Liam.

22 de outubro de 2015.

Com o ruído final de um trovão Liam acordou. Seu corpo ainda parecia dormente da noite anterior e sua cabeça doía como que estivesse sendo martelada, mas forçou-se a estar de pé. Cambaleante, em parte pelos anestésicos administrados, em parte pela aflição da fragilidade de seu próprio corpo, andou até a grande janela do quarto. Esta, em todo o seu tamanho, era, curiosamente, posicionada em frente a um edifício espelhado. Poderia encarar seu próprio reflexo caso se esforçasse.

Tinha medo. Podia sentir a angústia sufocando-o.

Naquele momento tudo doía. Seu abdômen, onde haviam realizado a cirurgia, suas costas e ombros, onde sentia o peso de todas as nuvens carregadas que o cercavam. Sua mente latejava como se tivesse corrido uma maratona.

Culpava-se.

A bem da verdade ele adquirira a vantagem emocional de Harry de culpar a tudo e todos. Cada estrela no universo, por mais distante que estivesse. Não era justo. Liam costumava ser uma pessoa positiva; o primeiro entre eles a levantar a voz para argumentar o quanto eram abençoados, sortudos até. Mas, naquele quarto de hospital com os pés descalços tocando o chão frio em uma vaga tentativa de força-lo daquele torpor, ele só podia pensar no quanto fora injusto.

A pressão da mídia e do mercado, as expectativas impossíveis que tiveram de alcançar, o abismo que se criara entre irmãos que antes somente encontravam entre si o refúgio do qual tanto precisavam.

E, no entanto, sentia a culpa corroer-lhe o interior, transformando tudo em geleia barata. Porque podia ter feito tanto a mais. Devia ter feito. Talvez um toque a mais tivesse feito diferença. Uma carícia em tom de cumplicidade, nem que fosse só para demonstrar que estava ali. Sempre esteve ali.

Lembrava perfeitamente da sensação de ter suas palavras jogadas contra si mesmo, não com fúria, mas com a intensidade do vento cortante no rosto quando se caminha contra ele.

 "Você disse que sempre estaria aqui porque era o que fazia sentido. Porque era onde tudo se encaixava".

Liam havia se resignado que nunca poderia ser tudo o que esperavam e o que precisavam dele, principalmente em se tratando daqueles que mais importavam. Esforçara-se, céus, como ele tentara. Cada dia em que ele acordava diante da perspectiva de que não era suficiente sentia como um banho de água fria.

Não soava como piada em seus ouvidos quando ele indagava se poderiam recomeçar. Tudo. Do zero. Do fundo de seu coração era o que ele desejava e porque todos ao seu redor não eram capazes de ver?

Ele não podia deixar de se perguntar se fora real. Zayn Malik aprendeu desde muito cedo a se metamorfosear como estratégia de sobrevivência. Conseguira que seu universo interior se protegesse tão seguramente em si que uma parte dele se esvaiu. Agora Liam não podia deixar de se perguntar quais partes eram reais.

Suas risadas silenciosas. Os abraços com cheiro de hortelã e creme de barbear, principalmente aqueles que o faziam se lembrar do quanto ele sentia falta de casa. As preces testemunhadas meio que sem querer, uns dos poucos momentos em que Zayn se permitia realmente relaxar.

Uma parte dele acreditava que se voltassem no tempo seriam capazes de remediar as feridas. Talvez se Liam se esforçasse o suficiente para cultivar os sentimentos certos tivesse funcionado. A outra parte, no entanto, conseguia visualizar nitidamente sua feição morena franzida e com o olhar de quem se desculpa meio que sem saber por que.

 "Meu lugar não é aqui. Independente do quanto você me faça te amar porque como eu posso te amar se eu não estou realmente aqui?".

Ao longe Liam podia ouvir o relampejar de outro trovão, bem distante no fundo do cenário caótico no qual se encontrava. Lentamente se permitiu abrir o punho que sem nem perceber havia cerrado, deixando pequenas marcas roxas onde a unha arranhara a pele. Seu corpo, sua mente e seu espírito contidos no nó formado em sua garganta conquanto sentia-se indeterminado. Vagando e buscando e precisando de uma resposta.

Mais que tudo ele se arrependia pelo que poderia ter sido. Por todas as chances que perderam ao longo do caminho, mesmo sabendo que não podiam cruzar a mesma estrada duas vezes. E o que se embaralhou tanto que se perdeu... bom, foram apenas consequência de dois corações imaturos e ansiosos. Os sonhos deixados para trás e as lembranças agora afiadas como navalhas ficavam dispostas para os cinco fazerem delas o que melhor podiam.

Liam ainda não descobrira o que isso era.

Durante muito tempo apontara máscaras em Zayn, julgara-o, inclusive. E aos poucos se dava conta de que ele era quem se escondeu por trás de uma personalidade comprada.  Ele se fantasiou e assumiu outras personas mas sempre esteve muito certo de quem era , pensou.

Por mais que se enganasse, ainda que conseguisse reverter a situação em sua mente para vislumbrar prelúdios de algum sonho entre as rachaduras do que se quebrara, tinha consciência de sua inevitabilidade. Nada nunca se comparou a perfeição, e era assim que deveria ser. Eram perfeitamente imperfeitos um para o outro e essa constante busca pela complementaridade só os tinha afastado, dia após dia.

Enquanto se virava para encarar seu reflexo no espelho a frente ele soube que nunca mais seriam os mesmos. Embaçada pela chuva que escorria ao longo do edifício, sua imagem refletia a quase-dúvida e a quase-certeza de que, apesar do enorme fardo de seguir em frente, eles estavam mais fortes. Mais livres.

Sem máscaras, sem expectativas platônicas e sem um ao outro.

Mesmo que Liam Payne não hesitasse nem por um segundo, caso dado a oportunidade, em juntar todas essas partes quebradas de um todo se achasse que os possibilitariam recomeçar novamente.