Ele é alto. Seus cabelos negros contrastam com seus olhos claros e minhas pernas ainda estão bambas enquanto Karen tenta tirar a mancha de batom com demaquilante.

–Não acredito que deixei passar isso. - disse Karen, se sentindo culpada.

–Não foi culpa sua.

Assim que o grande senhor do universo debochou da minha cara, entrou em sua sala, me deixando feito uma pateta e desde então não saiu mais. Graças a Deus.

–Você começou com o pé esquerdo, mas ainda da pra consertar isso. Se mostre competente e... Bom, você pode ganhar o mínimo de respeito da parte dele.

Karen me passou algumas instruções ótimas. O tal Collins é viciado em trabalho e se a secretária, no caso eu, não lembrar do seu almoço, ele simplesmente passa o dia todo sem comer. Por outro lado, ele não gosta de ser interrompido com perguntas idiotas do tipo "o que vai querer almoçar?" Então o correto é eu me comunicar com ele por e-mail, já que ele sempre está com o seu e-mail aberto. Nesse e-mail eu devo apenas enviar as opções do dia do seu restaurante preferido (o restaurante sempre vai enviar o cardápio para o e-mail da secretaria, no caso, como eu cheguei de paraquedas, vou usar temporariamente o e-mail da antiga secretária). Assim que meu e-mail for enviado para Collins, deve esperar que ele responda com outro e-mail, geralmente, só com o nome do prato e da bebida, nada de "bom dia" ou "boa tarde" e muito menos "obrigado".

Quando eu estiver com o pedido em mãos, eu ligo para o restaurante e em dez minutos eles entregam na recepção, então eu tenho que descer, pegar, voltar, dar dois toques na porta do escritório, não muito forte para tirar o raciocínio do que seja lá o que ele esteja fazendo e nem muito leve para ele não ouvir, aí eu espero que ele destranque a porta com algum tipo de controle faz tudo, e finalmente entro, discreta e rápida como um rato. Arrumo a mesa em seu escritório, mas não sirvo a comida, apenas deixo as bandejas lá e saio mais muda do que entrei.

Quando Karen terminou eu fiquei pensando se seria necessário eu fazer outra graduação para aprender a servir o almoço do meu chefe.

–Essa certamente vai ser a parte mais difícil, por que fora isso seu contato com ele será só por e-mail. Organizando sua agenda, seus recados, marcando e desmarcando reuniões segundo suas ordens. Por isso a primeira coisa que vou providenciar é que ele tenha seu e-mail. - explicou Karen - Ah e mais uma coisa, ele pode enviar e-mails de meia noite mandando você ir na China comprar sushi, mas você tem que ir. Entendeu?

–Sim, entendi tudo. - secretária é uma palavra que mascara minha verdadeira ocupação aqui: a de escrava.

Hoje não tive que me preocupar com o almoço, já que o Sr. Collis acaba de voltar de um almoço de negócios e foi por isso que o vi no trânsito. Durante o resto da tarde o que tive que fazer foi me familiarizar com o trabalho. A secretária que estava no meu lugar é extremamente organizada. No computador, existia pastas para cada tipo de negócios e eram divididas em negócios fechados, negócios quase fechados e negócios imperdíveis, todas estavam cheias de documentos do Word. Também tinha uma agenda de “contatos importantes” cheios de nomes que eu desconheço, provavelmente de pessoas muitos ricas. Outra pasta que me chamou atenção era a de “eventos do mês” e eram muitos. Karen disse que até amanhã eu tenho que encaixar esses eventos e as reuniões de negócios na agenda do meu chefe, de uma forma que ele possa comparecer a tudo sem nenhum atraso, ele odeia atrasos.

Em uma planilha do Excel, comecei a organizar tudo, reuniões, eventos, jantares de negócios, jantares com a família, jantares de negócios com a família. A agenda desse tal Collins era tão cheia que eu me pergunto em qual momento ele desfruta a fortuna que herda. A resposta é: sábado à noite. Nada pode ser marcado no sábado à noite. Se o fim do mundo cair num sábado à noite eu terei que dar um jeito que aconteça apenas no domingo.

Até então estava até tranquila com meu trabalho. Contanto que eu não tenha muito contato com o chato do meu chefe, as coisas podem até dar certo, pensei. E como resposta ao meu pensamento, recebo um e-mail.

De: Madson Collins

Para: Johana M.

Assunto: Na minha sala agora

Na minha sala agora.

Bom, ele não é um homem de muitas palavras, pelo o que vejo. A ordem é clara, ele precisa de mim agora e não devo demorar. Meus ossos tremem. O episódio de hoje mais cedo passa pela minha cabeça. Ele foi extremamente grosseiro comigo, será que planeja dizer um simples “me desculpe”? Acho muito improvável. Corrijo minha postura, bato duas vezes na porta e entro. Ele está sentado em uma elegante “cadeira de chefe” atrás de uma elegante “mesa de chefe” com uma postura de o todo poderoso, dono do universo. Assim que entro ele volta o seu olhar para mim, não disfarça que está me avaliando, me olhando descaradamente dos pés à cabeça. Me sinto desconfortável.

–Em que posso ajuda-lo Sr. Collins? – falo primeiro tentando amenizar a tensão.

–Fazendo o seu trabalho. Onde está a minha agenda? – disse rispidamente.

–Desculpe? Karen me informou que ele deveria estar pronto apenas amanhã Senhor.

–Karen não é a sua chefe. Eu sou seu chefe. Quero o cronograma desse mês até a meia noite de hoje.

– Mas eu fico na empresa apenas até as dez horas Senhor.

–Bom, isso não é problema meu. Pode se retirar.

Saiu da sala cuspindo fogo. Quem ele pensa que é? Só por que é trilhonário acha que pode falar assim com as pessoas? Mas o que importa agora? Tenho que me concentrar em organizar logo tudo isso. Minha internet foi cortada ontem por falta de pagamento, então tenho que enviar essa agenda com a internet aqui da empresa. O problema é que isso é um grande quebra-cabeça. Muitos de seus compromissos importantes estão no mesmo horário e, até onde eu sei, ele não pode estar em dois lugares ao mesmo tempo. Perco muito tempo entrando em contato com as secretárias dos respectivos empresários que tem essas reuniões marcadas, na tentativa de encaixar tudo em horários que sejam possíveis para o Sr. Collins comparecer em tudo. Confesso que é mais difícil do que eu imaginava. Mas, eu estou muito determinada e não paro nem quando Karen me chama para um cafezinho. Se esse tal de Collins acha que eu sou uma irresponsável e que eu não consigo fazer uma tarefa como essa, ele está muito enganado e eu vou provar isso.

Quando já estava terminando de organizar o dia 29, Karen volta a minha mesa.

–Ainda tá aqui menina? – disse. – Mas já são dez e meia, você precisa ir pra casa, manhã o dia vai ser longo.

–Não tem problema Karen, eu já estou terminando. Assim que acabar envio tudo isso para o Sr. Collins e vou pra casa, finalmente.

–Mas, eu não entendo, o Sr. Collins não precisa dessa agenda pra hoje, você pode entregar amanhã.

–Não é bem assim Karen, ele me chamou em sua sala e disse que queria tudo isso até a meia noite de hoje.

–Ah não...

–O quê?

–Ele está te testando. – disse Karen, como se aquilo fosse algo realmente ruim.

–Bom, seja lá o que for eu consegui. Veja só, todos os compromissos do mês organizados com data, local, horário, nome do cliente e objetivo da reunião. – digo um pouco orgulhosa do meu trabalho, sempre fui perfeccionista com as coisas que faço.

–Gata você arrasa. –disse Karen empolgada.

–Agora só falta enviar o arquivo para o e-mail dele e... Pronto – disse mais que satisfeita, finalmente poderei ir pra casa e contar tudo do meu dia para April e minhas novas amigas da sociedade.

Aposto que o Sr. Collins não previa que eu me sairia tão bem na minha tarefa. Termino de organizar a mesa e pego minha bolsa. Antes de fechar o e-mail, noto que recebi um novo e-mail. É dele. Quero ver o que ele tem a dizer, consegui fazer o que ele pediu.

De: Madson Collins

Para: Johana M.

Assunto: Não me faça perder tempo.

Deveria saber que eu quero tudo manuscrito. Tem até a meia noite para deixar a agenda no escritório do meu apartamento. Se não conseguir, não precisa voltar a empresa.

–QUÊ?!Manuscrito? ele só pode tá drogado, filho da mãe. –grito.

–Qual foi o babado garota? – pergunta Karen, assustada com minha reação.

–Esse idiota quer a agenda manuscrita, ele só pode ser louco Karen, não da pra fazer isso!

–Que merda!

–E ainda por cima quer que eu deixe a agenda no escritório do apartamento dele, eu nem sei onde ele mora. –disse já quase chorando de raiva.

–Calma garota, vai da certo. Eu sei quem pode te ajudar. – disse Karen.

–Quem?

–Johana, a ex-secretária. Ela vai te dizer o que fazer. Vou procurar o número dela lá na recepção, enquanto isso, beba um pouco de água e se acalme.

Johana realmente ajudou, ela é prestativa, e pela sua voz calma ao telefone, isso não a chocava em nada. Ela me orientou a escrever tudo em uma agenda de capa de couro preta, que está na terceira gaveta da escrivaninha. Ele disse pra escrever tudo com uma letra boa e legível, sem rasuras. Explicou que o Sr, Collins gosta muito dessas agendas e anda pra cima e pra baixo com ela, todo mês é uma diferente, com os compromissos referentes a aquele mês. Caso aconteça alguma mudança durante o mês, é minha obrigação avisa-lo e ele mesmo corrige a agenda. Ela também me passou o endereço do apartamento dele. Disse que eu tenho que ser muito discreta. Devo usar a cópia da chave que está na segunda gaveta, ressaltou que eu nunca devo perder essa chave e ela nunca deve cair em mãos erradas, devo protege-la com a vida. Assim que eu entrar devo ir direto ao escritório que fica no primeiro andar, segunda porta. A agenda deve ser colocada em cima da mesa e eu tenho que sair imediatamente, silenciosa como uma rata.

Já tinha as minhas orientações, sou muito agradecida a Johana. Agora vem a pior parte, provavelmente a que me dará calos nas mãos. Karen quis me ajudar, mas ela já fez demais, dispensei ela e foquei no trabalho. Não sei se é sorte, mas, agradeci a Deus por ter uma letra boa. Com uma xícara de café ao lado, comecei o meu trabalho, e realmente, fui o mais rápido possível. Terminei tudo de 11:36, agora é contagem regressiva.

Fiz uma verdadeira corrida até Penélope, no caminho notei que na empresa só restavam os seguranças. Meu celular tocava novamente, era April, já faz um tempo que ela me liga, mas não tenho tempo para atender, não se eu quiser entregar essa agenda a tempo. Dirijo feito uma louca até o apartamento, quase atropelei um ciclista. Mas isso não é hora de andar de bicicleta, pensei.

Consegui achar o prédio faltava quatro minutos pra meia noite. Vou conseguir, pensei. Mas, não estava muito confiante. O apartamento dele é o último, tem um elevador exclusivo. Não tenho tempo de notar o quão luxuoso é aquele prédio, dá até tristeza quando me lembro do meu. Quando o elevador abre, saiu em disparada. Não sei que horas são quando entro no apartamento perfeitamente decorado. Mas não presto muita atenção, apenas procuro a escada e quando acho subo apressada.

E para as mulheres do mundo eu gostaria de deixar uma dica: nunca tente subir rápido uma escada usando um salto agulha de 15cm. Se fizer isso, provavelmente acabará como eu, choramingando por ter torcido o pé. Sim, eu torci o pé na droga da escada. Dá pra ficar pior? Nunca duvide disso. Tiro os sapatos e tento choramingar em silêncio enquanto subo a escada mancando. Quando, pela graça de Deus termino de subir, acho a porta do escritório. Sem dúvida é mais de meia noite, sei disso sem olhar no relógio. Mas já que estou aqui, vou terminar com isso. Ainda mancando entro no escritório. E pode acreditar em mim que cada passo é uma tormenta, quem já torceu o pé sabe disso. Quando chego a mesa do escritório, respirando fundo, solto os sapatos no chão e abro minha bolça para tirar a bendita agenda. E, finalmente, a coloco na mesa.

–Dez minutos atrasada. –diz uma voz rouca atrás de mim e eu salto de susto. Credo, pensei.

Sim, é ele. O filho da mãe estava me esperando. E agora vem a parte em que eu sou humilhada e demitida.

–Olha, eu tentei tá. –falei já conformada com a realidade. Eu não consegui.

–Eu não preciso de pessoas que tentem, eu preciso de pessoas que façam. – disse meu, provavelmente, ex-chefe. E eu já cansei de tentar agrada-lo.

– Quer saber? Eu não me importo. Você me mandou fazer algo que sabia que eu não conseguiria, só para poder dizer que eu não consegui. Agora eu sei por que todos sentem medo de você, você é um chefe autoritário. – cuspi as palavras na cara dele, na verdade, quase literalmente, já que estávamos muito próximos e só notei isso agora, quando ele bufava de raiva na minha frente.

Meu Deus! Não acredito que acabei de dizer isso simplesmente para o dono da empresa em que eu sempre quis trabalhar. Agora é oficial, minha carreira é um fracasso.

–Já pode se retirar Senhorita Miller. – disse com uma voz assustadoramente calma.

Com o resto de dignidade que ainda me resta, pego meus sapatos no chão e tento sair daquela sala, o que é bastante difícil, visto que meu pé torcido está protestando.

– Por que está mancando? –pergunta ele.

–E isso importa?

–Não sou o monstro que dizem que sou. –disse.

Talvez seja pior, pensei.

–Isso realmente não importa Sr. Collins. –disse sem olhar para trás.

–Deixe de ser orgulhosa. –disse.

Ele me pegou de surpresa quando parou do meu lado e colocou meu braço em volta do pescoço dele e me pegou pela cintura, me ajudando a andar. Confesso que meu coração disparou. Tentei não me distrair com o aroma do seu perfume francês caro ou com o braço forte que me apoiava ou até mesmo só pelo fato do estar tão próxima dele.

–Eu busco por gente competente e responsável, que não apenas trabalhe, mas que tenha compromisso com a empresa, compromisso comigo, para o que eu precisar Senhorita Miller. Minha secretária tem que estar sempre disponível, independente do horário, pode dizer que eu abuso da boa vontade, mas eu pago muito bem para isso - já estávamos terminando de descer as escadas quando ele concluiu – Eu li o seu currículo, posso dizer que é bom demais para uma secretária, mas é de uma secretária que estou precisando no momento, se você acha que pode ser ela, apareça novamente amanhã.

Já estávamos na porta do elevador, ele me deixou dentro e saiu.

–Eu não costumo dar segundas chances Senhorita Miller, pense bem quando tomar a sua decisão –as portas do elevador já estavam se fechando quando ele concluiu – E se vier amanhã... Não use batom vermelho.