Merlin andava calmamente ao redor do que seria a antiga ilha de Avalon. Não sabia o motivo, mas simplesmente sentira uma vontade imensa de ir até lá naquele mero dia. Há alguns meses sabe se lá como ele conseguira realizar um feitiço que o deixara jovem novamente. No fim, acabou arranjando um emprego numa loja do shopping por simplesmente não parecer mais um aposentado — ou por finalmente ter conseguido fazer uma identidade, porque as pessoas daquela época não acreditavam em magia e, portanto, não acreditavam quando ele falava que nasceu há mais de mil anos. Quando voltara à aparência jovem, também conseguira um feitiço para enganar as pessoas na hora da identidade. Merlin ainda não sabia por que não usara aquele feitiço antes, mas enfim.

Agora dividia um pequeno apartamento perto do centro da cidade com uma brasileira. Ela chamava-se Melissa e estava fazendo mestrado em medicina veterinária e faria o doutorado na África do Sul assim que acabasse. Melissa tinha cabelo castanho e tinha olhos azuis; o corpo, apesar de magro, era esbelto. Mas, diferente de várias mulheres que conhecera em seus mil anos — quer dizer, falemos a verdade, ele não se dá muito bem com as mulheres, talvez isso se dê ao fato da época em que nasceu, e também nunca foi muito sociável —, Melissa era extrovertida, um tanto que impaciente e gostava de implicar bastante com Merlin por ele não saber do que se passava ao seu redor. Outro detalhe: ela era bissexual — obviamente ele não sabia o que aquilo queria dizer exatamente, mas acabou compreendendo parcialmente quando numa semana ela disse que iria se “dar bem” com um garoto e na outra semana disse o mesmo com uma garota; ainda não entendia muito bem, mas também não questionara — e simplesmente louca por um gênero chamado “yaoi” ou Boys Love.

Merlin — novamente — ainda não entendia direito o que realmente significava, mas parecia ser algo inapropriado. Uma vez, enquanto procurava um arquivo no computador que ambos dividiam, acabou se deparando com uma foto um pouco estranha: duas pessoas, uma ele reconhecia ser um homem, a outra não dava para ver já que ele a tampava. De qualquer forma, o homem estava nu — assim como a outra pessoa, pelo pouco que pôde perceber — e bastante próximo das nádegas da pessoa. Ele também estava suado e parecia estar num tipo de êxtase.

Quando Melissa viu a expressão confusa e a foto que Merlin estava vendo, deu uma gargalhada e falou que isso se chamava “lemon” e também fazia parte de yaoi/boys love. Considerando o choque que foi aquela imagem, desde aquele dia Merlin resolvera também não questionar.

A convivência dos dois era boa, apesar de tudo. Acabaram conseguindo criar uma boa amizade em apenas sete meses.

Mas agora voltemos ao tempo atual. Merlin não sabia exatamente o motivo por estar rondando a ilha de Avalon, olhar aquele canto dava-lhe uma sensação nostálgica, mas, mesmo assim, ele sentia que algo bom viria. Não sabia o que era exatamente, mas conseguia sentir. E, devido aos seus anos, sabia que quando sentia alguma coisa, devia ser importante.

Sentou-se na areia enquanto olhava fixamente para o lago. Alguns instantes depois ele vagamente viu algo loiro, mas ignorou, achando que era fruto de sua imaginação.

Levantou-se e olhou para o lado, dando de cara com um homem velho. De certa forma, apesar de nunca ter realmente visto ele, imediatamente Merlin o reconheceu. — Killgharrah?

— Está na hora, jovem bruxo — disse e no mesmo segundo desapareceu. Emrys estremeceu com aquilo. Seria uma visão? Ou realmente aquele era Killgharrah? Sentou-se novamente na areia e abraçou as pernas, mas mesmo assim continuava a olhar o lago.

Um tempinho depois e Merlin tornou a ver algo loiro no lago, mas dessa vez não pôde ignorar. Afinal, havia realmente uma cabeça ali! O cabelo tampava o rosto, mas ele o reconhecia. Ah, era impossível não identificar aquela cabeleira loira e, de certa forma, era completamente impossível não conhecer , ou melhor, sentir, que aquele era seu rei. Arthur.

Imediatamente correu até onde seu rei estava. A água estava gelada, mas não se importou com isso. Merlin piscou algumas vezes enquanto via Arthur cuspir um pouco de água e tentar ajeitar o cabelo — sem sucesso, obviamente —, ele estava com suas roupas comuns da época de Camelot.

— Merlin? — Arthur chamou. — O que está acontecendo? Estamos em Avalon, certo? Você conseguiu me salvar, é isso?

Merlin ainda estava estático olhando para o seu rei. E, bem, Arthur foi paciente, de verdade. Mas depois de uns dois minutos ele não aguentou mais esperar a resposta do seu servo e deu um beliscão no braço deste. Merlin imediatamente recuou um pouco, acariciando o braço que ardia.

— Seu idiota! Por acaso não vai me responder? Sinceramente, agora não me importo se você é um mago ou não, só quero que você me responda!

Merlin sorriu. Seu rei não havia mudado em nada, afinal. Mas... bem, o diálogo — principalmente a explicação, porque ele sabia muito bem como Arthur era — com certeza seria complicado. Mordeu os lábios antes de respondê-lo: — Arthur, você esteve morto por muitas décadas. Estamos no século vinte e um.

Arthur riu. Sim, riu. Merlin olhou-o assustado. Esperava gritos, xingamentos, violência e... Ai! Arthur tinha batido em sua cabeça e agora estava com um dos seus braços em seu ombro. Merlin olhou-o nos olhos, vendo, mesmo que o rei tentasse não transparecer, uma expressão temerosa.

— Merlin, eu sempre soube que você era idiota, mas a magia realmente te subiu à cabeça, não é? Estamos no nosso ano! Não é? ! — Arthur quase gaguejou na última pergunta. O espanto e desespero óbvio em seu tom de voz.

E para o total desespero de Arthur, Merlin respondeu: — Não, não estamos, meu rei.