O Máscara escrita por MileFer


Capítulo 20
Confesse




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Adélia enroscou um cacho solitário em seu dedo, encarando o que deveria ser uma cidade à sua frente, distraída. Custava fingir que Rafael não estava ao seu lado, mas aquela noite, particularmente, era diferente.

Estava distraída com Jeniffer, que os vigiava solitariamente parada entre a porta e os degraus de entrada com os ombros erguidos e mãos cruzadas na frente de seu corpo magro, lançando de vez em quando um olhar significativo à Adélia.

Mesmo depois de ter sido rudemente sincera, a mulher estava, pelo menos, cumprindo com sua promessa. Adélia queria acreditar que aquilo era uma questão de honra, e não uma questão de amizade. Talvez Jeniffer só estivesse fazendo aquilo para cumprir com as próprias palavras, e não porque tinha algum tipo de consideração pela garota.

Adélia lançou à mulher um olhar de esguelha, por cima do ombro, sentindo o peito apertar de aflição quando a mesma retribuiu o olha com uma expressão serena. Ela engoliu em seco, desviando rapidamente o olhar para os próprios dedos pálidos, espalmados no concreto do parapeito que a separava do abismo.

—Adélia? – Rafael chamou-a, tocando de leve seus ombros cobertos por um suéter. Um fio gelado percorreu suas costelas, fazendo-a quase arquejar. Adélia encarou-o vagarosamente.

Ele parecia inquieto com alguma coisa. Ainda não havia expressão alguma que lhe denunciasse e continuava com os ombros firmes. Mas suas mãos, logo depois de quebrar o contato com Adélia, caíram ao lado de seu corpo, depois foram escondidas de trás do seu corpo e depois voltou detrás de lá, sendo cruzadas umas nas outras.

Adélia observou todo o movimento, franzindo as sobrancelhas e desviando o olhar para qualquer outro lugar que não tivesse a sombra dele. De repente, sentiu-se constrangida por estar fazendo aquilo, lembrando-se da noite passada.

Argh! Aquela noite a perseguiria para sempre?  Estava em um momento de pura fraqueza, não sabia o que estava fazendo. 

Ou sabia?

Não estava acostumada a agir com tanta intimidade com estranhos. Tratá-lo daquela maneira havia sido um erro, e aquilo a fazia se sentir culpada.

—Você está bem? – Sua voz saiu no tom dos ventos: alta, porém quase inaudível. Presente, mas invisível. Rafael quase sempre perguntava aquilo quando os dois iriam começar uma conversa, mas só agora Adélia parou para pensar no fato. Talvez ele quisesse apenas expressar a boa educação, ou simplesmente quisesse quebrar o gelo. Não que se importasse com seu bem-estar...

—Estou bem – respondeu educadamente, muito embora não conseguisse encará-lo. – E você?

Rafael soltou algo próximo a um suspiro, mas a máscara o transformou em um assovio assombroso, como o eco do vento em um lugar vazio e abandonado. Adélia o encarou de esguelha, um tanto intimidada.

—Eu tenho algumas perguntas... – soltou de uma vez só, como se estivesse há muito tempo segurando em arame farpado. Seu coração estava agitado com a pulsação que a confissão lhe trouxe, e ansioso pelas respostas.

—Perguntas? – Adélia franziu o cenho, cética.  Então era isso? Ele tinha perguntas? Adélia também tinha uma quantidade inestimável de perguntas para ele, e talvez aquela fosse a oportunidade perfeita. – Eu também. – Respondeu, como se aquilo não passasse de uma mera coincidência.

Rafael remexeu-se desconfortavelmente. Sabia que aquilo lhe custaria algo; não podia simplesmente fazer mil perguntas sobre ela sem que Adélia também lhe perguntasse algo. Ele ficou encarando-a por um momento, tentando adivinhar quais perguntas ela gostaria de lhe fazer, pensando em um possível acordo. Ela deveria querer saber da maldição. Rafael não teria problema algum em lhe contar - exceto pelo fato de que o próprio não sabia nada a respeito. A não ser, é claro, pelos detalhes que mais tinha conhecimento, – que era quem havia o amaldiçoado e como, possivelmente, poderia quebrar aquele ciclo – sendo o segundo um pouco mais delicado, e o qual provavelmente desagradaria imensamente Adélia.

Adélia sentia que estava sendo observada, muito embora tudo o que conseguisse enxergar do que deveria ser o rosto de Rafael fosse o brilho fosco da projeção dos lábios de sua máscara. Era um tanto assustador imaginá-los se mexendo de forma normal, como Rafael faria se não a usasse – ou pelo menos pensava assim. Ela ficou os observando, curiosamente, enquanto montava as próprias perguntas, quase não percebendo o som de sua voz – já que era impossível adivinhar através de seus “lábios” imóveis.

—Estarei disposto a responder todas as suas perguntas, - era um grande risco, mas Rafael não podia se dar ao luxo de não corrê-lo; se quisesse que Adélia ficasse, se quisesse cumprir com suas palavras, então teria que fazê-lo – mas terá que responder as minhas também.

Não queria obrigá-la de forma alguma, mas se Adélia prometesse que o faria desse jeito, então ele também que teria que dar a própria palavra.

Adélia soltou uma risadinha, abafando-a com os dedos.

—Suas perguntas devem ser muito importantes – disse, parando de rir.

Estava zombando dele? 

Rafael sentiu-se um tanto tolo, um idiota por propor aquilo, por achar que poderia... Que poderiam...

—Tudo bem – Adélia respondeu. Rafael soltou a respiração vagarosamente, enrijecendo a postura. Esperou que ela começasse com uma pergunta difícil sobre a maldição, ou sobre qualquer outra coisa que Rafael não soubesse responder, mas ela não o fez. Ficou encarando o vazio a sua frente, enquanto brincava com o cabelo, esperando por ele.

Rafael estava remoendo-se de nervoso. Estava ansioso para descobrir sobre ela, sobre sua vida e tudo o mais. Mas, principalmente, queria descobrir o motivo que a levou até ali. Queria saber porquê ela.

—Por que você está aqui? – Sua voz não o traiu como esperava. Saiu mais firme do que pretendia, e mais alta e clara, como se estivesse confiante do que estava fazendo. Mas Rafael se perguntou se havia começado certo quando Adélia lhe lançou um olhar significativo, quase desafiador.

—Pensei que soubesse – foi tudo o que disse antes de piscar os olhos e desviar o olhar para o chão.

Rafael se sentiu um tanto mal. Ele deveria saber?

Não esperava que seu pai lhe contasse alguma coisa, muito menos as coisas fundamentais sobre ela. Mal falava sobre si mesmo ou sobre ele!

—Estou aqui por conta de uma dívida – ela confessou, com um suspiro pesado. Estava um tanto envergonhada, não queria falar sobre aquilo. Mesmo assim, ela continuou: - Meus pais tinham uma dívida com o seu pai.

Rafael pensou por um momento.

—Que tipo de dívida? – Estava receoso, pensando se deveria mesmo insistir no assunto.

—Não sei explicar – Adélia respondeu, neutra. Se já era bastante difícil encará-lo antes, agora era impossível. Não conseguia pensar no Acordo sem sua garganta fechar e seu peito doer. Passara o dia inteiro sem pensar nos pais, apenas magoada com Jeniffer. Mas agora, diante de tal confissão, sentia o peso da saudade e até da raiva inundando-a novamente, como um tanque de sentimentos sob sua cabeça.

Era a primeira vez que se abria com alguém sobre o assunto. Por mais estranho que fosse, Adélia deu-se conta de que queria falar sobre aquilo com alguém. Principalmente agora que não estava falando com Jeniffer, e nem confiava mais na mesma. Mas quem poderia ouvi-la e aconselhá-la melhor do que ela? Não confiava o bastante em Rafael para expressar todos os sentimentos que a sufocavam ou muito menos os pesadelos que tinha – com ele.

Ela encarou o ambiente ao seu redor, esbarrando no olhar significativo que Jeniffer a lançava. Ela parecia saber sobre o que estavam falando, e aquilo deixou Adélia ainda mais desconfortável. Não poderia mais comentar com ela sobre o que acontecera ou sobre o que ela e Rafael falaram, pois a mulher não se importava.

Também não poderia falar com Rafael, simplesmente porquê não conseguia entendê-lo, não confiava nele e, acima de tudo, não o conhecia.

Jamais poderia falar com seus pais ou com suas amigas do Instituto Florence, pois estavam longe demais dela.

Não poderia falar com ninguém.

Adélia já havia sentido o gosto da solidão antes, desde quando chegara ali. Mas agora, pensando naquilo tudo, voltando no tempo, sentia que poderia afundar. Seu coração estava pesado, e sua garganta já ardia por conta da bile que a sufocava internamente. Não podia chorar. Não agora.

—E você? – Disse, pensando apenas em disfarçar o mal-estar. Mas sua voz saiu embargada, falhando. Ela engoliu em seco, respirou fundo e meditou durante alguns segundos, recobrando as poucas forças que ainda tinha. – Por que está aqui?

Rafael franziu os olhos por dentro da máscara.

—Eu moro aqui – respondeu, no seu melhor tom de simpatia. Não queria parecer grosseiro, principalmente agora que notara que ela não estava bem.

Adélia estava segurando o parapeito como se sua vida dependesse disso, e sua voz havia soado mais estranha do que o normal. Aquilo o preocupou instantaneamente.

—Eu deveria continuar? – Perguntou o mais sincero que podia. Queria continuar, queria descobrir tudo o que pudesse para só então pensar mais para frente. Mas jamais conseguiria se Adélia também não conseguisse.

—Deixe-me fazer algumas perguntas também... – Sussurrou, virando-se para ele. Rafael não respondeu, pois não sabia como. Se dissesse que sim ela lhe faria as tais perguntas, mas se dissesse que não, então a magoaria. Não queria falar nada sobre si, não queria passar vergonha, mas também não podia se acovardar naquele momento. – Por que eu estou aqui? – Murmurou, tentando a todo custo sustentar seu olhar. – Eu sei que não é só por causa dos nossos pais. Sei que há algo mais. – Ela mordeu o lábio, contendo algumas lágrimas. – É a maldição? Diga-me o que é...

—Adélia – Rafael a interrompeu, soando mais grave do que pretendia. Se o seu coração não estivesse batendo de medo, teria respondido diretamente, mas não conseguiu. – É por causa da maldição, mas não posso explicar. Não agora.

Adélia ficou imóvel, esperando que ele dissesse algo mais.

—Seria mais fácil se eu soubesse de tudo. – Foi o que disse, antes de voltar a encarar a paisagem à sua frente.

Rafael ficou magoado.

—Acredite, Adélia – ele disse, tentando manter a voz firme e controlada para não denunciar o que sentia. – Eu gostaria que soubesse de tudo. Certamente seria mais fácil... E isso teria um preço muito grande. – Ele pausou quando ela retribuiu o olhar, confusa. – Saber de tudo nem sempre é uma boa alternativa, principalmente em tais circunstâncias.

 Adélia ficou boquiaberta por um momento, mas depois mudou sua expressão para algo neutro.

—Não posso conviver com um desconhecido – respondeu, seca.

—Não viverá com ele por muito tempo – e então ambos se calaram, encarando um ao outro, tentando entender o que Rafael acabara de dizer.

Adélia, antes desdenhosa, assumiu uma expressão pensativa, enquanto Rafael escondia seu medo por trás da máscara.

—O que quer dizer com isso?

Havia um quê de esperança em sua voz, como se nos seus pensamentos ela já soubesse a resposta e só esperava que Rafael a confirmasse.

— Tenho mais perguntas – desconversou. Aquele era um dos milhares de detalhes que não podia contar no momento. Adélia lançou-lhe um olhar carrancudo, como se estivesse brava por ele ter mudado de assunto. Mesmo assim, Rafael continuou: - Como era a sua vida antes de vir?

A expressão antes irritada de Adélia se transformou em algo mais suave, enquanto analisava a resposta.

—Muito simples, eu diria – respondeu, desconfiada. Por que ele estava fazendo aquele tipo de pergunta? Por que se importava em saber como ela vivia? – Eu passava a maior parte do meu tempo no Instituto, - sua voz assumiu um tom melancólico e indesejável, e seu coração amoleceu de saudades – e na outra metade ficava com meus pais.

Era só isso?

Rafael acreditava que não. Adélia era muito mais intrigante do que ele imaginava, e a falta de detalhes em suas respostas só serviam de combustível para aquecê-lo em sua insanidade.

—Conte-me mais – pediu delicadamente.

—Não tenho mais nada a dizer – Adélia deu de ombros, quase se desculpando. – Por que está me perguntando isso? – Murmurou, tentando camuflar a curiosidade no tom baixo de sua voz.

Rafael ficou tenso, pensando se deveria contar a verdade direta ou indiretamente. Talvez ela não gostasse de saber que ele estava espionando-a – de certa forma, pelo menos. 

—Estou apenas curioso – foi tudo o que conseguiu revelar, sem constrangimentos.

Adélia ergueu uma sobrancelha.

—Também estou um pouco curiosa – rebateu, e era verdade. Ainda estava um tanto desconfortável e, mesmo sendo perguntas consideravelmente simples, Rafael conseguira fazer com que Adélia se abrisse um pouco mais. Tinha perguntas para fazer a ele, e agora não se sentia tão mal ao fazê-las. - Você me parece ser um cara legal – ela disse, causando surpresa em Rafael, que a escutava atentamente. – E eu não consigo mais ter tanto medo de você agora. – Ela respirou fundo, como se aquelas palavras a estivesse sufocando. – Mas eu não consigo entender essa situação. Não consigo entender essa maldição, não consigo acreditar nela. – Adélia o observou por um momento, antes de continuar. Não sabia se era a pergunta certa a se fazer no momento, mas não podia desperdiçá-lo. – O que é, afinal, a sua maldição?

Rafael respirou fundo, sentindo uma onda de claustrofobia agonizá-lo. Ele não sabia responder aquela pergunta. Adélia continuou calada, encarando-o e esperando sua resposta, mas Rafael sequer se mexeu, petrificado.

—Adélia? – Uma voz feminina os desconcertou, chamando a atenção de ambos para a dona da voz parada a poucos metros deles, com as mãos na cintura e um sorriso suave no rosto. Ela encarava Adélia como se a mesma fosse a única criatura presente, ignorando completamente Rafael. – Está na hora de ir.

Foi um aviso, segundo a conclusão de Adélia. Ela não reconhecia mais a simpatia de Jeniffer em relação a ela, e apenas um pouco de cautela a fez hesitar naquele momento.

Adélia encarou Rafael por um momento, mas sem conseguir dizer nada. Agora que havia criado coragem o suficiente para lhe fazer certas perguntas, não queria ir embora. Por mais estranho que parecesse, ela queria ficar com Rafael naquele momento mais do que nunca.

—É melhor você ir – ele rebateu seus pensamentos, que insistiam em ficar.

Ela não podia acreditar no que ele estava pedindo.

—Mas...

—Vá – ele interrompeu-a. Os dois continuaram a se encarar durante o que pareceu alguns minutos, antes de Adélia quebrar o contato com um piscar de olhos. Ela encarou o peito de Rafael, que subiu e desceu sutilmente, como se ele estivesse suspirando muito lentamente.

Novamente, a lembrança da noite passada a fez corar. Adélia pensou no que aconteceria se ela o abraçasse outra vez, em como se sentiria depois. Provavelmente se sentiria mal consigo mesma, envergonhada e tímida. E não conseguiria conversar, como aconteceu naquele momento.

Sua garganta estava tão seca que tudo o que conseguiu dizer para ele foi um “até logo” baixo e rouco, inaudível. É claro que Rafael não ouviu, ou se ouviu a ignorou. Ela observou atentamente enquanto ele esticava uma de suas mãos até ela, tocando-a tão suavemente que Adélia quase não o sentiu. Ele pressionou de leve seus dedos, como se estivesse receoso.

—Até breve, Adélia – ele disse, despedindo-se dela.

Sem hesitar nem mais um segundo, Adélia praticamente correu até Jeniffer. Ela quase podia sentir o peso do olhar dele sobre ela, acompanhando todas as suas passadas até estar longe. Mas quando Adélia olhou para trás, Rafael continuava na mesma posição, de costas para ela.

Durante todo o caminho até o quarto, ela ficou se perguntando se voltaria a ter a mesma oportunidade de conversar com ele a respeito de sua maldição, e quis mais do que tudo interrogar Jeniffer por conta de sua atitude, chegando até a sentir raiva dela. O que a mulher queria, afinal?

Adélia surpreendeu-se quando Jeniffer adentrou no quarto com ela, acompanhando-a de perto durante todo o trajeto. Ela estava roendo-se por dentro, tentando buscar uma explicação para justificar a atitude da mulher.

Muito calmamente, Adélia virou-se para Jeniffer, que fechava a porta do quarto, e murmurou:

—O que aconteceu?

Jeniffer sorriu, e por um momento Adélia pensou que ela ia se fazer de boba ou desviar-se da pergunta. Mas então a mulher se aproximou dela e, sentando-se no braço da poltrona, respondeu no mesmo tom:

—Precisamos conversar a respeito de algo muito importante – ela disse, remexendo-se um pouco. Adélia sentiu um frio dançar por sua nuca, eriçando os pêlos de seus braços. Não conseguia imaginar sobre o que Jeniffer queria falar, mas algo lhe dizia que era a respeito de Rafael.

 Como Jeniffer não falou mais nada, Adélia completou: – O que é? – Soou mais receosa do que queria, mas estava menos preocupada com isso no momento.

Jeniffer mal havia lhe revelado nada e seu coração já estava agitado, suas mãos suavam e sua cabeça já montava planos para interpretar o que viesse dela. Estava assim tão ávida por informações sobre ele?

—Preciso me desculpar pelo meu comportamento hoje à tarde – Jeniffer se levantou, alcançando as mãos dela e as segurando com força. – As coisa têm andando meio difíceis por aqui, minha querida. Sei que isso não justifica a minha explosão, mas espero que compreenda – ela disse, amigável.

Inevitavelmente, Adélia desconfiou de sua desculpa, chegando a franzir testa. Mas depois sentiu-se chateada. Era sobre aquilo que Jeniffer queria conversar?

Estava realmente muito ávida por informações sobre ele. Estava diante da única pessoa que poderia ser sua amiga e companhia naquele lugar, a qual pedia desculpas por tê-la magoado, e tudo o que conseguia se preocupar era com o vazio que sentia no coração por não conseguir nada sobre ele naquela noite, depois de tanta expectativa.

O que estava acontecendo com ela? Como poderia ter mudado de prioridades tão rápido?

Meia hora de conversa com Rafael e Adélia já havia mudado parcialmente sua personalidade. Como isso era possível?

—Tudo bem – ela disse, baixinho. Abriu e fechou os olhos, centrando seus pensamentos apenas em Jeniffer e naquele momento de reconciliação. – Acho que devo me desculpar também, por tê-la chateado.

Jeniffer negou rapidamente com a cabeça, pressionando com mais força seus dedos.

—Não, não! – Disse, com um meio sorriso. – De forma alguma. Não me deve desculpas, pois não tem culpa alguma sobre isso.

Adélia assentiu automaticamente, retribuindo com um sorriso tímido e sem graça.

Ambas ficaram se encarando por um momento. Adélia até tentou adivinhar o que passava na cabeça de Jeniffer, mas a expressão da mulher continuava suave e tranqüila, como se não tivesse nada a esconder.

—Acho que preciso descansar – ela disse, massageando a própria nuca. Não estava cansada, queria apenas se livrar do olhar avaliador de Jeniffer. Adélia se afastou um passo dela, dando a entender que queria que se despedissem logo.

—Adélia – Jeniffer sussurrou, chamando sua atenção. A garota dedicou o máximo de atenção que podia a ela, concentrando-se em sua voz. – Ainda não cheguei à parte mais importante.

Adélia refletiu por um momento, sentindo uma chama se ascender em seu peito novamente. Ela tentou não ficar muito ansiosa para o que iria ouvir, por isso respirou fundo e assentiu para Jeniffer continuar.

Com um gesto, a mulher a convidou para se sentar próximo a ela, dando tapinhas no assento a sua frente para que Adélia se sentasse logo. Ela escutou atentamente tudo o que saia da boca de Jeniffer, fazendo o máximo de esforço para não perder os detalhes importantes.

—Como eu já disse, estamos passando por um momento difícil. Sua chegada causou um grande alvoroço aqui - ela disse, fazendo um gesto com as mãos para indicar o espaço ao seu redor. - Foi uma grande surpresa, na verdade. Não sabíamos que teríamos uma segunda chance. - Pausa. A mulher fixou seu olhar na garota, que tinha uma expressão que demonstrava estranheza. - No entanto, você está aqui.

Adélia pensou por um momento, absorvendo os fatos.

Então não estavam esperando por ela, e isso era até fácil de aceitar. Mas quem esperaria? Rafael? Adam?

Ela engoliu em seco quando a imagem de Adam em seu apartamento esperando para separá-la da família preencheu sua mente.

—O que quer dizer com segunda chance? - Foi o que veio em sua mente, para quebrar o silêncio. Não tinha coragem de falar sobre Adam, pelo menos não naquele momento.

Jeniffer pensou por um momento, chegando a desviar o olhar para o alto, pensativa.

—Não é nada demais - concluiu, por fim. - Mas diga-me, minha querida, você acredita em segundas chances?

Adélia deu de ombros, pensando no que poderia responder.

Ela acreditava?

Acreditava que as pessoas mereciam ter uma segunda chance, independente de seus erros?

Ela pensou em seus pais, e no que poderiam estar fazendo agora. Pensou nos erros deles, nas suas confissões e no sofrimento óbvio em seus olhos, quando se despediram. Eles mereciam uma segunda chance?

Um grande “sim!” inundou seu peito, fazendo-a se emocionar. Claro que mereciam, eles a amavam…

Mas então a imagem de Adam surgiu novamente em sua cabeça, ofuscando as lembranças de seus pais. Ele lhe fizera muito mal, e lhe causara muito sofrimento. Mas ele merecia uma segunda chance?

Adélia engoliu a bile que se prendeu em sua garganta, agoniada com a lembrança do contato sujo e áspero dele que ficou em sua pele.

—Eu não sei - murmurou, acuada. Sentiu vontade de afundar na poltrona, até sumir.

—Bom, e se fosse alguém que você ama? - Jeniffer disse, interrompendo seus pensamentos. – E se fosse você?

—Por que está me perguntando isso? - Adélia não queria responder aquelas perguntas, ou nenhuma outra do tipo. Queria que Jeniffer chegasse logo no ponto importante, pois queria ficar sozinha.

—Cometi um erro - ela disse, com um sorriso natural. - E não sei se serei perdoada por isso.

Adélia surpreendeu-se. Todo mundo cometia erros, e isso era a mais pura certeza que ela tinha consciência. Admirava Jeniffer por reconhecer os seus, mas não conseguia entender o motivo que a levou a se abrir com ela.

Não que Adélia se considerasse uma má ouvinte, ou que fosse indiferente as confissões da mulher. Jeniffer sempre se comportara de maneira muito fechada, mesmo quando Adélia lhe contava coisas que queria esconder. Achava a confissão da mulher íntima demais para ela.

—Acho que isso é normal, Jeniffer - ela tentou, em vão, consolá-la. Não queria julgá-la, ou muito menos fazê-la se sentir mal. Estava apenas tentando ajudar do seu melhor jeito. - Todos nós cometemos erros…

—Não, Adélia- ela a interrompeu, balançando a cabeça em sinal de discordância. - Foi o maior erro da minha vida. Um erro tão imperdoável… - Ela desviou o olhar para a janela à sua frente, pensativa. - Com consequências desastrosas.

Adélia não falou nada; simplesmente acompanhou o olhar da mulher para o escuro, lançando uma olhadela para seu perfil.

Jeniffer não parecia estar sofrendo, mas também não desmontava sinal de felicidade. Sua expressão estava suave, neutra. Era difícil dizer o que se passava em sua mente através dela.

—Não consigo imaginar o que tenha feito de tão ruim - Adélia confessou, um tanto intimidada. Não queria irritar ela impondo o que achava sobre sua vida, mas não podia deixar aquilo passar.

Jeniffer sempre foi boa com ela, mesmo quando foi rude, e Adélia não queria deixar aquilo de lado.

Encarando-a agora, tudo o que Adélia sentiu foi pena e um apreço por Jeniffer.

Jeniffer, por outro lado, riu com desgosto. Estava rindo de Adélia e de sua doçura. Não podia levá-la a mal agora, pois a garota sabia sentir.

Ah, Adélia - ela disse, ainda sem encará-la. Um tempo mais tarde, quando o silêncio chegou a um estado insuportável, Jeniffer respirou fundo e, fechando os olhos, confessou:  - Rafael é meu filho, Adélia. E eu o abandonei quando ainda era um bebê.


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