Lie to me escrita por Vive


Capítulo 2
Floricultura




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O tempo fica parado

Há beleza em tudo que ela é

Terei coragem

Não deixarei nada levar embora

O que está na minha frente

A Thousand Years- Christina Perri

–Você não deveria ter vindo.

Kagami opta por ignorar a frase dita em um tom tão complacente. Encolhendo-se ainda mais dentro de seu casaco, as mãos afundadas em seus bolsos, ele observava o trajeto que fizera muitas vezes antes, com Kuroko. Com a proximidade do casamento, Kise tomara para si a missão de se certificar que tudo estava em perfeito andamento. Agora, o loiro caminhava em direção à floricultura preferida de Kuroko. Se não tivesse tanta paixão por ensinar crianças, Kuroko provavelmente teria aberto sua própria floricultura, ou herdado aquele velho prédio, nos arredores do centro da cidade.

Era um estreito edifício de dois andares, as paredes pintadas em um tom verde vibrante e suave, com flores raras em exibição na vitrine e espremido entre uma escola de dança e uma cafeteria. Desde seus tempos de colegial, Kuroko era um freguês assíduo, com laços carinhosos com a proprietária do local, uma velhinha com longos cabelos grisalhos, apaixonada por flores. Kagami era sua companhia diária nas visitas. Eles passaram muitas tardes ociosas por lá, quando seus corpos ou suas mentes desejavam uma pausa do basquete.

Kuroko regava as flores, ouvia com atenção os ensinamentos da anciã, as histórias escondidas em seus olhos sábios, aventuras cravadas em suas rugas, compartilhavam o amor à natureza e sua beleza. E Kagami se deixava assistir sem culpa, o brilho nos olhos azuis cristalinos, os sorrisos suaves e gargalhadas tão raras, esses momentos ele guardava cuidadosamente em sua memória.

– Você não deveria ter que fazer isso sozinho.

Ele respondeu depois de conseguir sair do emaranhado de memorias. Era sua maneira de se cravar no mundo real, porque suas memórias não passavam de miragens sendo levadas pela areia do tempo.

– E você não é a Madre Teresa de Calcutá.

A resposta ferina o surpreendeu. Seus olhos procuraram o rosto do modelo que se mostrava meio cruel, meio compreensível, meio alguma coisa que Kagami não conseguia entender. O modelo continuou antes que o ruivo pudesse formular uma resposta adequada.

–Não me agrada ser usado como bode expiatório das suas decisões, Kagamicchi. Você só está aqui porque isso vai te machucar, não é? Vai tornar real o fato de que ele está se casando. Vamos lá, eu o conheço melhor que isso. Você não é nenhuma virgem oferecida como sacrifício, pare de tentar se vitimizar por seus sentimentos.

Era atroz aquela sinceridade, verdades que era difícil de encarar no espelho, e parte dele queria xingar até a décima descendência do loiro. Mas ele merecia. Nos últimos dias ele vinha agindo como um grande babaca egoísta, sem ligar para os sentimentos dos que estavam a sua volta, ignorando até mesmo Kuroko, porque tudo nele doía e ele era egoísta demais para ver a felicidade alheia sem remorso. Kise era o único que suportava passar mais que dez minutos em sua companhia.

Kise, na verdade, estava sendo muito paciente. Vez ou outra ele soltava alguns comentários mordazes e Kagami odiava o fato de que ele estava certo na maioria das vezes. Às vezes, parecia que o loiro era na verdade um ser etéreo, que já havia ultrapassado toda imperfeição da humanidade e atingido um outro nível. Era a única explicação que Kagami poderia chegar ao ver o loiro agindo tão positivamente diante do casamento.

No entanto... Havia momentos como aquele, onde Kise perdia sua serenidade e o alfinetava de forma dura. Ou quando o loiro ignorava todas as conversas e se perdia, indo para um lugar longe demais, um lugar que Kagami tinha medo de enxergar um dia. Momentos em que aqueles olhos tão sinceros eram cobertos por algo escuro e triste. Nesses momentos, Kagami lembrava de que Kise era só mais um desiludido como ele, tão patético e perdido como qualquer outro. E nesses momentos o ruivo se perguntava quando passara a prestar tanta atenção no modelo.

O resto da caminhada foi feita em silêncio. Nada pesado ou desconfortável, apenas cada um perdido em seus próprios devaneios. Ao chegar à floricultura, Kagami deixa Kise conversar com a velha senhora e se dirige as escadas. Enquanto pula de dois em dois degraus, ainda pode ouvir Kise ajustando os últimos detalhes, se certificando da quantidade certa de flores, os entregadores e a empresa responsável pela decoração.

O andar superior é muito mais amplo e diversificado. São várias prateleiras de madeira que davam um aspecto de antiguidade e elegância, recheadas com vasos repletos de diferentes flores ou ervas. Algumas plantas maiores tinham seus vasos no chão e alguns buquês estavam em exibição. Já fazia algum tempo que não andava ali, mas nada parecia ter mudado. Se ele se esforçasse um pouco, poderia ver Kuroko agachado, regando os pequenos girassóis próximos à janela.

Ele perdeu a noção do tempo, apenas observando ou apreciando o aroma singular de cada vaso. Ele observava agora com interesse um vaso repleto de flores amareladas, cada flor com dezenas de pétalas pequenas que por algum motivo o lembravam de girassóis que o lembravam a Kise.

Chrysanthemum.

A voz o fez saltar e um grito não muito viril escapou de sua boca. Kise o olhava de forma não muito apologética, mas com um sorriso divertido e olhos travessos.

–Porra, Kise! Quer me dar um ataque cardíaco?

O loiro teve a audácia de rir antes de respondê-lo.

– Eu só estava falando que é um vaso de Chrysanthemum ou popularmente conhecidas como Crisântemos.

– Sim? Eu não sabia que você é um especialista em flores. – Foi sarcástico e curioso, porque ele realmente não conhecia esse lado do loiro. Na verdade, havia muitos lados de Kise que ele ainda não conhecia.

– Eu não sou tão informado como Kurokocchi, mas eu gosto do assunto. Dos seus mistérios e significados. Você sabia que cada flor possui, supostamente, um significado, certo? E essa não poderia ser mais apropriada a nós.

– Hum? O que elas significam?

Kise deu um sorriso cansado – São diferentes dignificados, mas dizem, que os Crisântemos amarelos significam amores frágeis, não correspondidos, desdenhados.

Belas e tristes como o loiro ao seu lado. Uma agridoce ironia da vida? Seu significado não ofuscava sua beleza, apesar de tudo.

– Quais as flores para o casamento?

Kise demorou alguns minutos para responder.

– Myosotis Sylvatica. Elas também são conhecidas como “Não-me-Esqueças” , e representam o amor sincero e a fidelidade. E Flores de Laranjeira. São flores brancas que representam a inocência, a pureza e... O amor eterno. Kurokocchi escolheu-as a dedo.

Antes de saírem da floricultura, Kise o comprou um buquê de flores. Tulipas, ele explicou. Vermelhas e brancas. Ele não disse o significado. Kagami prometeu a si mesmo que cuidaria o quanto possível delas e que logo, logo descobriria seu significado.


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