Amor de Flor escrita por brunna


Capítulo 20
XX


Notas iniciais do capítulo

GENTE EU JURAVA Q TINHA POSTADO, MAS DAÍ EU FUI VER E N TINHA.
(números romanos)



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/644064/chapter/20

Era como se eu tivesse levado um murro. Como eu fui burra o suficiente?

Liz estava em casa, Deus sabe em que condição. Eu não sei o quão ignorante era seu padrasto. Eu não sabia o tamanho da hipocrisia que morava no coração dele. Não me leve a mal, eu não tenho preconceito com religiosos, tenho preconceito com religiosos intolerantes. Eu nunca vi um tipo de bíblia do Satanás pedir para seus seguidores marginalizem os outros, ou que juguem os outros. Talvez Satanás seja a boa pessoa da história.

Mas de qualquer forma, Liz estava longe de mim. Eu não poderia fazer muita coisa se não abandonasse minha própria festa.

E era a hora de cantar aquela manjada música de aniversário — que eu odiava.

Então logo estava eu no meio de toda aquela gente. Ao lado de Andressa com seu cabelo azulado e galochas amarelas.

Parabéns para você!

Só se for por ser idiota.

Nesta data querida...

Mas uma data que Liz apanha daquele idiota.

Muitas felicidades...

Sério?

Muitos anos de vida!

Parti a primeira fatia e vi os cabelos azuis das minhas garotas favoritas: Mar e Andressa. A decisão era difícil, principalmente por causa da Liz. Ela merecia isto agora.

— Esse pedaço é pra pessoa mais culta da família — falei. — Andressinha.

E depois de risos da parte dos convidados, eu entreguei o bolo de chocolate pra ela.

— O que é culta? — sussurrou Andressa.

— É ser você, minha irmã.

Ela deu de ombros.

E eu dei muitos sorrisos falsos querendo fugir logo dali.

Percebi que minha mãe começou a distribuir as fatias de torta e eu aproveitei para sair de fininho, deixando de ser o centro das atenções. Tudo bem, meio impossível, pelo menos na minha festa de aniversário.

— Pra onde você tá indo? — perguntou Andressa já do lado de fora do quiosque. Seus dentes estavam sujos com chocolate.

—Shiut — Eu coloquei o indicador sobre a boca.

— Ah, é assim? — Ela colocou os braços na cintura e semicerrou os olhos. — Então eu vou contar para o papai.

E ela se mandou.

E eu estava fodida.

Então eu apressei o passo, mas não foi o suficiente...

— Maya! — meu pai gritou.

Eu olhei para trás e vi Andressa escondida atrás das pernas do meu pai, ainda maior com sua fantasia de Batman.

— Que merda! — me permiti gritar. — Caralho!

Eu pensei em Liz.

— Pai, eu preciso ir — disse ao nos aproximarmos.

E expliquei a situação.

Andressa já não estava mais lá, ela já tinha conseguido o que queria. Talvez eu não estivesse realmente zangada com ela, meu pai me convenceu de que era burrice eu ir à casa de Liz sozinha sendo que o pai dela poderia fazer o-que-sabe-lá comigo.

— Mas ela está lá sozinha, pai — disse. — Ela precisa de mim. Ela sempre precisou e eu nunca... Nunca percebi e...

— Tudo bem! — interrompeu meu pai. — Eu sou o Batman, vou resolver isso.

Então eu apanhei meu celular e usando o Google Maps, mostrei onde estava a casa da Liz. Ele compreendeu completamente e sumiu na escuridão da noite.

E eu voltei.

Não era o tipo de coisa qual eu planejava, mas eu ainda pensava. O que estava acontecendo com minha Liz?

***

— Como você demorou tanto para se tocar, Maya? — queixou-se Mar enquanto elas arriscavam uns passos na pista de dança. — Já é uma hora da manhã!

— Meu pai ainda não voltou — eu falei.

— Há quanto tempo ele foi? — pergutou.

— Mais ou menos uma hora — esclareci. — Eu estou preocupada, Mar.

— Eu também estou.

A maioria das pessoas já tinha saído.

Das cinquenta pessoas originais, só restavam dez: Mar e eu que dançávamos. Heiwa e Felipe que conversavam minha mãe e minha avó que falavam sobre a decoração e minhas tias que cercavam Andressinha.

— Maya, eu preciso falar com você — chamou minha mãe. — Seu pai acabou de ligar. Acho melhor nós irmos para casa, suas tias também já vão e...

— O que aconteceu com a Liz? — gritei. — Mãe, é sério me diz.

Ela tinha uma expressão triste no rosto.

— Ela está bem, você pode vê-la amanhã — disse minha mãe.

Eu suspirei aliviada.

— E por que papai não voltou? — perguntei.

— Ele ficou para se resolver com o pai dela e levá-la ao hospital.

— Hospital?! — gritei. — Você disse que ela estava bem!

— Ela está bem!

— Mãe, pessoas que estão bem não precisam de hospital.

Percebi então que todos os dez presentes nos encaram.

— Eu queria poder visitá-la hoje mesmo, querida. Mas não podemos. — Minha mãe abaixou o tom de voz. — Amanhã, ás seis, estaremos lá. Sem mais detalhes.

— Que merda! — rosnei.

— Ela não é nada sua, Maya, ela não é nem ao menos sua — disse minha mãe. — Simplesmente pare com isso, você já colocou seu pai em um assunto que não era da conta dele e agora que se meter na vida de Liz como se...

— Mas eu a amo — gemi.

— Sem mais palavras — disse minha mãe. — Vamos para casa.

Eu a olhei, incrédula.

— Agora — continuou.

***

Eu estava deitada na cama quando recebi mensagens do meu pai. Ele me disse que a tinha chegado a casa dele.

Eu respondi com um agradecimento, mas eu tinha curiosidade de saber tudo sobre a Liz. Cada vez que ela precisou de mim e eu não estava lá.

Eu passei na sua casa, deixei uma coisa embaixo da sua cama, uma caixa.

Essa era a última mensagem do meu pai.

Coloquei a cabeça embaixo do móvel e logo vi uma caixa de sapato decorada com várias fotos de flores retiradas de revistas.

Abri ainda confusa. A caixa pululava de folhas de papel.

Retirei uma primeira e me surpreendi: era a primeira carta que eu havia dado para Liz.

— Como meu pai conseguiu isso? — murmurei.

Eu sorri como uma besta ao ver que a Liz tinha guardado a carta e no verso dela havia deixado algo escrito:

Hoje eu recebi a minha primeira carta. Nunca aconteceu algo parecido comigo. Estou ansiosa para saber quem enviou. Eu vou respondê-la por meio da menina de cabelo azul, que lamentou ser o pombo-correio da remetente. Infelizmente ela é uma menina, isto poderia me encrencar bastante, por causa do que aconteceu com meu pai.

Eu me lembrava do que havia acontecido com seu pai. Ele havia se separado de sua mãe e acabou por assumir-se gay. Infelizmente, por irresponsabilidade e o calor do recente divórcio, ele acabou por se entregar a uma vida diferente, mas ousado e for atingido pelo vírus da AIDS.

Então e achei minha segunda carta. Quando nós descobrimos que estávamos no inscritas em um concurso. Seria uma coincidência se milhares de pessoas não tivesse se interessado no concurso.

E também tinha meus primeiro soneto para ela. No verso, uma observação da garota.

Meu padrasto encontrou as cartas. Ele me olhou como se fosse a coisa mais errada do mundo. Ele me bateu bastante, pela primeira vez em quase um ano. E agora ele tem motivos para fazer isto sempre.

Aquilo me doeu o coração. Não consegui imaginar minha Liz sofrendo nas mãos daquele idiota. Eu sei que depois disso ela não vai estar verdadeiramente bem.

Mas minha mãe deve estar certa, por que eu me preocupo tanto?

Mas às vezes o amor é explicação suficiente.

E então eu desdobrei a maior folha de papel. Estava totalmente preenchida com a letra da Liz.

Olá, meu nome é Liz. Eu tenho dezessete anos e sofro agressão desde os quinze anos. Ele me bate normalmente às terças-feiras e aos domingos, às vezes quintas-feiras. Meu braço sempre fica marcado, mas meu tom de pele amarronzado sempre disfarça tudo.

Eu curso Língua Portuguesa. Não como faculdade, apenas um curso que me ajudará no vestibular que vem este ano. Eu pretendo acertar mais questões concernentes às linguagens.

Meu pai morreu quando eu tinha seis anos. Ele desenvolveu pneumonia rapidamente, a defesa natural de seu corpo era frágil, pois ele carregava o vírus da AIDS. Algo que eu me esqueci de mencionar: meu pai era homossexual. E o HIV não tem nada a ver com sua orientação sexual.

Talvez meu padrasto me bata tanto por causa disso. Pois toda vez que ele me vê, depois dos seus depoimentos cansativos na igreja da esquina, ele se lembra de que tinha em casa a filha de uma tristeza para Deus.

Eu não acredito em Deus.

Não no Deus que faz meu padrasto me bater tanto, não no Deus que diz que meu pai era algo repudiante. Eu não acredito no Deus que prega o amor, mas não permitia que meu pai amasse.

Mas há algo podia fazer meu padrasto querer me bater ainda mais — e mais forte: eu conheci uma garota. Uma menina baixinha e magra, sem nada que chame realmente atenção, mas com palavras incríveis que me fez aceitá-la — mesmo que eu precisasse aceitar a dor junto com ela.

O nome dela é Maya, ela é a garota que me mostrou um Deus de verdade, um Deus que é amor mesmo. Um Deus que permite que eu a ame.

Mas encostada na parede branca de casa, sem Maya e sem Deus, só conseguia ver o punho largo do meu padrasto se fechar. Seus dedos contraídos chegando à minha direção, força que, se eu desvencilhasse, se chocaria contra meu ombro.

E eu preferi que doesse no ombro a doer no rosto.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Dia 20/12 é meu aniversário