As Maravilhosas Crianças de RiverSide escrita por Rute S Martins


Capítulo 2
Capitulo 1




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A equipe de filmagem estava pronta, de malas feitas e imensamente entusiasmados. Eu não os criticava, afinal essa reportagem seria um ponto de viragem na vida de todos nós.

A minha mala já estava pronta, junto da porta, esperando para que eu ganhasse coragem e a pegasse. Passei uma vez mais os dedos pelos meus finos cabelos loiros, tentando esconder uma longa noite sem dormir, e depois saí para o exterior. A mala estava comigo, meu casaco estava comigo, e mais importante que isso, meu bloco de notas estava comigo.

–Você pensa rápido, Aurora?- ouvi a pergunta, antes de sentir uma pancada forte na cabeça. Ouvi gargalhadas divertidas vindas da equipe, e depois percebi que tinha sido atingida por uma maçã.

–Muito engraçado, Rick!- reclamei irritada. Peguei a maçã do chão, e me dirigi a passo pesado até ele. Ele ria divertido com o resto dos colegas, e parecia estranhamente tranquilo para quem nunca fez uma reportagem desse tipo.- Não está nervoso?

–Você está?- ele respondeu com outra pergunta, e ele sabia o quanto isso me irritava. Rick era um dos Cameraman's, 28 anos, loiro, alto, estupidamente atraente. Estupidamente estúpido, também.

–Não é a minha primeira vez.- respondi, colocando a minha pesada mala dentro do carro, com alguma dificuldade.

–Não é sua primeira vez? E eu que pensei que você ainda era bem inexperiente, doce Aurora...- o seu tom era uma mistura de troça com malícia, pelo que percebi que as minhas palavras teriam sido mal interpretadas. Rolei os olhos, dignada a ignorar a sua estupidez cronica, e depois entrei no carro.

Estava retirando o meu bloco de notas do bolso do casaco, quando ouvi alguém chamar o meu nome. Uma voz já bem conhecida, Lindsay, minha irmã mais velha. Coloquei a cabeça para fora do carro, e vi a pequena loira correndo na minha direção. O já tão conhecido "toc toc" irritante dos seus saltos agulha, abafados pelos risos dos meus colegas. O que estaria ela fazer ali?

–Ah, que bom que ainda não foi embora, Aurora.- disse arfando de cansaço, quando chegou perto do carro. A algum custo se conseguiu livrar dos seus sapatos assassinos, e saltar para os meus braços, com uma graciosidade invejável.

–Muito bom ver você, Lindsay.- falei, saindo do seu abraço apertado, enquanto ouvia a equipe baixar o tom de voz, para conseguir ouvir a nossa conversa. Idiotas.- Mas, o que você está fazendo aqui?

Ela franziu a testa, e pareceu um pouco magoada. Não poderia julgar a sua reação, mas eu apenas estava surpresa. Nunca fui muito chegada da minha irmã, na verdade de ninguém da minha família. Havia perdido os meus pais com apenas 4 anos, pelo que minha avó era o mais próximo que eu tinha de uma mãe. Mas ela faleceu faz algum tempo, quando eu ainda tinha 19 anos. Sentido de família, não era comigo.

–Não seja parva, Aurora!- disse ela magoada, enquanto ajeitava o seu cabelo loiro e comprido.- Eu estou aqui para me despedir de você. Ouvi dizer que essa reportagem será mais trabalhosa que a outra, pelo que ficará mais tempo fora. Por isso estou aqui, para lhe desejar muita sorte.

No final do discurso abriu um grande sorriso, mostrando todos os seus dentes extremamente brancos, e um pouco de marca de batom vermelho extra. Sorri de volta, sem saber muito bem como reagir.

Minha irmã não era o tipo de pessoa de se despedir. Nunca o fizera. Trabalho nesse meio faz 6 anos, e em tantas viagens de trabalho, ela nunca se havia despedido.

–Bem, muito obrigada. Foi muita gentileza sua, é sério.- procurei na minha mente a melhor maneira de fugir daquela situação, e apenas uma me ocorreu.- A gente já estava de saída, sabe? Talvez você devesse ir para casa.

–Mas já, Aurora? Que pena!- o seu lamento era falso, o conseguia sentir a léguas, mas não me apetecia discutir. Sorri simplesmente, e abri os meus braços para um ultimo abraço torto e rápido. Ela sorriu uma ultima vez, e depois falou lentamente:- Tome muito cuidado, Aurora.

Depois de o dizer, simplesmente calçou os seus saltos de novo, e saiu quase correndo em direção ao seu carro. Fiquei me debatendo nas suas ultimas palavras por alguns minutos, mas depois acabei por esquecer tudo, e entrar no carro.

Tirei o meu bloco de notas do bolso, e comecei a anotar tudo pormenorizadamente. Descrevi o tempo, o espírito divertido da equipe, e deixei a pequena aparição de Lindsay no escuro. Descrevi o meu próprio estado de espírito, que se assemelhava muito ao tempo que fazia naquela manhã. O céu estava escuro, e ameaçava chover a qualquer momento. O ar estava húmido e frio, deixando os vidros do carro embaçados. Era uma manhã totalmente escura, assim como o meu estado de espírito, e o café que estava prestes a beber.

–Vai um café?- perguntou Mirjana entrando no carro, estendendo um pequeno copo de plástico. Sorri agradecida, e depois dei um pequeno gole. Senti o liquido queimar a minha garganta, e acalmar todos os nervos do meu corpo.- Está uma manhã horrível para trabalhar. Pode me relembrar o porque de não podermos ficar em casa, por favor? Só mais uma vez!

Ri divertida do seu olhar revoltado, e depois dei mais um gole no café, enquanto avaliava melhor a sua expressão. Mirjana era descendente de Indianos, pelo que tinha uma pele extremamente bronzeada de um tom quase avermelhado, e lindíssimo. Cabelos pretos e longos, mais ou menos até ao meio das costas. Era o que eu considerava uma mulher bonita. Mirjana era como a mascote do grupo, era a mais novinha. Tinha apenas 18 anos, e estava à procura de um furo jornalístico, para entrar nesse mundo. Nada melhor do que esse que acabáramos de arrumar.

–Vou só dizer isso mais uma vez, Mirjana.- disse divertida, enquanto tentava fazer um ar dramático.- Você sobrevive desse emprego.

–Não diga isso, pelo amor de Deus! Sua louca!- disse ela fingindo indignação, o que me fez gargalhar ainda mais.- Eu sobrevivo da música! Saca só isso.

Retirou ambas as colheres do café, e começou a batucar no vidro do carro. Ri divertida das suas caretas engraçadas, enquanto ela fingia ser uma estrela de Heavy Metal.

A pouco e pouco, todos os membros da equipe começaram a entrar no carro. Éramos 6 no total. Eu, Mirjana, Rick, Adolph, Cassandra e Virginia. Éramos um grupo pequeno, mas eu me sentia mais confortável desse jeito. Pouca confusão, mais concentração. Pouca confusão, mais organização. Esse era meu lema.

Da minha pequena cidade do sul até RiverSide, no extremo oposto do país, eram mais de 7 horas de viagem. Aproveitei para anotar todos os lugares por onde íamos passando, assim como ideias conjuntas de como proceder as reportagens. Anotava tudo ao pormenor, e quando finalmente me senti cansada, pousei o bloco no assento e adormeci por escassas horas.

Acordei poucas horas depois. O carro estava parado e a equipe estava do lado de fora, filmando as redondezas. Esfreguei os olhos e pude ver, junto da estrada, uma placa "Bem-vindos a RiverSide". Saí do carro e me preparei para fazer mais algumas anotações, e dar algumas ideias sobre como eu achava ser a melhor maneira de introdução ao local.

Retomamos a viagem, e passados escassos minutos, avistamos mais uma placa dizendo "Instituição de RiverSide". Ali estava o nosso alvo! Mas por enquanto, havia algo mais importante do que propriamente o nosso trabalho, comer. Conseguia perceber que todos estavam famintos, ninguém havia comido durante a viagem.

Parámos junto de um pequeno restaurante, e tirámos o material para fora do carro. Olhei ao redor, surpreendida com o aspeto que a pequena cidade tinha. Parecia tudo tão obscuro. Maioria dos carros era de um tom cinzento pálido, o que fazia com que o nosso carro azul, parecesse uma ofensa à conduta. A maioria das casas eram igualmente cinzentas, ou de uma pedra escura e aborrecida. As enormes árvores estavam despidas, tanto de folhas como de vida. Um verdadeiro lugar morto, sem vida.

Entrámos no pequeno restaurante, e logo fomos abordados por um clima quente e confortável. O restaurante estava quase vazio, apenas os empregados e dois clientes. Esfreguei as mãos, aproveitando o súbito calor do interior, e me sentei junto a Mirjana. Os outros já estavam comentando sobre a comida, enquanto eu só conseguia pensar em começar a trabalhar.

–Já sabem o que vão querer, queridos?- uma velhinha curva veio nos atender. Tinha um sorriso simpático, e cabelo grisalho e curto. Olhei para Mirjana, e ela apenas sussurrou um "Eu como o que você comer".

–Pode ser duas sopas de qualquer coisa, e dois copos de café. Fortes!- pedi.

–Muito fortes, mesmo! E pão com manteiga. Muita manteiga, por favor.- completou Mirjana, abrindo um sorriso animado. Sorri divertida com a sua animação juvenil, e depois observei a velha mulher anotar tudo isso. Depois de ter perguntado o mesmo aos restantes, simplesmente desapareceu.

–Você já viu isso?- perguntou Rick, me entregando um jornal. Dei uma vista de olhos pela capa, e avistei o que ele se referia "Mais uma morte misteriosa em RiverSide. Teoria das crianças amaldiçoadas retorna, com mais força ainda!"

–Eu sei quem escreveu esse artigo!- comentou Mirjana, me arrancando o jornal das mãos.- Foi uma amiga minha lá da sede de jornalistas. Ela escreve maravilhosamente bem!

–Tenho uma ideia.- falou Rick ignorando os comentários desnecessários de Mirjana. Ele acenou para um dos clientes que se encontrava no restaurante, e pediu para que ele se dirigi-se para junto de nós.

–O que você pensa que está fazendo?- perguntei incrédula.

O pequeno homem, que se encontrava no balcão bebendo de uma grande caneca de cerveja, fez um ar admirado e depois saiu da sua cadeira. Caminhou desconfiado até à nossa mesa, e depois puxou uma das velhas cadeiras de madeira escura.

–O que você quer rapaz?- o homem tinha uma voz grossa e rouca, mas não antipática. Parecia o tipo de pessoa que faz grandes amigos só com uma gargalhada.

–Você mora aqui em RiverSide, correto?- o pequeno homem ajeitou o seu chapéu e depois assentiu.- Nós fazemos parte da equipe do jornal "RisingNews", deve conhecer. E estamos aqui para fazer uma reportagem sobre a Instituição de RiverSide.

O homem ficou tenso na sua cadeira, e o ouvi prendendo a respiração por alguns momentos. Depois olhou para os lados, e tirou o chapéu, revelando uma careca suada.

–Vocês não deveriam estar aqui! Vocês não podem ir aquele sitio! Aquele sitio...-o homem não concluiu a sua frase, porque a pequena mulher havia chegado com os nossos pedidos. Mas tão rápido como havia chegado, saiu.

–E porque não?- interferiu Cassandra.

–Aquele lugar é do Diabo! Não podem ir lá. Só se tiverem desejos esquisitos de morrer...essa é a única razão!

O homem estava extremamente nervoso, e a sua testa suava exageradamente. Vi a sua mão tremer sobre o seu chapéu, que se encontrava agora no colo, e depois senti os seus pequenos olhos cravados em mim. Sem saber como reagir, olhei para Mirjana que olhava para a cena igualmente imóvel.

–Mas são apenas crianças...-comentou Mirjana, passados alguns segundos. O homem olhou para ela estupefacto, e depois se levantou. Colocou o seu chapéu de novo na sua cabeça, e depois fungou perturbado.

–Vocês não sabem no que se estão metendo.

Depois de o dizer saiu a passo apressado do restaurante, fechando a porta com uma força desnecessária. Ouvi Mirjana assobiar surpresa, e todos os outros se entre olhando. Suspirei perturbada. Eu já sabia que as pessoas de RiverSide tinham uma grande superstição no que tocava à instituição, onde iríamos fazer a reportagem. Mas não pensava que fosse assim tanto.

–Esse homem é louco!- comentou Mirjana, dando uma grande dentada no seu pão. Sorri de lado, ainda um pouco perturbada pelo acontecido, e depois comecei a comer.

Senti o olhar de Rick cravado em mim, e depois o olhei de volta. Ele estava tão perturbado quanto eu. Conseguia perceber isso. Conseguia sentir isso, por mais que não gostasse dele nem um pouco, percebia como ele se sentia.

Depois de sairmos do restaurante, retomamos viagem, e passados alguns minutos estávamos na estrada correta. Era uma estrada poeirenta e velha, que nos guiava por entre uma densa camada de árvores enormes. Já conseguia ver o grande edifício antigo da instituição lá longe. Era um edifício antigo, semelhante a um palácio. De uma estranha cor de cinzento, e de uma aura fortemente pesada.

Senti um arrepio percorrer o meu corpo, e sem saber bem o porque, senti todos os meus sentidos se alertarem. Sabia que não tinha sido a única, porque todos os outros estavam pela primeira vez em silencio, perdidos na imagem daquele grande palácio negro.

Não tardou para que saíssemos do carro. Assim que senti a terra firme debaixo dos meus pés, senti o segundo arrepio. Dessa vez mais violento, que fez o meu corpo tremer por completo. Olhei pela primeira vez para os grandes portões que se encontravam na minha frente, e depois de verificar que os outros ainda se encontravam a descarregar o material, decidi poupar tempo e o abrir sozinha.

Era antigo e pesado, com maravilhosos adornos com formato de rosas. Utilizei todas as forças que o meu corpo possuía, e depois o empurrei. Com algum esforço consegui. O ranger das grandes portas me trouxe de novo para a realidade, a realidade em que eu me encontrava cada vez mais próxima da instituição. "O lugar proibido".

Senti uma forte picada na cabeça, e depois de soltar um pequeno gemido de dor, vi todo o cenário se contorcendo à minha volta. Ouvi os outros gritando o meu nome, mas era tarde demais. Caí sobre os meus joelhos, sem noção nenhuma do que estava acontecendo.

Mais uma dor intensa na cabeça, e acabei por cair para trás. Senti o meu corpo caindo com brutalidade no chão lamacento, e a dor aumentando. As árvores acima de mim rodavam, e rodavam. Pareciam saídas de um desenho animado, se contorcendo e diminuindo. Que loucura!

Senti uma mão fria na minha face, e depois de verificar que os meus colegas já estavam correndo para junto de mim, olhei para a mão que me acariciava. Era uma mão pequena e pálida. Levantei o olhar e vi dois pequenos olhos azuis gelados, e cabelos castanhos longos, de uma juventude inexplicável. Era apenas uma menina, uma criança. Ela sorriu para mim gentilmente, e por momentos eu pensei que aquela era eu. Uma parte mais jovem de mim.

Senti as mãos fortes de Rick me puxando para cima, e depois perguntar se eu estava bem. Assenti meio zonza, e depois olhei de novo para a frente. E a garotinha tinha sumido.


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