnunos sempre o evitava. Sem tirar os olhos daquele infinito branco, ele ordenou:

— Quero saber tudo sobre este mundo, descubram onde estamos, algo sobre os nossos arredores e se existe alguma forma de vida inteligente por perto. De início, descubram coisas mais superficiais, o suficiente para sabermos o nosso próximo passo. Vocês tem uma semana, se não conseguirem achar nada mandem alguma mensagem avisando. Levem quem vocês preferirem, desde que não seja um dos Guardiões de Andares—ele se virou pra encarar os dois. Eles eram altos, mas Cernnunos era maior e as mesas não ajudavam, ainda estavam uma cabeça menores que ele— E, acima de tudo, sejam cuidadosos.

— Sim, mestre— disseram em uníssono. Os dois sumiram como fumaça num instante, “Já estou cansado desse sumidouro constante. Será que ninguém sabe andar?” ele refletiu. Se sentia muito cansado mentalmente e precisava dormir logo. Concentrou-se no anel em seu dedo e surgiu em um enorme saguão com pilares de vidro, vitrais coloridos e claraboias que ocupavam todo o teto. O Saguão Celeste, literalmente o lugar mais belo (ainda mais de dia, como na ocasião onde a luz enchia o Saguão como água enche um aquário) na Torre feito pelos três líderes da guilda. Cernnunos atravessou uma porta à esquerda, saindo nos dormitórios. Todos os quartos tinham as portas exatamente iguais, madeira escura maciça com dois cavaleiros de armadura esculpidos em baixo relevo, a única coisa que diferenciava um do outro eram as bandeiras que tremulavam sobre elas. Cernnunos se dirigiu até uma das portas, a bandeira logo acima era branca com uma foice verde de cabeça para baixo cujo cabo se ramificava em vários galhos, como uma árvore. Ele apoiou a cabeça nas portas e respirou fundo mais uma vez, e depois outra e outra, até perder a conta de quantas vezes fez isso naquele dia. Ninguém realmente sabe como é o quarto dele. Sempre o manteve trancado e fez um pedido pessoal a todos os membros para nunca entrarem lá. Sinceramente eu não quero revelar a você, Caro Leitor, o conteúdo deste quarto. Não me entenda mal, meu único motivo é que acredito que ele seja um lugar de paz e privacidade, assim como Cernnunos quer que seja e eu não me sinto bem ao transgredir esse desejo. Perdoe-me por isso, mas o quarto permanecerá no silêncio...

Ele empurrou a porta lentamente e entrou.


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