Blue escrita por clarissa


Capítulo 1
Ripped at every edge but a masterpiece


Notas iniciais do capítulo

Para V.



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Nós nos víamos duas vezes por ano. Três, no máximo. E em todas as vezes, não nos víamos por mais de algumas horas, nem dormíamos sob o mesmo teto. O que tínhamos em comum era a família.

Meu pai e a sua mãe.

Tudo ficou sério quando o Augusto chegou. Nosso irmão. Era como se toda a coisa de “meio-irmão” tivesse ficado mais pessoal. De repente não éramos apenas parentes de consideração: o membro mais novo da família era nosso elo.

Ele não falava muito bem, então não pôde te dizer tantas vezes (como eu tenho certeza que ele gostaria de ter dito) que te amava. E ainda ama. Muito.

E eu sei que no último ano era tudo mais difícil. Ver a mãe lutar contra um câncer que não a deixava exibir seus sorrisos com tanta frequência quanto ela gostaria. Mas acredite, ela aguentou tudo isso por você.

Nunca fomos próximos. Nem perto disso. Mas, você sabe, estamos na era digital, e foi fácil achar as suas redes sociais. Eu sabia pelo menos o básico sobre você: sabia da sua insatisfação com o governo brasileiro; sabia do seu esforço e sacrifícios na faculdade de medicina; sabia que você só se sentia bem quando estava alto, porque viver em outro país, sozinho e com tantas coisas assombrosas na mente não era fácil.

Eu queria que você tivesse chegado aos vinte e oito anos, pelo menos. Porque eu lembro, de uma das vezes que o ouvi conversar com o meu pai, que passando dos 27, a “idade da morte dos artistas”, você já vencia qualquer especulação sobre a sua vida ou morte. Mas eu quero que você saiba que de um jeito ou de outro, pra nós você é um astro. Sempre foi.

Se eu soubesse o que estava por vir, teria tentado ser alguém na sua vida. Família unida por mais do que um elo, por algum tipo de afinidade. Queria poder ter notado cada um dos seus sinais, percebido pelas suas palavras online que, na verdade, você estava gotejando como um pôr-do-sol saturado; que você estava transbordando como uma pia cheia demais. Mas eu não podia ter sabido. Ninguém nunca sabe.

Depois de algum tempo mexendo em meus diários, achei dois relatos sobre você: no aniversário de dois anos do Augusto e quando toda a família foi jantar num restaurante italiano. Há uma diferença de cinco meses entre essas duas vezes em que nos encontramos, e em ambas eu te descrevia como alguém extremamente sarcástico que me irritava por ser tão pessimista.

Mas como ser otimista quando não se vê um propósito na própria vida?


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Notas finais do capítulo

O título do capítulo quer dizer "rasgado em cada extremidade, mas uma obra-prima" e é um trecho modificado de "colors" da Halsey.
Obrigada por ler. Essa foi uma das coisas mais pessoais que eu já postei por aqui.